O amor que sufoca
Muitas vezes, aprendemos que o amor é a solução para quase tudo. Crescemos ouvindo que amar e ser amado é o maior dos objetivos humanos, e de fato, o afeto é um dos pilares mais importantes da vida. No entanto, existe uma linha delicada entre um amor saudável, que fortalece e dá liberdade, e um amor sufocante, que prende e adoece. Até mesmo aquilo que deveria ser fonte de cuidado e crescimento pode se transformar em prisão quando o excesso toma o lugar do equilíbrio.
O mito do “quanto mais, melhor”
Existe uma ideia bastante difundida de que amor nunca é demais. Mas essa é uma meia-verdade. O amor genuíno é, sim, transformador, mas quando ultrapassa o limite da individualidade do outro, deixa de ser amor e passa a ser controle, dependência ou até mesmo obsessão. Muitas pessoas confundem intensidade com profundidade. Amar muito não é necessariamente amar bem.
O mito do “quanto mais, melhor” ignora que todo relacionamento precisa de espaço, silêncio e respiro. Não é a quantidade de gestos, mensagens ou cuidados que mede a qualidade do vínculo, mas sim a capacidade de respeitar o outro na sua autonomia.
O amor que sufoca
O amor sufocante se manifesta em pequenas atitudes que, somadas, vão corroendo a liberdade do outro. A necessidade de estar presente o tempo todo, o ciúme disfarçado de cuidado, a cobrança constante de atenção, a dificuldade em aceitar que o outro tenha vida própria — tudo isso, sob a roupagem do afeto, revela um desequilíbrio.
Quem sofre esse tipo de amor pode se sentir culpado por querer espaço, como se a necessidade de distância fosse ingratidão. Mas a verdade é que não há nada mais humano do que precisar de tempo consigo mesmo, de autonomia e de ar para respirar. O amor que sufoca esquece disso: ele não respeita os limites, porque confunde posse com vínculo.
Quando o excesso nasce da insegurança
Na maioria das vezes, o amor em excesso tem sua raiz na insegurança. Quem ama demais, sufocando, teme perder. É como se a intensidade fosse uma tentativa de garantir a permanência do outro. No entanto, o efeito costuma ser o contrário: quanto mais o amor se torna opressivo, mais o vínculo se fragiliza.
A insegurança gera desconfiança, e a desconfiança se disfarça de zelo. “Eu me preocupo com você” pode ser a frase que encobre “Eu não confio que você saiba se cuidar sem mim”. Esse tipo de dinâmica mina tanto quem ama quanto quem é amado, transformando a relação em um ciclo de dependência e ansiedade.
O paradoxo do amor saudável
O grande paradoxo do amor verdadeiro é que ele só se sustenta na liberdade. Amar não é segurar, mas permitir que o outro escolha ficar. Não é invadir o espaço alheio, mas estar disponível quando solicitado. Não é sufocar com presença constante, mas saber a importância das ausências.
Um amor saudável não se mede pela intensidade de quanto se dá, mas pela qualidade daquilo que se compartilha. Ele fortalece sem prender, apoia sem controlar, cuida sem sufocar.
Quando perceber que o amor passou do limite
É importante estar atento a alguns sinais de que o amor pode estar deixando de ser saudável:
Falta de espaço individual: quando um dos dois não consegue mais ter hobbies, amigos ou tempo sozinho.
Excesso de cobranças: quando a atenção e a presença nunca parecem suficientes.
Medo constante de perder: quando qualquer ausência gera insegurança ou brigas.
Sensação de sufocamento: quando o vínculo passa a ser mais fonte de angústia do que de prazer.
Perceber esses sinais não significa falta de amor, mas um chamado para reajustar a forma como ele é vivido.
Amar sem sufocar
O desafio maior não é amar menos, mas amar melhor. Isso significa cultivar o equilíbrio entre presença e liberdade, entre cuidado e autonomia. Amar bem é aceitar que o outro é um ser completo, e que a relação é um espaço de encontro entre duas inteirezas, e não uma fusão sufocante onde um desaparece no outro.
No fim das contas, o amor que sufoca não é excesso de amor, mas falta de maturidade na forma de amar. Porque amar de verdade é sempre libertar — nunca aprisionar.
(*) Cristiane Lang, psicóloga especializada em oncologia
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.