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Incontinência urinária feminina: silêncio que afeta milhões de brasileiras

A perda involuntária de urina atinge até 45% das mulheres acima de 40 anos; especialistas falam sobre assunto

Por Dr. Julio Bissoli | 24/11/2025 15:53
Incontinência urinária feminina: silêncio que afeta milhões de brasileiras
Julio Bissoli, médico com doutorado na área e especialista no tema. (Foto: divulgação)

Mais do que um problema físico, a perda involuntária de urina é um tabu que impacta a autoestima, a vida social e a saúde mental de até 45% das mulheres acima de 40 anos. Especialistas explicam as causas, os tipos e os tratamentos que podem devolver a qualidade de vida.

RESUMO

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A incontinência urinária afeta cerca de 45% das mulheres acima de 40 anos no Brasil, impactando aproximadamente 10 milhões de brasileiras. O problema, que vai além do aspecto físico, causa constrangimento social e afeta a saúde mental das pacientes, podendo levar à depressão e ao isolamento. Segundo o urologista Julio Bissoli, existem diferentes tipos de incontinência, sendo a de esforço a mais comum. O histórico familiar é o principal fator de risco, seguido por gravidez, menopausa e obesidade. Os tratamentos variam desde exercícios e fisioterapia até medicamentos e cirurgias, com taxa de sucesso superior a 90% em alguns casos.

Um espirro mais forte, uma gargalhada espontânea, o esforço para levantar uma sacola de compras ou simplesmente a urgência súbita e incontrolável de ir ao banheiro. Para milhares de mulheres, essas situações cotidianas são gatilhos para um problema que, embora extremamente comum, ainda é cercado de silêncio e constrangimento: a incontinência urinária.

Longe de ser uma condição rara ou um sinal inevitável do envelhecimento, a perda involuntária de urina é uma questão de saúde pública que afeta uma parcela significativa da população feminina. Dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) são alarmantes: o problema atinge cerca de 45% das mulheres com mais de 40 anos, um número três vezes maior que a incidência em homens na mesma faixa etária. Em números absolutos, estima-se que mais de 10 milhões de brasileiras convivam com algum grau de incontinência urinária.

Apesar da alta prevalência, o tema continua sendo um tabu. Muitas mulheres não relatam os sintomas por vergonha ou por acreditarem, erroneamente, que se trata de uma consequência normal da idade ou da maternidade.

"A incontinência urinária nas mulheres não é apenas uma questão física, mas também emocional. É um sintoma de algum tipo de disfunção que provoca constrangimentos e afeta a autoestima das pacientes, podendo levar a problemas psicológicos como a depressão, e até ao isolamento social", alerta o urologista particular, Dr. Julio Bissoli, médico com doutorado na área e especialista no tema.

O impacto na qualidade de vida é profundo e multifacetado, criando barreiras visíveis e invisíveis no dia a dia da mulher.

Barreira Psicológica e Social: no campo profissional, a preocupação constante pode minar a concentração e a confiança durante reuniões importantes ou apresentações. Socialmente, convites para festas, viagens ou simples passeios podem ser recusados, resultando em um progressivo isolamento. O medo do odor, da mancha na roupa e do julgamento alheio constrói uma prisão silenciosa. Estudos associam a incontinência urinária a taxas mais altas de ansiedade e depressão, mostrando que o peso da condição vai muito além do desconforto físico.

Barreira na Intimidade: a esfera íntima também é severamente afetada. Muitas mulheres passam a evitar relacionamentos ou o contato físico por medo de escapes durante a relação sexual, uma condição conhecida como incontinência coital. "A perda de urina durante o sexo é uma queixa extremamente angustiante. Isso pode destruir a autoestima da mulher e criar uma barreira significativa no relacionamento com o parceiro. É fundamental que as pacientes saibam que isso também tem tratamento e que a vida sexual pode e deve ser retomada com confiança", ressalta o Dr. Julio Bissoli.

Barreira no Bem-Estar: atividades simples como praticar esportes, ir ao cinema ou brincar com os filhos podem se tornar fontes de ansiedade. O medo de um "acidente" em público leva muitas mulheres a adotarem estratégias de enfrentamento que restringem sua liberdade: usar roupas escuras, limitar a ingestão de líquidos, mapear todos os banheiros disponíveis antes de sair de casa e carregar uma "bolsa de emergência" com trocas de roupa e absorventes. Essa realidade, no entanto, não precisa ser uma sentença. A grande maioria dos casos de incontinência urinária tem tratamento, e o primeiro passo para a cura é a informação.

