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A era dos investimentos conscientes: em busca do impacto socioambiental

João Amato Neto (*) | 20/02/2021 13:21

Em sua obra seminal A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de 1936, o brilhante economista britânico John Maynard Keynes (1883-1947) já destacava a importância vital dos investimentos como mola propulsora do desenvolvimento das economias nacionais, em termos de geração da renda e do emprego. A ideia, em linhas gerais, é que nos momentos em que a “eficácia marginal do capital” (taxa de lucro esperada pelo investidor) fosse maior que a taxa de juros vigente no mercado financeiro, os investimentos privados cresceriam e, por consequência, provocariam o crescimento da economia. Na contramão de um clima de otimismo, em momentos de falta de confiança entre os agentes econômicos, os investimentos privados cairiam e o Estado seria chamado a realizar grandes investimentos públicos para reverter o ciclo de retração dos investimentos privados.

Porém, o que não se discutia até bem recentemente era a “qualidade dos investimentos”, ou seja, não estava em jogo se a inversão do capital seria para promover a produção de bens supérfluos, de armamentos, de cigarros, de geração de energia com base em fósseis, ou para, por exemplo, a produção da agricultura orgânica e a geração de energias limpas.

Com o crescimento das pressões da sociedade por novos modelos de produção e de consumo comprometidos com os desafios da sustentabilidade socioambiental, surgem também movimentos por modelos de investimentos comprometidos com essas novas demandas.

O termo “desenvolvimento sustentável” apresenta como marco inicial a primeira conferência mundial do clima, ocorrida em Estocolmo 1972, em que os países industrializados discutiram sobre as externalidades negativas da superprodução, o impacto causado pela humanidade sobre o meio ambiente e como os governos deveriam agir para sustentar o sistema econômico, garantindo estabilidade ambiental e social para o futuro. Os resultados dessa reunião foram consolidados no documento Declaração de Estocolmo, por meio do qual as nações concordaram em assumir a responsabilidade pelas consequências ambientais de suas ações, e também em um plano de ação composto de 109 recomendações. O reconhecimento na época era de que a produção industrial era a principal causa da degradação ambiental.

Dessa forma, inicialmente por pressões de ordem ambiental, com os sucessivos desastres ambientais – como por exemplo os ocorridos na indústria petrolífera, na geração de energia nuclear e, recentemente, na mineração (vide os casos de Mariana e Brumadinho) –, surgiram relatórios, normas e códigos que passaram a regulamentar a atividade produtiva em todo o mundo. Destaque-se o Global Reporting Initiative (GRI), lançado primeiramente em 2000, que se constitui como um guia geral de sustentabilidade e passou a ser amplamente utilizado por organizações multinacionais, governos, pequenas e médias empresas (PMEs) e ONGs em todo o mundo.

Já em 2005 surgiu o termo ESG (do inglês: E: Environmental, S: Social e G: Governance), cunhado inicialmente por Kofi Annan, então secretário geral da ONU, que convocou grandes investidores a considerarem os requisitos socioambientais em seus planos de investimentos. Cabe salientar que naquela época apenas 23 empresas foram signatárias deste relatório. Mais recentemente, em 2019, 181 CEOs de megacorporações assinaram um documento que se refere à “Declaração de Propósito”, comprometendo-se com a adoção de novas práticas sintonizadas com o desenvolvimento sustentável e maior responsabilidade social corporativa.

Essa nova modalidade de investimentos em projetos e empreendimentos apresenta-se como uma alternativa atraente aos modelos de investimento tradicionais, pois considera que tais projetos e empreendimentos devam ser, além de viáveis do ponto de vista econômico-financeiro, atraentes na perspectiva dos seus impactos socioambientais positivos. Em outros termos, trata-se de uma categoria de “investimento consciente” na busca de soluções para os graves problemas de ordem social e ambiental.

Na esteira dos “títulos verdes“ (green bonds), o mercado financeiro passou a incluir os títulos sociais, com foco em impactos sociais sustentáveis, que podem ser conectados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas em 2015 e que norteariam a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

Segundo o BID, o mercado de títulos temáticos, criado há pouco mais de dez anos, tem crescido em linha com as demandas dos investidores, que dão cada vez mais importância para a “gestão de riscos e governança” em torno dos “impactos sociais e ambientais” gerados pelos negócios.

Já no final de 2017 o presidente francês Emmanuel Macron promoveu o encontro One Planet, em resposta às ameaças de Donald Trump de deixar o Acordo de Paris. Naquela oportunidade, oito bancos centrais criaram a Rede para o “Esverdeamento do Setor Financeiro”. “Essa rede está hoje com 69 BCs e tem uma lista de 13 observadores, dentre eles o FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano – BIRD, além de vários bancos regionais” (segundo o professor José Ely da Veiga, FEA/USP).

O mercado de títulos de dívida temáticos (ou títulos amigáveis) – os chamados “títulos verdes, sociais ou sustentáveis”, destinados especialmente a combater práticas que provoquem aquecimento global e degradação ambiental – somou US$ 328 bilhões-2019 (R$ 1,8 trilhão) em emissões em todo o mundo no ano passado, alta de 57% ante 2018 (dados compilados no início de junho passado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, com base em informações da agência Bloomberg, em julho de 2020).

No Brasil tais investimentos já começam a surgir, ainda que de forma bastante tímida. Segundo a entidade do mercado de capitais (a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – Anbima), atualmente existem cerca de R$ 700 milhões aplicados em fundos de ações na modalidade ESG, o que equivale apenas a 0,13% do total de investimentos em fundos de ações no Brasil. Apesar disso, alguns fundos de investimentos de impactos ambiental apresentaram crescimento significativo ao longo dos últimos anos. Apenas a título de exemplo: a MOV Investimentos é uma gestora de fundos de impacto socioambiental cujo volume de investimentos cresceu cerca de 6,7 vezes desde sua criação (em 2012) até o 1º. quadrimestre de 2019. Na mesma linha, a Vox Capital, também um fundo de investimentos de impacto, cresceu cerca de 12 vezes neste período.

Outro indicador importante a se considerar nestes novos tempos é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em 2005 pela Bolsa de Valores de São Paulo, à semelhança do índice norte-americano – o Dow Jones Sustainability Index. Desde sua criação até junho de 2011, a taxa de valorização deste índice financeiro evolui praticamente da mesma forma que o tradicional iBovespa. Porém, a partir de julho de 2011 até junho de 2019, enquanto o iBovespa apresentou uma valorização de 225%, o ISE valorizou 240%, o que reforça a percepção de que os investimentos sustentáveis vieram para ficar.

Finalmente, vale a pena salientar que, apesar da existência de alguns índices referentes a aspectos isolados – como o Índice de Governança Corporativa (IGCT) e o Índice Carbono Eficiente (ICO2), além dos índices das bolsas de valores –, ainda não há uma entidade que seja oficialmente responsável pelo selo ou certificado ESG. Trata-se, assim, de um mercado a ser desenvolvido pelas instituições e pelos empreendedores.


(*) João Amato Neto é professor titular do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP e presidente da diretoria executiva da Fundação Vanzolini

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