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Atentado em Las Vegas

Vivian de Jesus Correia e Silva (*) | 08/10/2017 17:02

A Associação Nacional do Rifle, dos EUA, surpreendeu a todos quando, no dia 05 de outubro, demonstrou publicamente seu apoio à regulação da venda de dispositivos que aumentam o poder de fogo das armas. Foi uma sinalização de que há necessidade de regular, colocar limites no uso de armas, na venda de armas e que os lucros não podem ser priorizados em relação à vida.

Talvez estejamos numa sociedade que funcione de um jeito que deixe as pessoas tão desamparadas, inseguras e sozinhas que encontrar ajuda seja mais difícil do que comprar dispositivos para deixar armamentos poderosos ainda mais perigosos.

Suplementos e armamentos semiautomáticos são vendidos atualmente nos EUA. A acessibilidade do povo norte-americano a armamentos está sendo revista justamente pela rica associação de armamentos poderosos e isso já é um fato a se comemorar.

Quem sabe a tal associação de armamentos não possa revisar, inclusive, as motivações para sua existência e, quem sabe, num gesto de caridade, fazer o grande favor social de deixar de existir. E só aparecer quando for necessário explicar o porquê desapareceu.

A concessão de apoio aos limites dos armamentos providenciados por essa Associação Nacional do Rifle é um sinal de recuo, feito justamente após o massacre que matou 59 em Las Vegas, na madrugada do dia 2 de outubro deste ano, efetuado pelo cidadão norte-americano Stephen Paddock.

Fortemente armado, essa pessoa se instalou numa altura considerável e, à vontade em seu quarto confortável, matou pessoas como se fossem insetos. Matou muitos e de forma rápida. Massacre imprevisível. Imprevisível?

Deixar armas acessíveis numa sociedade à beira do caos não torna os massacres imprevisíveis. Ou vai dizer que depois dessa notícia ninguém está imaginando quando e onde será o próximo massacre? Sim, eles são previsíveis.

Mas as forças armadas norte-americanas insistem em classificar o risco, a previsibilidade de episódios tristes como esse em categorias que fogem ao que eles consideram como normal. Usar turbante, ser negro, ser portador declarado de um sofrimento mental, ser de outra etnia, ser pobre, não heterossexual, desempregado, excluído pelos familiares, esse é tipo de risco que eles enxergam. Paddock prova que eles estão errados.

As forças armadas brasileiras insistem em classificar o risco também em categorias de eficiência duvidosa. O que foge ao que eles consideram como normal? Jovens envolvidos com política, coletivos sociais organizados em busca de direitos como moradia, alimentação, educação, estudantes. Gente que batalha para desmascarar delitos e luta para entender e mudar o mundo. Pessoas que se autorizam a liberdade para vivenciar o prazer e assim, afirmar a vida. Afinal, sabe-se que fotos de pessoas nuas, mostras de arte polêmicas ou grupos de reflexões acadêmicas não são capazes de matar 59 e ferir mais de 500 pessoas ao mesmo tempo. Por que punir/proibir? Será que ter direitos a se manifestar e interagir não pode ser o remédio para uma sociedade que se fecha em si mesma até sufocar e depois explode, em fúria, atirando?

O cara que fez isso era um “cara normal”. Homem branco, casado, provavelmente heterossexual, sem antecedentes criminais, não professava nenhuma religião islâmica, tinha bens, vida social confortável, família típica que gostava dele, não era jovem demais nem velho demais, ausência de ficha psiquiátrica ou escândalos em sua vida pessoal.

Acredito que Paddock escancarou para a sociedade que o problema está em ser normal. Sim, não dá para ser normal não. Você já se perguntou sobre o que é ser normal? Como é produzida essa tal de norma?

Duvido que ninguém sinta ou ao menos suspeite que para encaixar uma pessoa nos padrões da normalidade se usa de muita violência. Para aparar arestas e homogeneizar, massacres são cometidos ao longo do tempo, sem direitos de reação e com menor visibilidade. Mas os estragos são grandes, tão grandes, que nesses cortes, mutilamos irremediavelmente.

Acabar com o que faz dos seres humanos as verdadeiras obras-primas - sua diversidade – é colocar um ponto final na arte de viver. Vai resultar em acabar com o que há de mais interessante em nós mesmos. Daí para ser com um cidadão normal, como o Paddock, não vai faltar nada.

Massacres, caro leitor, temos aos montes no Brasil. Janaúba. Rio de Janeiro. Congresso Nacional. E pode apostar, que os piores assassinos são os considerados normais e aquelas piores notícias provenientes deles não serão mais divulgadas na internet. Vamos ter que estudar mais e procurar mais para saber.

Agradecimentos especiais à Thaís Ishimoto, Assistente Social do Centro de Referência da Assistência Social da Prefeitura de Miracatu, pela importância dada ao tema.

(*) Vivian de Jesus Correia e Silva é Mestre e Doutoranda em Psicologia e Sociedade pela Unesp e Psicóloga do Departamento de Assistência Social da Prefeitura de Miracatu, SP.

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