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Da conciliação

Por Heitor Freire (*) | 01/08/2018 08:13

A situação extremamente difícil porque passa nosso país nos remete à busca de alternativas para encontrar a luz no fim do túnel.

Começa a circular uma proposta que, a princípio, parece comprometida com a corrupção, mas que, analisada com seriedade e consciência, pode levar a uma transição do momento que estamos vivendo – de apuração severa da corrupção que envolveu boa parte dos políticos e dos grandes empresários brasileiros – a um encaminhamento aceitável: a ideia da conciliação.

Na realidade esse caminho não tem nada de novo. Mas o clamor nacional diante da dimensão alcançada pela corrupção, acabou despertando um profundo sentimento de condenação, natural e até necessário para conter essa onda imensa de mal-feitos.

Passada essa etapa é chegado o momento de se promover a conciliação, de se reunir a nação em torno de um propósito agregador. Para isso, naturalmente, o processo deve ser precedido pela devolução de todos os valores que foram ilegalmente subtraídos. A execração pública a que já foram expostos os corruptos e os corruptores somada à devolução do dinheiro de certa forma já perfazem a punição necessária ao crime de corrupção.

Podemos nos basear nos ensinamentos de Jesus que, perguntado uma vez por Pedro: “Mestre quantas vezes devemos perdoar nosso irmão, sete?” Jesus respondeu: “Não Pedro, mas setenta vezes sete”(Mt 18: 21,22). No episódio do apedrejamento da mulher adúltera em via pública, Jesus repreende os agressores e diz a ela: “Vá em paz e não peques mais”.

O que não está claro é se a exortação de Jesus será aceita pelos corruptores e pelos corruptos, pois parece que após o susto da repressão severa, pode haver uma fase de análise do resultado e após um período de hibernação o condenado volte às práticas antigas. O que inviabilizaria a tese da conciliação nacional.

O jornalista Pedro Bial, em sua primeira crônica no Globo esta semana escreveu: “Declaro minha franca adesão à ideia de conciliação. Sei que isso pega muito mal no Brasil de hoje, mas, por favor, não me tomem como alienígena. Durante toda a história brasileira, o espírito conciliador foi celebrado e bem-vindo. Quando, nas últimas décadas, denunciou-se, com razão, a quantas más causas de encobrimento da iniquidade e manutenção de perversões serviu o espírito de conciliação, jogou-se a ideia fora junto à água suja e ao bebê. O gesto conciliador foi gravado na concha das ostras e mandado a se roçar nas próprias, entanguido e estigmatizado.”

Ele continua: “A mais moderna neurociência me respalda, em tal apologia da cooperação. Cito Antonio Damásio, em “A Estranha Ordem das Coisas”, a discorrer sobre nosso caminho evolutivo de bactérias a mamíferos superiores: “Esse longo processo de evolução e crescimento é repleto de exemplos de cooperações poderosas, embora os relatos dessa história costumem dar grande destaque à competição. (...) O princípio é sempre o mesmo: organismos abrem mão de alguma coisa em troca de algo que outros podem lhes oferecer; a longo prazo, isso torna a vida deles mais eficiente e aumenta a probabilidade de sobrevivência. (...) as bactérias, ou células nucleadas, abrem mão é de sua independência; o que recebem em troca é acesso (...) aos produtos que são gerados por um arranjo cooperativo, compostos de nutrientes indispensáveis (...) acesso a oxigênio ou vantagens climáticas. Lembre-se disso da próxima vez que ouvir alguém dizer que os acordos internacionais de comércio são má ideia”.

O documentarista e editor da revista Piauí João Moreira Salles, publicou um texto com o título: “Anotações sobre uma pichação” no qual desenvolve argumentos analíticos, políticos e filosóficos a partir da frase “Não fui eu”, que recentemente se espalhou pelas ruas do Rio, pichada em vários muros da cidade. De autor desconhecido, a frase é curiosa e fala muito do comportamento geral que temos visto em nosso país: a falta de espírito cívico, a falta de compromisso com o que é coletivo, a falta de responsabilidade por nossos próprios atos.

Vale a pena ler. É uma excelente reflexão, um texto muito bem escrito e fundamentado.

(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.

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