ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SEGUNDA  06    CAMPO GRANDE 24º

Artigos

Coronavac, duas doses e minha vacina preferida

Inês Aparecida Tozetti (*) | 01/07/2021 13:30

A vacina Coronavac foi a primeira vacina disponibilizada para aplicação na população no Brasil. Trata-se de uma vacina com vírus inativado, sendo que para vírus não se utiliza a expressão vírus vivo e sim atenuado, ou vírus morto e sim inativado. A tecnologia de obtenção da vacina Coronavac, através da utilização de vírus inativado tem mais de 70 anos de utilização e é aquela utilizada na vacina da gripe que muitos tomam anualmente.

A inativação de um vírus impede que ele se “reproduza” ou seja, não causa infecção de células e, portanto, não temos a multiplicação viral quando tomamos esse tipo de vacina. Por isso é considerada uma vacina extremamente segura, não causa doença e tem muito poucas reações adversas, podendo ser aplicada em pessoas com imunodeficiências, supressão do sistema imune (pacientes com câncer, pacientes transplantados e com processos autoimunes), além de ser recomendada para crianças, gestantes e puérperas.

O IFA (ingrediente farmacológico ativo) no caso deste tipo de vacina, trata-se de “carcaças” do vírus original e após preparo da vacina oferecerá um molde para o sistema imunológico do indivíduo. O contato com esse molde nos ensina a responder mais rápido ao vírus original. É assim que aprendemos a nos defender do vírus da COVID-19 quando tomamos essa vacina.

Uma possível limitação de vacinas com vírus inativado (qualquer vacina) é que elas têm uma eficácia mediana na proteção à infecção (ao adoecer). Agora quanto a proteção de doença moderada e grave, incluindo internação e óbito, este tipo de vacina tem uma eficácia muito maior.

Outras vacinas têm essa mesma limitação, uma delas é a BCG, ou seja tomamos a BCG ao nascimento mas mesmo assim temos muitas pessoas com tuberculose na sociedade, mas temos menos formas graves de tuberculose ocorrendo (cerebral, óssea e outras). Essa é ideia da Coronavac ela não impede que você adoeça, mas ela reduz muito o risco de ter doença mais grave. Mas você pode perguntar: apesar de ter uma eficácia de 80% em evitar formas graves e até maior em impedir óbitos, mesmo assim estou vendo pacientes com duas doses fazendo casos graves?

Eficácia de uma vacina é medida em estudo e não é vida real, as pessoas que se voluntariam para o estudo são saudáveis e nem sempre representam numerosamente todas as faixas etárias. Tais estudos provam que aquela vacina não faz mal, oferece uma proteção mínima e por isso pode ser utilizada na população em geral (aprovação pela ANVISA). Aos poucos as pesquisas posteriores a aprovação vão ampliando os estudos aumentando as faixas etárias, incluindo voluntários com outras condições de saúde e conhecendo melhor o desempenho de cada vacina. Adequando a vacina a melhor desempenho na população.

Quanto a Coronavac, com os estudos realizados após a aprovação, já se tem definido que na população em geral (saudável ou nem tanto) ela é extremamente eficaz para redução de casos moderados a graves, inclusive o evitando o óbito. Para qualquer vacina ter o efeito desejado devemos considerar a velocidade de aplicação na população e a cobertura vacinal. Então se aplicamos esta vacina para poucas pessoas e vagarosamente, permitimos que o vírus continue circulando, entrando em contato com as pessoas e algumas desenvolvendo a doença, mesmo que de forma menos grave, mas representando ainda um problema para as pessoas.

Com o aumento da cobertura vacinal, e a aplicação de forma mais rápida, mais pessoas estarão protegidas e o vírus circulará menos, teremos então menos casos de infecção. Por isso é importante tomarmos duas doses de qualquer vacina (aquela que tiver no momento para nos vacinarmos), dessa forma vamos colaborar para diminuir a circulação do vírus.

O experimento em Serrana onde houve a vacinação de forma rápida e em toda a população adulta com a Coronavac, demonstrou excelentes resultados com diminuição de número de casos, moderados, graves e óbitos. Mas no atual momento, não conseguimos ter essa dinâmica em nosso país.

Outro elemento importante para qualquer vacina é considerarmos o envelhecimento do sistema imune (imunosenescência). Com o nosso envelhecimento, o sistema imune também envelhece, fica mais lento para responder e responde com menor potência. Alguns estudos questionam a eficácia da Coronavac em idosos, relatando uma faixa de 30 a 60%, por isso devemos ter uma vacinação rápida, com elevada cobertura vacinal e adotar as medidas não farmacológicas (uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social) enquanto o vírus estiver circulando. Dessa forma protegeremos inclusive as pessoas que o sistema imune tem maior dificuldade para responder em virtude do envelhecimento

Quando aplicamos qualquer vacina em uma população imensa, veremos infelizmente casos mais graves e até óbitos mesmo com duas doses e independente do tipo de vacina, mas com certeza tais ocorrências serão em menor número do que se não houvesse a vacinação da população. Mais uma vez a importância das medidas de proteção não farmacológicas são indiscutíveis, pois associadas a vacinação alcançamos o objetivo de diminuirmos os casos moderados, graves e óbitos.

As medidas de proteção não farmacológicas são importantes não somente para proteger as pessoas ao nosso redor, mas também para diminuir a circulação do vírus. Enquanto tivermos a taxa de infecção elevada, teremos um maior número de mutações virais e então risco de surgimento de variantes mais transmissíveis, mais agressivas (com maior risco de casos graves e óbitos) e que podem não ser cobertas pelas vacinas disponíveis. Se permitirmos isso acontecer voltaremos dez casas atrás no jogo e teremos um impacto muito maior em nossas vidas.

Por isso, é importante tomarmos a vacina que for possível, no seu esquema completo (duas ou uma dose dependendo da vacina) e o mais rápido possível. Enquanto fico esperando a melhor vacina para tomar, permito que o vírus vença o jogo!

(*) Inês Aparecida Tozetti é doutora em Imunologia pela USP e professora de Imunologia do INBIO/UFMS.

Nos siga no Google Notícias