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Patrimonialismo, corrupção e gestão pública no Brasil

Por José Matias-Pereira (*) | 04/09/2019 09:08

Os indicadores econômicos e sociais sofríveis do Brasil, em especial, nas últimas décadas, evidenciam que o país vem sendo penalizado por não ter realizado de forma tempestiva as reformas estruturais e adotado medidas para melhorar a governança e o ambiente de negócios, estímulos à elevação da produtividade e competitividade, investido na modernização da infraestrutura, entre outras ações, visando estimular o crescimento econômico, a geração de empregos, aumento da renda e a melhoraria das condições de vida da população.

Constata-se que, apesar do nível elevado de tributação do país, na ordem de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), os serviços prestados pelos governos, no três níveis, estão muito aquém do esperado com a arrecadação obtida, notadamente em educação, saúde, segurança e transporte público.

Os desvios e punições explicitadas na Operação Lava-Jato comprovam que a retomada do modelo patrimonialista, adotado nos governos lulopetistas, por meio do aparelhamento político do Estado e o fisiologismo, exacerbou as práticas de má gestão pública no país, provocando desperdícios e corrupção, que são inerentes ao "modelo de coalizão presidencial".

Além da priorização da retomada do crescimento da economia e geração de empregos, os eleitores disseram nas urnas nas eleições de 2018, e reiterado nas ruas e redes sociais, que o presidente Bolsonaro deve priorizar o crescimento da economia, geração de empregos, pôr fim à burocracia e à falta de transparência na gestão pública, reduzir os desperdícios provocados pela má gestão, combater a corrupção e a impunidade. Esses desafios, por imposição dos contribuintes eleitores, precisam ter prioridade nas agendas políticas dos governantes e políticos, nos âmbitos federal, estaduais e municipais.

Observa-se, no entanto, que a preocupação em superar esses desafios está presente apenas na esfera do governo federal, na qual o presidente Bolsonaro, apoiado por seus eleitores, optou por recusar a prática da velha política (troca de apoio parlamentar no Parlamento por cargos e benesses). Dados dos órgãos de controle indicam que numa parcela significativa dos estados e municípios ainda prevalece o modelo patrimonialista, onde os interesses políticos, de grupos ou pessoais, continuam causando elevados prejuízos aos cofres públicos, que refletem na baixa qualidade dos serviços públicos ofertados à população.

Fica evidente, assim, que a reforma da administração pública, nos três níveis: União, estados e municípios, diante do cenário atual, é uma medida necessária, com vista a tornar esses entes mais democráticos, eficientes, eficazes, efetivos e orientados ao usuário do serviço público. É sabido que essa reforma é um processo de extrema complexidade, que demanda profundos e detalhados estudos.

Seu processo de reestruturação implica reavaliação de práticas e valores que estão arraigados em nossa sociedade. Assim, a implementação da reforma da administração não pode ficar restrita a vontade política dos governantes e dos políticos. Cabe aos eleitores exigi-la nas urnas, redes sociais e manifestações de rua, bem como contar com a participação efetiva da população na sua elaboração.

A função da reforma da administração é buscar rearticular o Estado e suas relações com a sociedade de forma a adaptar-se ao novo cenário econômico e político interno e externo, no qual os cidadãos estão exigindo a implantação de políticas públicas consistentes e fiscalizando os eleitos de forma efetiva. Nesse sentido, a principal justificativa da reforma da administração é a necessidade do Estado e do governo de melhorar o seu desempenho para atender às demandas crescentes da sociedade.

Para cumprir de forma adequada o seu papel, a administração deve ser capaz de ofertar serviços públicos de qualidade de forma tempestiva, reduzir gastos, implementar e avaliar as políticas públicas, elevar a transparência, combater a corrupção, além de promover e estimular investimentos em setores estratégicos, apoiando efetivamente o processo de crescimento econômico do país.

É preciso alertar que, a ruptura com a velha política, ou seja, a rejeição do modelo de coalizão presidencial, apenas por parte do governo federal, considerando que o Brasil é uma federação, não resolverá os problemas socioeconômicos e éticos do país. Nesse sentido, é essencial a mudança do sistema político, para pôr fim à coalizão presidencial e ao modelo patrimonialista de governar, visto que essas práticas continuam fortemente enraizadas na administração pública, notadamente nos estados e municípios. Pode-se afirmar, por último, que essa cultura política distorcida representa o principal obstáculo ao processo de modernização da gestão pública no Brasil, e sua continuidade nos estados e municípios se apresenta uma ameaça real à governança e à democracia do país.

(*) José Matias-Pereira é pesquisador associado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Faculdade de Economia Administração, Contabilidade - FACE da UnB. Graduado em Ciências Econômicas pelo Centro de Ensino Universitário de Brasília - Uniceub e em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal - UNIDF, especialista em Planejamento da Circulação de Áreas Urbanas e mestre em Planejamento Urbano, ambos pela UnB. Doutor em Ciências Políticas área de Governo e Administração Pública - Universidade Complutense de Madrid e pós-doutor em Administração - Universidade de São Paulo - FEA/USP. Com vários livros publicados, atua nos temas governo e administração pública, finanças públicas e economia política.

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