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O fato do príncipe e o “fato do presidente”

Márcio Almeida (*) | 28/03/2020 14:19

Para obstar as medidas restritivas adotadas pelas autoridades Municipais e Estaduais em sede de enfrentamento ao novo coronavírus, o Presidente Jair Bolsonaro disse a jornalistas na sexta-feira, dia 27/03/2020, que: "Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc, que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas, quem paga é o governador e o prefeito, tá ok?".

Por certo, o Presidente da República está a aludir o disposto no caput do artigo 486 da CLT que prevê o direito ao recebimento de indenização por decorrência da paralisação temporária ou definitiva do trabalho por ato da autoridade municipal, estadual ou federal que der azo a tal paralisação.

Bem, se a lei fosse estanque e não tivesse instrumentos de aplicação da norma ao caso concreto, poderia se cogitar que a assertiva proposta pelo Presidente está correta, contudo, há de se considerar outras legislações que imbricam a questão e colocam em verdade a União e não os Municípios e os Estados em perspectiva, ou processualmente dizendo, no polo passivo da questão.

Neste trilhar, não é muito rememorar os termos da Constituição Federal que em seu artigo 196 estatuí que: “ A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Deste dispositivo constitucional se tem claro que cabe ao Estado, em acepção abrangente, o dever de garantir a saúde por meio de políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença, bem, se a ciência indica que a política social para redução do risco de contágio da COVID-19 se dá por meio do isolamento social horizontal, qual seria então a política econômica adotada pelo Estado para fazer observar e valer a política social do mencionado isolamento com vistas a redução do risco da doença?

Bem, o mundo todo vem apresentando uma solução com forte aporte financeiro e econômico por parte do Estado para não só fazer valer a política sanitária do isolamento social como também para manutenir as bases do tecido social mediante uma economia de mercado minimamente sadia dadas as condições de temperatura e pressão vivenciada pelo risco da propagação do vírus.

Isto posto, qual seria o ente da república que teria competência para gerir políticas econômicas desta magnitude? Os Municípios e as unidades da federação, denominadas de Estado em termo estrito, não detém a competência para gerir ou legislar sobre a condução de políticas econômicas, pois esta seara, a da política econômica, pertence privativamente a União, portanto, só a União detém a competência para emitir moeda, administrar reservas cambiais do País, legislar sobre o sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais (artigo 21, incisos VI e VII c/c artigo 22, inciso VI da CF.

Ou seja, a bola da vez para fazer garantir o direito a saúde e manutenir as políticas sociais de restrição de contato social por meio da condução de uma política econômica é estritamente da União, assim, como poderíamos carrear a responsabilidade pelas medidas de restrição aos Municípios ou aos Governos Estaduais no que tange a indenização prevista nos termos do artigo 486 da CLT quando o ente da República que detém competência para adotar medidas econômicas para fazer restringir o alcance da doença não o faz?

Neste emaranhado sobeja a responsabilidade da União, pois a ela compete adotar todas as medidas – especialmente as da área econômica – para fazer restringir a disseminação do novo Coronavírus e seus efeitos consectários à própria economia cuja ordem é fundada na busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, vide o disposto no artigo 170, VIII e IX da Carta da República, sendo assim, empresas, municípios e Estados devem buscar nas balizas constitucionais fazer valer o sagrado direito a saúde e impor a União a tomada de medidas sociais e econômicas que nos possibilite conter a disseminação do novo coronavírus, pois em verdade o que se necessita é a garantia a saúde sem contraposição a subsistência econômica, em perfeita sintonia aos termos do artigo 196 da Carta escrita em 1988, vez que desta feita o direito a saúde e a vida clamam pela aplicação de políticas econômicas em socorro ao combate a profusão de doença, tal como descrito no texto constitucional em debate.

Fato do príncipe é, de acordo com os ensinamentos doutrinários, uma ação estatal de ordem geral, que não possui relação direta com o contrato administrativo, mas que produz efeitos sobre este, onerando-o, dificultando ou impedindo a satisfação de determinadas obrigações. O Fato do Presidente é que o mesmo ao fazer faltar a União com disposto no artigo 196 da Constituição Federal, onera, dificulta e impede o combate ao coronavírus por meio da negação do uso das políticas econômicas que a União dispõe.

(*) Márcio Almeida é advogado em Campo Grande.

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