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Meio Ambiente

O Pantanal está ferido de morte

Por Laerte Tetila (*) | 28/08/2012 14:40

A planície pantaneira, uma das mais notáveis fontes de vida do Planeta, poderá sofrer, no arco dos planatos que a circunda, danos irreversíveis com a instalação de 126 usinas hidrelétricas.

Por isso, foi de grande prudência o fato de a Justiça Federal de Coxim, a pedido do Ministério Público Federal, conceder liminar, no último dia 23 de agosto, paralisando a emissão de licenças ambientais desses empreendimentos.

Ocorre que essas licenças eram fornecidas a cada usina, de forma específica, e, por conseguinte, bem distante da visão holística, visão que deveria considerar a concomitância dos impactos ambientais, sem prescindir do equilíbrio da conjuntura, algo fundamental em se tratando do bioma pantaneiro.

Um bioma riquíssimo em biodiversidade, um paraíso terrestre, mas vulnerável pela tropicalidade, pois, uma vez alterado um de seus componentes, todo o conjunto poderá estar ferido de morte.

É bem provável que, com a instalação dessas 126 barragens de rios, na borda pantaneira, haverá profundas mudanças na ordem ecológica de todo o bioma. E nem é preciso ter os 100 olhos de Argos para enxergar que tal intervenção poderá provocar fortes impactos ambientais.

Não obstante a importância das hidrelétricas, não há como negar o descontrole que poderá acontecer na chamada hidrorregulação de toda a bacia pantaneira, porque o barramento dos rios poderá afetar, sensivelmente, a sazonalidade das águas, o pulsar periódico e natural das cheias e vazantes, algo inerente a um regime hidrológico milenar.

Com isso, torna-se difícil imaginar que o ritmo hidrológico, que condiciona o ritmo biológico de toda a planície, não seja quebrado em prejuízo à intensa vida pantaneira.

O problema é sério, uma vez que não se trata de uma bacia hidrográfica qualquer. Trata-se da bacia do Pantanal, um patrimônio universal, cujos rios não são meros canais de água doce, mas mananciais repletos de vida, autênticos corredores de biodiversidade, cuja destruição jamais será restaurada.

Tais usinas hidrelétricas também correm o sério risco de terem vida útil encurtada, se levarmos em conta que o barramento dos rios e a consequente formação de represas dar-se-á, como vimos, nos planaltos de borda, predominantemente arenosos, onde o desmatamento ainda parece estar longe do fim – e para termos uma simples ideia disso, 400 km² foram desmatados em apenas seis anos.

Algo preocupante, já que a sedimentação das 126 represas poderá se dar de forma bem mais acelerada do que se imagina.

Espera-se, também, seja considerado, nas análises de conjuntura, agora exigidas pela Justiça, o fluxo natural dos nutrientes, o chamado húmus, que, em condições naturais, recobria cerca de dois terços da imensa planície pantaneira pelo impulso das cheias, algo sumamente importante na fertilização das pastagens, tanto para o gado como para toda a fauna herbívora local, ainda que o impacto sobre os peixes venha a ser devidamente apurado.

O pintado e o dourado, segundo especialistas, são exemplos de peixes migratórios e que dependem, portanto, de rios livres de qualquer obstáculo.

Escadas nas barragens talvez evitariam o fim das piracemas e o consequente prejuízo na reprodução das espécies. Estudos indicam que, com as escadas nas barragens, fêmeas prenhes, aos milhares, acabam impedidas de chegarem até os berçários, ou seja, até os varjões das cabeceiras para desovarem e reproduzirem o ciclo da vida.

Consta da decisão judicial que “não há nenhuma razão plausível para se prosseguir sujeitando, por mais um dia que seja, o ambiente pantaneiro a riscos tão consideráveis”. Nada mais sensato, pois, seguramente, o que está em jogo é a expansão do setor elétrico num bioma extremamente sensível, complexo e vulnerável.

A sociedade sul-mato-grossense há que apoiar o Ministério Público Federal e a Justiça por exigirem rigorosos estudos de impacto ambiental diante dos riscos de tais empreendimentos.

Na hipótese de predominar os interesses econômicos sobre os socioambientais, não custa indagar se, de fato, a produção de energia prevista irá gerar mais economia do que vinha gerando a tradicional economia pantaneira, que, com mais de 200 anos de sustentabilidade, vinha se notabilizando como uma das principais fontes de proteínas (gado e peixe) do país, e que somada à crescente indústria do turismo, só vinha enaltecendo aquilo que o Pantanal ainda é: uma maravilha universal.

(*) Laerte Tetila é mestre em geografia física pela USP e deputado estadual (PT/MS).

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