Com quadra à venda, Calógeras traz desafio: quem vai pôr dinheiro em via morta?
"Essa avenida, que é tão importante na história da cidade, se tornou apenas local de passagem", diz urbanista
Com uma quadra tomada por placas de “vende-se” e “aluga-se”, a Avenida Calógeras, entre a Mato Grosso e a Antônio Maria Coelho, é um retrato agudo da palavra que, ano a ano, se torna indissociável do Centro de Campo Grande: abandono. Aos poucos, a cidade perde um território, que vira uma “região morta” e acaba dominado pelo vagar a esmo dos dependentes químicos.
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A Avenida Calógeras, importante via histórica de Campo Grande, enfrenta grave situação de abandono, com dezenas de imóveis fechados e à venda. O Hotel Gaspar, com 84 apartamentos e 60 anos de história, teve seu valor reduzido de R$ 7,9 milhões para R$ 6,8 milhões, sem encontrar compradores. A região, que já foi centro do desenvolvimento econômico da cidade, soma aproximadamente 70 estabelecimentos fechados. Especialistas apontam que a revitalização depende de incentivos públicos, maior segurança e programas habitacionais para atrair moradores e empresas, revertendo o atual cenário de degradação.
O endereço fica a poucos passos da antiga estação ferroviária, inclusive, o monumento da Maria Fumaça marca presença na Calógeras para lembrar que a cidade só cresceu por causa dos trilhos e ali já foi a parte mais pulsante da Campo Grande de outrora. Antes chamada Rua de Santo Antônio, a Calógeras era a via do desenvolvimento econômico.
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Agora, sobram hotéis e lojas fechadas. Caso do Hotel Gaspar, que há cinco anos está à venda. O valor que era de R$ 7,9 milhões caiu para R$ 6,8 milhões. Com 84 apartamentos, quatro andares e seis décadas de história, o imóvel foi sondado até por quem buscava um local para colocar funcionários e levar para Ribas do Rio Pardo, a 90 km da Capital. Mas quem tem coragem de investir no Centro?
De acordo com a corretora Ana Beatriz Maiolino Volpe, são cerca de 70 imóveis fechados entre Calógeras, 13 de Maio, Maracaju e Barão do Rio Branco. “É preciso que haja incentivo público. O Centro está abandonado há muitos anos. Os imóveis grandes, como onde funcionavam os bancos, estão fechando e não conseguem mais abrir”, diz Ana Beatriz.
Na curta caminhada pela Calógeras, na mesma quadra do Gaspar, surge outro imóvel que também abrigava hotel. A porta, que já foi com vidros e ferros, agora tem todos os vãos vazados. Na maçaneta, correntes e dois cadeados buscam evitar a entrada. O saguão é ocupado por algumas velharias.
Uma das cinco pessoas avistadas na calçada pela reportagem, durante quase uma hora, Pedro Martins, 65 anos, conta que foi contratado para fazer reparos no imóvel. “Essa região da cidade é histórica. Mas a pandemia quebrou muita gente”, diz, ao comentar sobre as portas fechadas na quadra.

De cores renovadas, um imóvel com cinco portas de salas comerciais tem placa de “aluga-se” e tenta melhor sorte. Na internet, os espaços são anunciados com aluguéis de R$ 1.890 a R$ 2.450. Enquanto que uma sala comercia no Bairro Tiradentes tem valor de R$ 2.900.
De acordo com a vice-presidente do Creci-MS (Conselho Regional dos Corretores de Imóveis), Simone Leal, a verticalização e adensamento populacional no Centro podem atrair moradores e revitalizar a área, reduzindo custos com infraestrutura.
“Tornar o Centro mais acessível à noite, com incentivos fiscais e redução de aluguéis pós-revitalização, ajudaria a reter empresas. Estratégias municipais de urbanização, como programas habitacionais, impulsionariam a ocupação residencial e comercial. Além disso, temos a questão da segurança, pois área central então com aumento da população de moradores de rua, fazendo com que os comerciantes se sintam inseguros”, afirma Simone.

Nesse movimento que afugenta os investidores, com migração dos negócios do Centro para o bairro, também “pesam” o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) elevado e a falta de acessibilidade noturna. O conceito é referente à falta de segurança para que as pessoas possam caminhar tranquilamente e diversidade comércios de locais para usufruírem com suas famílias, não só bares.
Local de passagem - Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP (Universidade de São Paulo) e professor na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Julio Botega destaca que a Calógeras se tornou apenas um local de passagem, resquício de um Centro pensado somente para o comércio.
“Essa avenida, que é tão importante na história da cidade, se tornou apenas um local de passagem. Portanto, precisamos torná-la um local de permanência. Devemos melhorar condições de caminhar, retirar a ciclovia da orla e trazer para a Avenida Calógeras, habitar, dar novos usos aos edifícios, recuperar a paisagem urbana, incentivar os donos de imóveis abandonados ou em degradação a recuperarem seus imóveis com descontos em impostos e incentivos, como financiamentos para acesso a projetos de restauro e conservação, que podem ser opções viáveis e de execução mais rápida”, afirma o professor.
Ele reforça que não tem como reaver esse território sem ocupação de pessoas. “Assim, a cidade deveria dinamizar os usos que podem ser feitos ao longo da via, criando condições de caminhabilidade e moradia. As calçadas não são boas, não há arborização, a fiação elétrica e mesmo a fachada decadente de vários edifícios, não são um convite à permanência. Prédios importantes para a história da cidade, como o Hotel Gaspar, o salão de atos da prefeitura, entre outros particulares, encontram-se mal conservados, fechados ou abandonados”.
Para o urbanista, a Calógeras continua à sombra do que foi feito na Rua 14 de Julho, que tem o mesmo perfil, mas sempre esteve em melhor estado de conservação e importância. No caso do Gaspar, o professor aponta que o local poderia ser moradia estudantil, atendendo, por exemplo, acadêmicos da UFMS.
“Do hotel até a UFMS é literalmente uma reta, onde transporte público ou da própria universidade poderia rapidamente ligar os dois pontos e trazer mais vida ao local, especialmente à noite. Precisamos ser mais criativos nas resoluções e pensar nos equipamentos que nos faltam e poderiam ser alocados nessa região”.
Interesse cultural - Em outubro, a Câmara Municipal aprovou o projeto de lei que declara como área de interesse cultural o trecho da Avenida Calógeras entre Mato Grosso e a Barão do Rio Branco, na região central da Capital.
Na justificativa, os parlamentares destacam que via é uma das mais antigas da cidade e que ainda mantém uma parte da nossa história. O texto acrescenta ainda que uma das razões do projeto é “estimular o comércio da Calógeras”.
A reportagem questionou a Prefeitura de Campo Grande se a proposta foi sancionada e se há previsão de incentivos para reviver essa região da cidade, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.
Centro - Além do Hotel Gaspar, a Imobiliária Volpe Oliveira Corretores Associados tem à venda o estacionamento da antiga rodoviária, no Centro, com 160 vagas, e o espaço que abrigava agência bancária no Condomínio Terminal Oeste, também no antigo terminal rodoviário. No topo do prédio, o imóvel tem vista para toda a cidade.
Parte do centro comercial está em obras, num projeto de R$ 50 milhões, liderado pelo Ecossistema Dakíla, grupo fundado por Urandir Fernandes de Oliveira, o mesmo que ficou famoso pela criação da cidade esotérica de Zigurats e pela figura do ET Bilu. A parte do prédio que pertence à Prefeitura de Campo Grande é reformada desde 2022.
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