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O político experiente e o jovem jornalista

Por Maranhão Viegas | 13/02/2018 17:08

O Mato Grosso do Sul foi a primeira “casa” onde exerci profissionalmente o jornalismo. Cheguei lá em 1985, aos 23 anos, recém-saído do curso de jornalismo, que havia feito na UNISINOS, no Rio Grande do Sul.

Pisei em solo sul-maogrossense a convite de um contemporâneo de faculdade, Junio Chese Araújo. Ele me localizou em Brasília, onde meus pais já moravam e eu fazia um “pit stop”, depois da conclusão do curso, sem saber ainda o que fazer da vida.

Junio me avisava que havia uma vaga de repórter na TV Caiuás – afiliada da Bandeirantes, em Dourados. Segundo ele, era a minha cara, feita sob medida para o jovem profissional que acabara de se formar. Nessa época, meu mundo cabia em uma mochila e eu aceitei o convite sem pensar duas vezes.

Minha vida de repórter na TV Caiuás foi curta, não mais que três meses. Tempo suficiente para que eu fosse enviado à Capital, Campo Grande, onde ficava a sucursal da emissora, para assumir a linha de frente da reportagem. Sim, por questões políticas, a sede da emissora era no interior e a sucursal, na Capital. À época, essa estranha lógica guardava nos bastidores uma disputa entre o PDS, do deputado federal Zé Elias (detentor da concessão da TV) e o PMDB, do Dr. Wilson, primeiro governador eleito pelo voto direto no novo Estado, depois do fim do regime militar.

Esse ingrediente era um complicador no meu exercício profissional. Não havia ordem por escrito, mas era como uma certeza tácita: entrevistas do governador não iam ao ar na TV Caiuás. A não ser em circunstâncias desfavoráveis. Foi nesta condição, de repórter de uma emissora adversária, que conheci o Dr. Wilson.

Eu trazia comigo a “coragem dos ignorantes” e a ousadia típica da juventude. O termo “ignorante”, aqui, usado no sentido do desconhecimento. Despreocupado com as implicações impostas pelos limites políticos, sempre que me encontrava com o governador em alguma pauta solicitava uma entrevista ao que ele, com experiência política e paciência de professor, me dizia: “Meu jovem repórter, por que você vai perder o seu tempo me entrevistando? Eu e você sabemos que essa entrevista não irá ao ar mesmo.”

Ao que eu contestava: “Governador eu estou apenas cumprindo o meu ofício de repórter. Enquanto o senhor for notícia e eu for jornalista, vou tentar entrevistá-lo. Vamos combinar uma coisa: o senhor governa e eu reporto. A decisão de colocá-lo ou não no ar, não está em minhas mãos. Mas eu sei bem quando o senhor é noticia e quando não é.” Ele ria e, invariavelmente, concedia um tempo para a entrevista.

Nascia assim uma relação mútua de respeito e admiração. Que durou além dos vinte e três anos que vivi em Mato Grosso do Sul. A última vez que encontrei com o Dr. Wilson, já faz alguns anos, foi aqui em Brasília, durante um show do Almir Sater, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ele ocupava um lugar na primeira fila da plateia. Já estava com mais de noventa, mas mantinha a memória intacta e a altivez de um lord. Nos vimos, nos reconhecemos e demos um par de boas risadas lembrando os tempos idos, antes do show começar.

Na manhã desta terça-feira, 13 de fevereiro, recebo do amigo Mauro Morandi a notícia triste de que o Dr. Wilson encerrou o espetáculo da vida por aqui, aos cem anos de idade. Junto, encerra-se também uma página da história política de Mato Grosso do Sul. É mais uma janela do Século XX que se fecha. Que tenha um justo e merecido descanso.

(*) Maranhão Viegas é jornalista e atualmente atua como editor-chefe do Repórter DF – da TV Brasil

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