Adeus ao 13 por 8: o mito da pressão “boa o suficiente”
Você já deve ter experimentado esta cena clássica no consultório médico: o aparelho de pressão aperta seu braço, o médico olha para o resultado, franze a testa e diz “hummm, está um pouquinho alta”. Em seguida vem aquela lista de recomendações que você já conhece de cor: menos sal, mais exercício, menos estresse. E você, claro, promete seguir tudo à risca (pelo menos até sair pela porta do consultório).
Pois bem, prepare-se para que esse diálogo fique ainda mais frequente e, possivelmente, mais incisivo. Em agosto deste ano, a AHA (Associação Americana do Coração) e o ACC (Colégio Americano de Cardiologia)) lançaram novas diretrizes para o tratamento da hipertensão arterial. E a mensagem central não poderia ser mais clara: quando se trata de pressão arterial, quanto mais baixa, melhor.
As novas diretrizes americanas mantêm as mesmas definições de “pressão normal” (abaixo de 120/80 mmHg), elevada (120-129/<80 mmHg) e hipertensão estágio 1 (130-139/80-89 mmHg) e estágio 2 (≥140/≥90 mmHg). A mudança sutil e poderosa na linguagem é a meta: enquanto antes se recomendava uma pressão sistólica abaixo de 130 mmHg para pessoas com hipertensão e risco cardiovascular aumentado, agora a recomendação é atingir “pelo menos valores inferiores a 130 mmHg”, com forte recomendação para chegar a valores menores de 120 mmHg.
Mas atenção, leitor brasileiro: as recém-lançadas Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial de 2025 (DBHA 2025) trazem uma classificação ligeiramente diferente e que exige ainda mais atenção preventiva. A principal mudança que afeta o brasileiro comum está na classificação. Se antes você considerava uma pressão de 13 por 8 (130/80 mmHg) como “normal”, as DBHA 2025 trazem um alerta: a faixa de pressão sistólica entre 120 e 139 mmHg e/ou diastólica entre 80 e 89 mmHg é classificada como pré-hipertensão. Isso significa que, se sua pressão está nesse patamar, você já está na zona de atenção e precisa de intervenção no estilo de vida. É como se o seu corpo estivesse acendendo a luz amarela no painel: ainda não é uma emergência, mas ignorar o aviso é um convite para problemas futuros.
Para quem já tem o diagnóstico de hipertensão, as diretrizes brasileiras simplificaram a meta de tratamento. A recomendação é clara e unificada para a maioria dos pacientes: manter a pressão arterial abaixo de 130/80 mmHg, desde que o tratamento seja bem tolerado.
A ciência por trás dessa mudança é robusta: estudos recentes mostram que pressões mais baixas estão associadas a menor risco de doenças cardíacas, AVC, problemas renais e até demência.
As DBHA 2025 reforçam a necessidade de iniciar o tratamento de forma mais assertiva: intervenção precoce! Se você está na faixa de pré-hipertensão ou hipertensão estágio 1 (140-159/90-99 mmHg) e as mudanças no estilo de vida não surtirem efeito em 3 a 6 meses, a orientação é clara, hora de considerar o tratamento medicamentoso. Agora, para quem já começa com hipertensão estágio 2 (pressão sistólica ≥160 mmHg ou diastólica ≥100 mmHg), a recomendação é iniciar o tratamento com uma combinação de medicamentos. Esqueça a monoterapia inicial.
Uma das novidades mais interessantes das novas diretrizes é a ênfase na relação entre pressão arterial e saúde cerebral. Antes, já se mencionava que controlar a pressão poderia ser “razoável” para prevenir declínio cognitivo. Agora, com evidências mais robustas, a recomendação é explícita: manter a pressão sistólica abaixo de 130 mmHg para prevenir comprometimento cognitivo leve e demência.
A explicação é relativamente simples: a hipertensão causa danos aos pequenos vasos sanguíneos em regiões do cérebro responsáveis pela função cognitiva, de forma semelhante a como danifica a microvasculatura cerebral levando ao AVC isquêmico. É como se a pressão alta fosse um martelo pneumático operando de forma contínua nos vasos (bastante delicados) que irrigam seu cérebro. Não é difícil imaginar que isso não vai acabar bem.
