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Das emanações corpóreas

Por Heitor Freire (*) | 16/02/2019 13:30

O corpo humano fala. Ele tem um sistema de comunicação que, se devidamente entendido pelo homem, vai se constituir num aliado muito valioso. A grande maioria das pessoas não sabe decodificar essa linguagem, quase sempre silenciosa.

Mas tem algumas que são ruidosas, e como são. Por exemplo, o arroto, o espirro e o pum. Destas emanações, o arroto e o espirro são aceitas naturalmente. Os árabes, segundo uma lenda antiga, quando recebem alguém para uma refeição e o convidado não arrota ao final, consideram que o alimento não foi bem aceito.

O espirro também tem características próprias, por exemplo, ninguém consegue espirrar de olhos abertos. E ao espirro deve-se dar livre curso para que possa cumprir seu objetivo: liberar energias pelo nariz.

Agora, o pum não. Há um constrangimento social que torna o pum indesejado. Como se sabe, se manifesta quase sempre por um som próprio, muitas vezes acompanhado de um cheiro fedido. Mas o pum é uma das emanações corpóreas que tornam todos os seres humanos iguais. Todo mundo peida, todos os dias e muitas vezes.

O pum faz parte da digestão humana e continuará fazendo, e quanto a isso não há o que fazer. Pode gerar desconforto e dores abdominais por provocar uma distensão no intestino. Mas incômodo maior talvez seja a necessidade de lidar com ele. Não é à toa que existe pijama, cueca e calcinha anti-pum, à prova de constrangimentos. Mas o que fazer quando não tem roupa que segure?

A rejeição a esse barulhento e mal cheiroso impulso orgânico não é tão velha assim. A "repulsa ao pum" surge com outros hábitos de higiene adotados com o crescimento das cidades no século 19.

O pum também é cultura. Por volta de 1781, Benjamin Franklin era embaixador dos Estados Unidos na França, e escreveu um ensaio que também ficou conhecido como “Fart Proudly” ou “Peide com Orgulho”, dizendo que soltar gases em público devia deixar de ser considerado um incômodo.

No artigo, ele escreveu também que seria importante dedicar recursos para encontrar uma forma de tornar a flatulência algo agradável ou simplesmente “inofensiva”. Isso poderia ser feito, talvez, por meio dos alimentos digeridos.

O autor distribuiu o ensaio a muitos amigos, inclusive Joseph Priestley, químico famoso por seu estudo dos gases e que, portanto, deveria interessar-se pelo assunto.

O texto não chegou a ser publicado e após a morte de Franklin, ficou um tempo esquecido, porém, reapareceu em 1990, numa antologia organizada por Karl Japikse e publicada pela Enthea Press intitulada Fart Proudly – Writings of Benjamin Franklin You Never Read in School ou “Peide com Orgulho – Escritos de Benjamin Franklin que Você Nunca Leu Na Escola”.

O historiador Alain Corbin na obra História da Vida Privada - volume 4 (Companhia das Letras), conta que em uma época anterior, em que predominavam as comunidades rurais, o pum era sinal de "bom desempenho das funções naturais". A higiene íntima, fruto do "processo civilizatório", é que acentua "o desejo de manter à distância o dejeto orgânico, que lembra a animalidade, o pecado e a morte", como diz o autor.

Se para você pum é um problema, saiba que ele é inerente ao homem. "O ser humano elimina até 1,5 litros de gases pelo ânus por dia. Dá uma média de 10 a 20 flatos", diz Marcelo da Silva Pedro, médico-cirurgião do aparelho digestivo e 2º secretário do departamento de gastroenterologia da Associação Paulista de Medicina. As queixas sobre excesso de pum, que segundo o médico são muito comuns, só não são maiores porque a maioria dos gases escapam despercebidamente.

A fabricação dos chamados flatos no nosso intestino também pode ter características genéticas e passar de pai para filho. "Pais passam bactérias para os filhos no convívio. O seu pum vai ser parecido com o do seu pai", diz o gastroenterologista e professor do gastrocentro da Unicamp, Ademar Yamanaka.

O que é possível fazer é aliviar o excesso e reduzir o odor. As dicas são bem simples. "Gases são fruto do que a gente come ou bebe", diz Yamanaka. A dica é: observe a comida (e a forma como você come).

Para dar uma pitada de humor: O então presidente da República, marechal Eurico Gaspar Dutra, tinha um chefe de gabinete chamado Carlos Alberto Aguiar Moreira, um homem muito sagaz. O anedotário político registra que, um dia, Dutra teria comido uma feijoada antes de um ato no Palácio do Catete, ao qual estavam presentes ministros, jornalistas, famílias etc., pois ele iria assinar um documento muito importante. Silêncio respeitoso no salão, quando o presidente Dutra, num deslize acidental, soltou um belo peido que ecoou na sala, um barulho horroroso, quando o chefe de gabinete Carlos Alberto, que estava atrás do presidente, curvou-se e disse em alto e bom som para que todos ouvissem: “Perdão, presidente”, assumindo o peido presidencial. O que lhe valeu a gratidão do presidente com a nomeação para um belo cargo.O pum fazendo história.

Proponho que se faça um resgate do pum nosso de todos os dias.

(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.

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