Nesta reportagem especial do portal Campo Grande News, vamos desmistificar a incontinência urinária feminina, explicando o que é, por que acontece, quais são os diferentes tipos e os tratamentos disponíveis que podem restaurar não apenas o controle da bexiga, mas a confiança e a liberdade de viver plenamente. Aprofundaremos no impacto psicossocial da condição, detalharemos as opções terapêuticas, desde as mais simples até as mais avançadas, e ofereceremos um guia completo sobre prevenção, tudo com base em dados científicos e na experiência de especialistas renomados.

O que causa a perda de urina?

Para entender a incontinência, é preciso primeiro compreender como o sistema urinário funciona. A bexiga armazena a urina e, quando está cheia, envia um sinal ao cérebro. Para urinar, o músculo da bexiga (detrusor) se contrai e o músculo que fecha a uretra (esfíncter) relaxa. A incontinência ocorre quando esse mecanismo falha.

Contrariando o senso comum, o principal fator de risco para a incontinência urinária de esforço não é a gravidez, mas sim a história familiar. "Mãe, tia, irmã mais velha que têm perda de urina de esforço acabam sendo o maior fator de risco. Isso, geralmente, está relacionado a um problema que é a qualidade do colágeno, que está presente nos ligamentos que sustentam essa região e que tem a parte genética como fator de risco", explica o Dr. Alexandre Fornari, coordenador do Departamento de Disfunção Miccional da SBU, em entrevista à Agência Brasil.

O Dr. Julio Bissoli complementa, detalhando outros fatores importantes:

  • Gravidez e Parto: O peso do feto pode sobrecarregar os músculos do assoalho pélvico, e o parto vaginal pode causar lesões nesses músculos e nervos.
  • Menopausa: A queda do estrogênio afina as paredes da uretra, diminuindo sua capacidade de vedação.
  • Excesso de Peso: A obesidade aumenta a pressão sobre a bexiga e os músculos pélvicos.
  • Envelhecimento: A perda natural de tônus muscular afeta também a região pélvica.
  • Outros Fatores: Cirurgias pélvicas (como a histerectomia), infecções urinárias de repetição, tosse crônica (comum em fumantes), obstipação intestinal e até mesmo exercícios de alto impacto sem a devida orientação podem contribuir para o problema.

Os diferentes rostos da incontinência

É crucial entender que a incontinência urinária não é uma doença única, mas uma condição com diferentes tipos, cada um com suas causas e tratamentos específicos. Uma mesma paciente pode, inclusive, apresentar mais de um tipo simultaneamente, o que é chamado de Incontinência Urinária Mista.

O urologista especialista em incontinência urinária feminina, detalha os principais tipos:

1. Incontinência Urinária de Esforço

É o tipo mais comum em mulheres. Caracteriza-se pela perda de urina que ocorre durante atividades que aumentam a pressão abdominal. "Na Incontinência Urinária de Esforço, há uma deficiência no suporte da bexiga e da uretra, causada por uma fraqueza ou lesão do esfíncter. Nesses casos, a perda de urina ocorre após esforços ou movimentos como tossir, espirrar, pegar peso, levantar ou andar", descreve Julio Bissoli. É a incontinência da risada, do espirro, da academia.

2. Incontinência Urinária de Urgência (ou Bexiga Hiperativa)

Neste caso, o problema não é o esforço, mas uma vontade súbita e incontrolável de urinar. "É quando a pessoa está parada e, do nada, dá uma vontade urgente de urinar. E tem que urinar, senão vaza urina. Às vezes, não dá tempo e acaba vazando", explica. Essa condição é causada por contrações involuntárias do músculo da bexiga. A mulher pode sentir necessidade de ir ao banheiro com muita frequência, inclusive durante a noite.