As novas diretrizes também recomendam dois novos exames para a avaliação de rotina da hipertensão. O primeiro é o teste da relação albumina-creatinina urinária, um indicador mais sensível de doença renal precoce do que o tradicional teste de creatinina sérica. O segundo é uma recomendação para triagem mais ampla do aldosteronismo primário, uma condição que leva à hipertensão e que pode estar presente em até 20% dos casos mais graves. No entanto, apenas 1% ou 2% das pessoas que deveriam ser testadas realmente o são. É como se estivéssemos ignorando um vilão importante que se escondia muito bem, afetando muito mais pessoas do que imaginávamos.
As mudanças de estilo de vida sempre foram chave no tratamento da hipertensão, mas as DBHA 2025 são mais específicas: a recomendação é reduzir a ingestão de sódio para menos de 2.000 mg/dia (cerca de 5 g de sal) para a população geral, e idealmente menos de 1.500 mg/dia.
E aqui vem uma recomendação que pode mudar sua experiência culinária: substitutos de sal enriquecidos com potássio. Esses produtos reduzem o nível de sódio e aumentam o de potássio, ambos úteis para baixar a pressão arterial. Estão disponíveis em supermercados e on-line, mas são subutilizados nos EUA (e no Brasil também, diga-se de passagem). Só não são recomendados para pacientes com doença renal crônica ou outras condições em que devem ter cuidado com a ingestão de potássio.
Se você está acima do peso e seu médico já recomendou que você emagrecesse para ajudar a controlar a pressão, as novas diretrizes trazem uma novidade: uma meta específica. Adultos com sobrepeso ou obesidade devem visar perder pelo menos 5% do peso corporal ou reduzir o IMC em pelo menos 3 unidades de medida. E, pela primeira vez, as diretrizes mencionam os medicamentos agonistas do receptor GLP-1 (sim, estamos falando do Ozempic e companhia), destacando que quando usados para controle de peso, podem ser eficazes como adjuvantes para baixar a pressão arterial.
E aqui vem talvez a mudança mais difícil de engolir para muitos: a recomendação de abstinência total de álcool. Antes, as diretrizes recomendavam limitar a ingestão de álcool para pessoas com pressão elevada ou hipertensão. Agora, aconselham todos os adultos a se absterem de beber.
O comitê responsável pelas diretrizes está convencido de que a relação entre álcool e pressão arterial é clara. Assim, a nova recomendação é que o ideal para pessoas que têm pressão alta ou querem prevenir a pressão alta é a de não consumir álcool. Para aqueles que continuam bebendo, o limite permanece o mesmo: não mais de 1 dose por dia para mulheres e 2 para homens. Essa diferença não é baseada no peso, mas nas diferenças no metabolismo hepático do álcool entre mulheres e homens.
É como se aquela taça de vinho tinto que você tomava “pelo coração” agora tivesse seu benefício cardiovascular questionado – pelo menos no que diz respeito à pressão arterial.
Mas o que isso tudo significa para você?
Se você já tem hipertensão, prepare-se para uma conversa mais assertiva com seu médico sobre a meta de abaixo de 130/80 mmHg e, possivelmente, sobre iniciar ou ajustar medicamentos mais cedo.
Se você ainda não tem hipertensão, essas diretrizes reforçam a importância da prevenção: menos sal (com a meta de menos de 2.000 mg/dia), menos álcool (idealmente nenhum), controle de peso e, claro, os velhos conhecidos exercício físico regular e alimentação saudável.
A nova diretriz, baseada em evidências científicas sólidas que mostram que pressões mais baixas levam a menos eventos cardiovasculares, menos danos aos órgãos-alvo e, em última análise, vidas mais longas e saudáveis, é mais uma demonstração de que a ciência continua evoluindo, e o que considerávamos “bom o suficiente” ontem pode não ser mais o ideal hoje. Em última análise, as novas diretrizes brasileiras são um convite para que todos nós sejamos mais proativos e exigentes com a nossa saúde cardiovascular.
(*) Hamilton Roschel é coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
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