ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  19    CAMPO GRANDE 23º

Artigos

O Horto, por Adriana Rocha

Lucimar Couto | 11/09/2011 10:53

Em mais um episódio de pouco exercício democrático na tomada de decisões sobre as modificações urbanas na Capital, a Prefeitura Municipal anunciou, há poucos dias, a destruição da pista de bicicross existente no Horto Florestal para permitir a transferência dos ambulantes de alimentos instalados na avenida Afonso Pena. A municipalidade de Campo Grande, através de seus atuais gestores, parece ignorar que a cidade pertence aos seus habitantes, com eles devendo partilhar seus projetos e intenções.

O Horto Florestal é espaço urbano idealizado para permanecer como área verde em período ainda anterior ao reconhecimento de Campo Grande como cidade. Segundo o sítio eletrônico da Fundação Municipal de Cultural, a Fundac, foi em 11 de outubro de 1912, que o então Intendente José Santiago reservou áreas de terras às margens do Córrego Segredo para uso público. Certamente, o Intendente já vislumbrava ali área importante a ser preservada para a Vila de Campo Grande, que só seis anos depois, em 1918, atingiria a categoria de cidade.

Diz a Fundac: “... local dotado de características próprias de vegetação, onde dois braços de córregos juntam-se ali para dar origem a um rio de grande importância para a região, o Anhanduizinho. Esta reserva, abrigou inúmeras atividades, pois como Matadouro Municipal ou Salgadeira como era popularmente chamada, pois ali que se salgava o couro do gado que era posteriormente enviado para São Paulo pela ferrovia”.

Percebe-se que o uso do espaço já abrigou atividades não propriamente de lazer ou abrigo de espécimes vegetais, mas o anúncio de futuro funcionamento de intenso comércio de alimentos ao ar livre chama a atenção, não exatamente por seu despropósito, mas pela falta de diálogo sobre área onde a cidade teve um dos seus inícios e de grande importância no imaginário da população: a decantada confluência dos córregos Segredo e Prosa.

O Horto foi também o primeiro Parque Municipal de Campo Grande (1923) e passou a atual denominação Horto Florestal já na década de 1950, quando começou a ser cuidado por Antônio de Albuquerque, antigo funcionário municipal. É ainda a Fundac que nos informa: “Daí, essa área de mais de seis hectares, passa a ser chamada de Horto Florestal e consistia na sede do Serviço de Parques e Jardins da Prefeitura. Suas características sempre se mantiveram preservadas, pois o Horto produzia muitas espécies de árvores para a arborização não só da cidade de Campo Grande como também para as cidades vizinhas, inclusive Cuiabá, que na época era capital do Estado.”.

Esta configuração, iniciada na década de 50, de certa forma permanece até hoje. O Horto Florestal, embora não produza mais mudas de árvores destinadas a tornar Campo Grande uma das cidades mais arborizadas do País, é ainda lugar parcialmente sombreado, que deve muito bem possuir árvores centenárias. Aliás, como vimos, o Horto vai completar 100 anos, em 2012.

Com o tempo o uso foi-se diversificando para abrigar, desde a década de 1980, um teatro de arena, setor administrativo e a Patrulha Mirim, num dos dois lados cortados ao meio pela avenida Fernando Correa da Costa. Em 1993, novo projeto é aprovado pela Prefeitura mediante discussão popular, segundo seu autor, o arquiteto Élvio Garabini.

No mês de outubro daquele ano, o Horto Florestal é interditado para reforma. Segundo a Fundac, “o então Prefeito Juvêncio César da Fonseca, afirma que o mesmo será transformado no maior complexo de lazer de Campo Grande”. A obra foi entregue em maio de 1995, com novo nome, "Parque Florestal Antônio de Albuquerque", em homenagem ao antigo funcionário da prefeitura.

O nosso Horto abriga então, nos dias de hoje, além dos equipamentos já mencionados, biblioteca municipal, lanchonete, parlatório, banheiros, playground, espelho d'água, cancha de bocha, cancha de malha, pistas de corrida e bicicross (aquela mesma que vai ser desmanchada), pista de skate, orquidário (que não funciona, mas que poderia voltar a funcionar) e oficinas de arte.

Com toda essa diversidade, a falta de discussão com a população parece ainda mais grave. São diversos os usuários, são diversas as finalidades de uso, entre elas o lazer de contemplação, muito apropriado para um espaço ainda verde. O que será do Horto centenário com a instalação de cerca de 500 pontos de lanches, funcionando durante toda a noite? É isso mesmo o que queremos?

Falo do Horto com certa propriedade, embora nem soubesse muito sobre ele, confesso, antes de consultar o site da fundação municipal. Sentindo-me pessoalmente ameaçada em minhas boas lembranças do local, resolvi escrever. Morei ao lado do Horto, na Vila Sargento Amaral, e era o lugar onde meus irmãos e meus amigos íamos nos aventurar, despreocupadamente na década de 70, antes dessas obras todas acontecerem.

Para o Horto convergiam as andorinhas no final da tarde, quando Campo Grande ainda recebia a bela e rumorosa visita diária delas. Com as andorinhas conviviam macacos Bugio, dos quais tínhamos medo, por conta dos gritos assustadores e das manifestações de valentia dos machos que apareciam de quando em quando aos frequentadores.

Enfim, uma pequena mancha de natureza encravada naquilo que poderíamos comecar a chamar de centro histórico de Campo Grande, nas palavras de uma amiga. Reparem que há uma concentração enorme de patrimônio material e, por que não, imaterial (lembranças, vivências, histórias passadas de família em família), no entorno do Horto. O Mercado Municipal, o Colégio Osvaldo Cruz, a Matriz de Santo Antônio, a casa de Lídia Baís estão todos naquela região, por isso mesmo, sensível às modificações apressadas e sem contexto.

Por isso, para quem está decidindo sobre o Horto é bom pensar coletivamente antes de alterar a fisionomia de um lugar tão significativo e que faz parte da história de tanta gente, há quase uma centena de anos (aliás, poderíamos pensar numa comemoração, não acham?).

Merecemos ser consultados, merecemos conhecer o projeto pensado para aquele lugar (há algum projeto?), merecemos decidir se queremos mudar a destinação do parque, assim como os dogueiros ou lancheiros merecem um bom espaço, com todo conforto e meios de exercerem dignamente seu trabalho e continuarem alimentando os transeuntes noturnos da Capital.

Pensando nisto e sem perder tempo, manifesto desde já minha opinião de moradora quase cinquentenária da Capital: sou contra que aquele espaço onde se pode ficar embaixo das árvores, onde ainda há refúgio contra o barulho da já caótica vida urbana do centro de Campo Grande, onde algumas marcas do passado teimam em ficar registradas, seja transformado em local de lazer alimentar.

Certamente deve haver outros bons espaços para isto, mais apropriados, onde se possa efetivamente construir uma infraestrutura compatível. O Horto não se deve prestar a ser descaracterizado pela necessidade contínua de obras (esgoto, fornecimento de água, iluminação adequada etc.) exigidas pela atividade de serviço de lanches. Muito útil, mas em lugar mais adequado, sem o improviso que parece marcar esta feliz ideia dos governantes municipais.

A praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião, já dizia a marchinha carnavalesca. O Horto é do povo campograndense e esse pertencimento dele para conosco e nosso para com ele precisa ser revalorizado.

(*) Adriana Rocha é advogada.

Nos siga no Google Notícias