3. Incontinência Urinária por Transbordamento

Menos comum, ocorre quando a bexiga não se esvazia completamente e, por estar sempre cheia, acaba "transbordando" em pequenos gotejamentos. "Esta condição pode ser causada por uma fraqueza do músculo da bexiga ou por uma obstrução na uretra que impede o esvaziamento normal", afirma o Dr. Bissoli. É mais frequente em pessoas com diabetes descompensada ou lesões neurológicas.

4. Enurese Noturna

Refere-se à perda de urina que ocorre exclusivamente durante o sono. Embora mais comum em crianças, pode afetar adultos e requer investigação especializada para determinar a causa.

Diagnóstico: o primeiro passo para a liberdade

O diagnóstico correto é a chave para um tratamento bem-sucedido. Ele começa com uma anamnese detalhada, uma conversa franca e sem julgamentos onde o médico irá investigar o histórico da paciente, a frequência e o volume das perdas, e os gatilhos associados. Um "diário miccional", onde a mulher anota por alguns dias quando e quanto urina, o que bebeu, e quando ocorrem os escapes, é uma ferramenta valiosa para entender o padrão da incontinência. Perguntas como "Você perde urina ao tossir?", "Você sente uma vontade súbita que não consegue controlar?", "Você se levanta muitas vezes à noite para urinar?" ajudam a direcionar a suspeita para um tipo específico de incontinência.

"Depois dessa conversa inicial, normalmente realizo um exame físico, que inclui um exame pélvico. Esse procedimento me permite avaliar o tônus muscular na região pélvica e verificar a presença de prolapsos ou outros problemas", detalha o urologista Dr. Julio Bissoli. Um simples exame de urina é solicitado para descartar infecções.

Em casos mais complexos ou quando o diagnóstico não é claro, exames adicionais podem ser necessários. O principal deles é o Estudo Urodinâmico, um exame mais detalhado que funciona como um "eletrocardiograma da bexiga". Durante o procedimento, sensores medem a pressão dentro da bexiga enquanto ela é preenchida com soro e durante o ato de urinar. "O estudo urodinâmico nos permite avaliar com precisão a capacidade de armazenamento da bexiga, a sensibilidade, a presença de contrações involuntárias e a função do esfíncter. É um exame crucial para diferenciar os tipos de incontinência, especialmente em casos mistos ou quando a cirurgia é uma opção a ser considerada", explica o urologista. A partir dessas informações, é possível identificar a causa exata da incontinência e planejar o tratamento mais adequado para cada paciente.

Tratamentos: um leque de opções para viver melhor

A boa notícia é que a grande maioria dos casos de incontinência urinária pode ser tratada com sucesso, melhorando significativamente a qualidade de vida. O tratamento é personalizado e depende do tipo de incontinência, da sua gravidade e das condições de saúde da paciente.

Mudanças comportamentais e fisioterapia

Para casos leves, a primeira linha de tratamento geralmente envolve mudanças no estilo de vida e fisioterapia pélvica.

  • Treinamento da Bexiga: Consiste em programar horários para ir ao banheiro, aumentando gradualmente os intervalos. Isso ajuda a bexiga a "aprender" a segurar a urina por mais tempo.
  • Exercícios de Kegel: São contrações e relaxamentos dos músculos do assoalho pélvico. Quando feitos corretamente e com regularidade, fortalecem a musculatura que dá suporte à bexiga e à uretra, sendo muito eficazes para a Incontinência de Esforço.
  • Controle de Peso e Dieta: Perder peso diminui a pressão sobre a bexiga. Evitar irritantes como cafeína, álcool, alimentos cítricos e apimentados também podem ajudar a controlar a urgência.

Medicamentos

Para a Bexiga Hiperativa, existem medicamentos que relaxam o músculo da bexiga, diminuindo as contrações involuntárias e a sensação de urgência. Os mais comuns são os anticolinérgicos e os beta-3 agonistas. "O tratamento é geralmente farmacológico, para evitar a contração vesical, e fisioterápico", explica o Dr. Júlio Bissoli. É importante notar que esses medicamentos podem ter efeitos colaterais, como boca seca e constipação, e a escolha do fármaco ideal deve ser feita em conjunto com o médico. Segundo a SBU, a combinação de fisioterapia e medicação resolve até 85% dos casos de bexiga hiperativa.

Procedimentos Cirúrgicos

Quando os tratamentos conservadores não são suficientes, a cirurgia pode ser a solução definitiva, especialmente para a Incontinência de Esforço.

