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Como a tecnologia está sequestrando a sua mente

Por Tristan Harris* | 29/04/2019 09:35

"É mais fácil iludir as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas” - Desconhecido

Sou um especialista em como a tecnologia sequestra nossas vulnerabilidades psicológicas. É por isso que eu passei os últimos três anos como Designer Ético da Google me preocupando em como o criar designs que impedissem o sequestro de bilhões de mentes.

Ao utilizar tecnologias, geralmente focamos com otimismo em todas as vantagens que elas trazem para nós. Mas quero te mostrar onde ela pode fazer o oposto.

Onde a tecnologia explora as fraquezas das nossas mentes?

Eu aprendi a pensar dessa maneira quando eu era um mágico. Mágicos começam procurando por pontos cegos, vulnerabilidades e limites de percepção das pessoas, para que possam influenciar suas ações, sem que elas sequer percebam. A partir do momento que você sabe como apertar os botões das pessoas, você pode tocá-las como um piano.

E é exatamente isso que designers de produtos fazem com a sua mente. Eles jogam com as suas vulnerabilidades psicológicas (consciente e inconscientemente) contra você, na corrida para agarrar sua atenção.

Quero mostrar para você como eles fazem isso.

A cultura ocidental é construída em volta dos ideais de escolha e liberdade individual. Milhões de nós defendem nosso direito de fazer escolhas livres, enquanto ignoramos como essas escolhas são manipuladas por menus que não escolhemos, em primeiro lugar.

Isso é exatamente o que mágicos fazem. Eles dão às pessoas a ilusão de liberdade de escolha, enquanto arquitetam o menu de escolha para que eles ganhem, independente do que você venha a escolher. Não consigo enfatizar o quão profundo esse insight é.

Quando é oferecido um menu de escolha, as pessoas raramente perguntam:

“O que não está no menu?”

“Por que estão me oferecendo essas opções e não outras?

“Eu conheço os objetivos do provedor e designer do menu?”

“Este menu está empoderando minha necessidade original, ou as escolhas são, na verdade, uma distração?” (por exemplo, uma esmagadora variedade de pastas de dente).

Por exemplo, imagine que você saiu com seus amigos, em uma quinta-feira à noite e querem manter o papo rolando. Você abre o Yelp para achar recomendações de lugares próximos e ver uma lista de bares. O grupo se torna um amontoado de rostos encarando seus celulares, comparando bares. Eles examinam as fotos de cada bar, contrapondo drinques e bebidas. Esse menu é relevante para o desejo original do grupo?

Não é que os bares não sejam uma boa escolha, é que o Yelp substituiu a questão original do grupo (“onde podemos manter o papo rolando?”) com uma questão diferente (“qual é o bar com boas fotos de bebidas?”), somente moldando o menu.

Além disso, o grupo cai na ilusão de que o menu do Yelp representa um conjunto de escolhas completas de lugares para ir. Enquanto baixam a cabeça olhando seus celulares, eles não vêm uma banda tocando ao vivo, no parque do outro lado da rua. Eles perdem a galeria em frente, que está servindo crepes e café. Nenhuma dessas opções apareceram no menu de Yelp.

Quanto mais escolhas a tecnologia nos dá, cada vez em mais setores das nossa vidas (informação, eventos, lugares para ir, amigos, encontros, trabalhos) - mais assumimos que o nosso celular sempre é o menu de escolha mais útil e empoderador. É mesmo?

O menu “mais empoderador” é diferente do menu que tem mais escolhas. Mas quando nos rendemos cegamente às escolhas do menu, é fácil perder a noção da diferença:

“Quem está livre para dar um role?” vira um menu de pessoas que mais recentemente nos enviaram mensagem
“O que está acontecendo no mundo?” vira um menu de compartilhamentos no feed de notícias.
“Quem está solteiro para sair em um encontro?” vira um menu de rostos para deslizar no Tinder (ao invés de eventos locais com amigos, ou aventuras urbanas por perto).
“Eu tenho que responder esse e-mail” vira um menu de respostas automáticas (ao invés de empoderar maneiras de se comunicar com uma pessoa).

Ficou triste porque a tecnologia sequestra sua mente? Eu também. Eu listei algumas técnicas, mas na verdade existem milhares. Imagine toda uma prateleira de livros, seminários, oficinas e treinamentos que ensinam técnicas assim para novas empresas de tecnologia. Imagine centenas de engenheiros cujo emprego é inventar novas formas de manter você em suas respectivas plataformas.

A máxima liberdade é a mente livre e precisamos que a tecnologia esteja ao nosso lado para nos ajudar a viver, sentir, pensar e agir livremente.

Precisamos que nossos celulares, telas de notificações e navegadores sejam os exoesqueletos para nossas mentes e relacionamentos interpessoais que coloquem nossos valores, não nossos

impulsos, em primeiro lugar. O tempo das pessoas é valioso. E nós devemos protegê-lo com o mesmo rigor que a privacidade e outros direitos digitais.

Tristan Harris era Filósofo de Produtos do Google até 2016, onde ele estudou como a tecnologia afeta a concentração, o bem estar e o comportamento de bilhões de pessoas. 

*Artigo publicado originalmente no Medium e traduzido por Juliana Oms e Livia Pazianotto.

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