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Balança sem partido

Por Manuelle Senra Colla (*) | 09/07/2019 16:39

Antes de tudo, esclareço aos colegas advogados que dedico estas linhas aos “cidadãos de bem”. Não que isso nos exclua, que sejamos “do mau” – de forma alguma – mas nossa formação técnica nos colocou em contraponto à visão de uma parcela da sociedade que crê, por alguma razão, que nosso trabalho atrapalha (pasmem!) o combate à corrupção e outros crimes.

Sem pretender esgotar o tema, meu intuito com esse pequeno texto é reduzir – se não for muita audácia da minha parte – o abismo entre o jurídico e o não jurídico, aparando algumas arestas com a compreensão do conceito e do uso de três elementos que podem fazer grande diferença nos ajustes de nossos laços, tendo em vista que, enquanto concidadãos, por certo unissonamente bradamos por uma vida condigna para todo o povo brasileiro. Os elementos supramencionados são os seguintes: a balança (da Justiça), a imparcialidade (enquanto princípio basilar do Direito) e as redes sociais.
(me desejem sorte)

Quando se vê a balança, símbolo máximo do Direito e da Justiça, vemo-la equânime, equilibrada, perfeitamente harmoniosa e nivelada. O objeto é elegantemente empunhado pela Deusa Themis, presenteado aos formandos de Direito e encontrado em quase todo escritório de advocacia. Tão conhecida a balança: por que insisto em trazê-la à baila?

A balança, para o Direito, representa a igualdade e equilíbrio processual conferidos às partes envolvidas em um processo. Sem este tratamento igualitário, não há Justiça. E se não há possibilidade de Justiça, não precisa sequer haver processo. Retornamos, pois, ao tempo em que não havia o chamado “devido processo legal”, sem nossas “garantias constitucionais” e todos os princípios fundamentais que norteiam o Ordenamento Jurídico e nos fazem ter – dentro do possível – mais segurança no Judiciário e nas instituições de forma geral.

Imaginemos em outros tempos, muito antigamente: um cidadão queixava-se ao Imperador (detentor absoluto de todo poder de decisão), que seu vizinho invadira sua terra, ocupando mais da metade do terreno com a cerca, ou que roubara suas cabras durante a noite... Este cidadão certamente espera do Imperador justiça e, para tanto, imparcialidade.

Espera que o Imperador determine que o vizinho abusado recue a cerca, devolva as cabras... Este é o papel do julgador. Agora pense que este mesmo cidadão, antes de queixar-se ao Imperador, sabe que o mesmo tem grande afeição pelo vizinho, ou é amante de uma de suas filhas, ou faz negócios com o mesmo... Iria o cidadão depositar sua queixa nas mãos do Imperador? E se o fizesse, teria confiança na imparcialidade de sua decisão?

Escancara-se aí um dos princípios mais importantes que norteiam o Direito: a imparcialidade do julgador. Aquele que julga uma causa não pode ser amigo, inimigo ou parente de nenhuma das partes envolvidas na causa ou ter qualquer interesse no resultado do processo. Não pode, também, orientar nenhuma das partes ou seus advogados. Não pode receber mimos, presentes. Não pode aceitar vantagens. Não pode! É proibido! A lei veda.

Se o bom senso não for suficiente para a proibição, o legislador deixou explícito. Quem tiver curiosidade para conhecer as causas de suspeição e impedimento do juiz, no campo do Processo Civil, sugiro a leitura dos arts. 144 e 145 do CPC/15. Juiz que não é imparcial, qual a consequência? A nulidade. Tão grave, que é capaz de jogar anos e anos de árduo trabalho no lixo. Juiz parcial (com a nulidade) coloca o preso na rua (não na cadeia). Juiz parcial (com a nulidade) consegue a prescrição do crime, não a condenação. Juiz parcial é um dano incomensurável para a sociedade.

Ultimamente esse assunto veio à tona como um tsunami após o site “Intercept” ter divulgado supostas conversas entre o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro (à época dos diálogos juiz na Operação Lava Jato) e o Procurador coordenador da mesma força-tarefa, Deltan Dallagnol.

O grande embate quanto ao teor dos diálogos é se Sérgio Moro exorbitava suas funções de juiz, trabalhando em conjunto e até mesmo dando comandos ao Ministério Público e, assim, estaria afrontando ao princípio da imparcialidade inerente a sua função, o que culminaria na nulidade absoluta de suas decisões, ou se os diálogos são falsos e/ou as provas ilícitas e/ou se são normais à conduta judicante.

Mas, polêmicas a parte, nobre leitor, respeitemos o título do artigo e seu personagem principal: a balança. Prometi buscar estreitar nossos laços com três instrumentos e ainda nos falta um: as redes sociais.

Não é de hoje que religião, futebol e política causam confusão, mas esta última tem superado as expectativas. Dito isso, trago meu último tema, verdadeira razão deste escrito, que eu desejava fosse um tempo despendido a regar minhas plantas ou tomar um café. No ócio, tenho tido o desprazer de, frequentemente, deparar-me com colegas advogados gravemente ofendidos em suas redes sociais ao manifestarem qualquer menção ao princípio da imparcialidade (devido processo legal, entre outros).

Seguros atrás de seus computadores os ofensores não poupam adjetivos, conferindo aos juristas as mais graves injúrias e até os “filiando” inadvertida e automaticamente a partidos políticos. E agora chegamos à cereja do bolo: quando um cliente procura um advogado, senta-se confortavelmente na poltrona do escritório, deseja para si e seu processo toda a imparcialidade e justiça. Não admite que a outra parte seja beneficiada pelo magistrado, pelo perito, pelo promotor. Justiça! Imparcialidade! Para mim! Para mim! Mas ora, ora... Maquiavel mora no coração dos homens?: “aos amigos os favores e aos inimigos a lei”.

Lamento o rude tratamento que a advocacia tem recebido, mas lamento ainda mais se tais “cidadãos de bem” desejam ver o desequilíbrio da balança quando lhes convém. Aos colegas advogados, suplico que mantenhamos a serenidade e o distanciamento imprescindível, alicerçados em nosso juramento e na ética profissional. Que todos saibam: a balança de Themis é uma só. Tirem imediatamente seus partidos (sejam quais forem) de cima dela, pois ela pertence ao Direito, não serve a nenhum eleitorado, não serve, enfim, a nenhum de nós.

(*) Manuelle Senra Colla é advogada, pós-graduada em Direito Processual Civil e professora universitária.

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