  • Cirurgia de Sling: É o procedimento mais comum e considerado o "padrão ouro". "O tratamento mais comum é a cirurgia de Sling para reforçar os ligamentos que sustentam a uretra", afirma o Dr. Julio Bissoli. A cirurgia é rápida, geralmente com alta no mesmo dia ou no dia seguinte, e apresenta taxas de sucesso que podem ultrapassar 90%, devolvendo à paciente a capacidade de tossir, espirrar e praticar esportes sem medo.
  • Toxina Botulínica: Para casos de Bexiga Hiperativa que não respondem a medicamentos, a aplicação de Botox diretamente no músculo da bexiga pode ser uma opção. O efeito dura de 6 a 9 meses e relaxa o músculo, controlando as contrações.
  • Neuromodulador Sacral: Um pequeno dispositivo implantado sob a pele envia impulsos elétricos suaves aos nervos que controlam a bexiga, ajudando a restaurar a comunicação correta entre o cérebro e o sistema urinário.
  • Esfíncter Artificial: Em casos muito graves e complexos, geralmente após múltiplas cirurgias sem sucesso, um esfíncter artificial pode ser implantado para controlar a passagem da urina.

Prevenção: cuidando do futuro

Embora nem todos os fatores de risco sejam modificáveis, como a genética, algumas medidas podem ajudar a prevenir ou retardar o aparecimento da incontinência urinária.

  • Fortaleça o Assoalho Pélvico: assim como malhamos braços e pernas, os músculos pélvicos também precisam de atenção. A prática regular de exercícios de Kegel, especialmente antes, durante e após a gravidez, é fundamental. No entanto, esses exercícios precisam ser feitos da maneira correta, e muitas mulheres contraem os músculos errados (como os glúteos ou o abdômen) sem perceber. É aqui que a fisioterapia pélvica se torna uma aliada poderosa. Um fisioterapeuta especializado pode ensinar a técnica correta e utilizar ferramentas como o biofeedback, onde sensores mostram em uma tela se a contração está sendo feita corretamente, e a eletroestimulação, que usa correntes elétricas suaves para ajudar a identificar e fortalecer os músculos certos. A fisioterapia é muito mais do que apenas 'fazer Kegels'; é um tratamento completo e personalizado para reeducar e fortalecer toda a musculatura do assoalho pélvico.
  • Mantenha um peso saudável: excesso de peso é um dos principais inimigos do assoalho pélvico.
  • Evite a obstipação: esforço para evacuar força a musculatura pélvica. Uma dieta rica em fibras e boa hidratação são essenciais.
  • Não fume: tosse crônica do fumante gera uma pressão contínua sobre a bexiga.

A incontinência urinária feminina é uma condição médica, não uma falha pessoal ou uma consequência inevitável do tempo. O silêncio e a vergonha são os maiores obstáculos para o tratamento. Viver com medo, limitar atividades e perder a espontaneidade não é normal e não precisa ser a realidade de milhões de mulheres.

O primeiro e mais importante passo é procurar ajuda. Conversar com um ginecologista ou, idealmente, um urologista, é fundamental para obter um diagnóstico preciso e um plano de tratamento individualizado. "Como urologista, meu objetivo é ajudar cada paciente a encontrar o tratamento que melhor se adapte às suas necessidades e ao seu estilo de vida. Isso pode envolver uma combinação de diferentes abordagens", finaliza o Dr. Julio Bissoli.

Quebrar o tabu da incontinência urinária é um ato de autocuidado e um passo essencial para resgatar não apenas o controle do corpo, mas a alegria, a confiança e a liberdade de viver sem limites. É entender que a condição tem tratamento e que a busca por ajuda especializada é o caminho para uma vida mais plena e sem constrangimentos. A mensagem final é clara: você não está sozinha, e não precisa sofrer em silêncio.

Referências

Agência Brasil (EBC). "Incontinência urinária é mais comum em mulheres".

Sociedade Brasileira de Urologia - Seccional São Paulo (SBU-SP). "Incontinência urinária afeta a vida de mais de 10 milhões de pessoas no país".

Hospital Israelita Albert Einstein. "Incontinência urinária feminina: Sintomas, Causas e Tratamentos".

 

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