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Pesquisa científica e o progresso da sociedade

Por Maurício Antônio Lopes (*) | 18/02/2016 11:35

Ciência e tecnologia são potentes motores do desenvolvimento da sociedade moderna, pois produzem conhecimentos e inovações que transformam a vida de bilhões de pessoas. Da internet à agricultura, da automação à indústria farmacêutica, o investimento em pesquisa científica viabilizou melhorias significativas no nosso dia a dia. A revolução nas comunicações, na produção de alimentos, na diversificação de máquinas e equipamentos e na sofisticação da medicina atestam avanços extraordinários alcançados pela sociedade na transição do século XX para o atual.

Além disso, a complexidade dos desafios do mundo moderno coloca a ciência cada vez mais em evidência. A OMS (Organização Mundial de Saúde) acaba de declarar o vírus zika uma emergência de saúde pública internacional. O vírus se espalha de forma muito rápida em toda a América do Sul e Central e foi detectado em mais de 20 países.

Não há ainda vacina ou cura para o zika, o que exige de governos e autoridades sanitárias enorme esforço para gerir a adversidade, enquanto mais conhecimento sobre o vírus e seu controle são produzidos. Em momentos como este fica claro quão imperativo é o investimento em pesquisa científica. Conhecimento novo precisa ser gerado com rapidez para se conter a propagação do vírus e de seu vetor – o mosquito Aedes aegypti – em todo o globo.

Ainda assim, há uma crítica recorrente do setor de ciência e tecnologia à crescente dificuldade de se garantir mais constância no apoio à pesquisa científica brasileira, seja pela limitação e instabilidade no fluxo dos recursos, seja pela percepção de que pouco uso é feito dos conhecimentos gerados. Em tempos difíceis, quando recursos são mais escassos, acirra-se a discussão acerca da efetividade dos investimentos públicos em pesquisa científica e crescem comparações e oposição entre a pesquisa acadêmica, sem aplicação imediata, e a pesquisa aplicada, orientada à solução de problemas do mercado e da sociedade.

Soma-se aí o debate sobre os papéis dos setores público e privado na pesquisa científica e tecnológica. As pressões impostas pelos vírus zika ilustram bem quão estéreis são muitas dessas discussões, pois sem sintonia entre a geração de conhecimento fundamental e aplicado e entre o investimento público e privado, muitos problemas da sociedade ficarão sem solução.

Mariana Mazzucato, em seu best seller "O Estado Empreendedor", argumenta que o investimento público, realizado de forma persistente, é um pré-requisito fundamental para a inovação na sociedade. A autora rechaça a visão de que o Estado não tem papel relevante a cumprir no mundo da inovação e mostra que o setor privado estará mais propenso a investir depois de o "Estado empreendedor" ter feito os investimentos mais ousados e de maiores riscos. Ela argumenta ainda que, além de ciência fundamental e aplicada, e de investimento público e privado, países necessitam de um sistema de inovação que difunda conhecimentos por toda a economia e faça com que eles resultem em novas ideias e novos empreendimentos.

Talvez aí esteja um elo perdido entre a pesquisa científica e a inovação. O caso da pesquisa agropecuária brasileira é ilustrativo, e revela que o setor privado ocupa-se mais de desenvolver novos produtos, como sementes, fertilizantes e máquinas, ao passo que o setor público, por sua vez, se concentra na geração de conhecimentos indispensáveis para o aprimoramento da produção, como a forma adequada de aplicação de insumos, o melhor espaçamento nas lavouras, o mapeamento dos riscos e as boas práticas para superá-los, dentre muitos outros. Estudos da Embrapa e parceiros, sobre a produtividade da agricultura brasileira, indicaram que o uso de insumos explicou tão somente 34,1% do crescimento da produção, enquanto os demais 65,9% foram explicados pelos novos conhecimentos disseminados no processo produtivo.

Como uma parte significativa da produção da pesquisa pública é conhecimento, que não se materializa necessariamente em insumos e produtos, visíveis e facilmente mensuráveis, são comuns os questionamentos acerca da sua efetividade. É por isso que as organizações públicas de pesquisa precisam aprimorar suas estratégias de comunicação e melhor informar a sociedade sobre a relevância da sua produção. E mostrar que se dedicam a missões de maior risco, muitas vezes de retorno em prazos longos. Que funcionam como "locomotivas limpa-trilhos", indo adiante e removendo obstáculos para que os comboios do setor privado transitem com segurança e velocidade, promovendo investimentos e progresso.

O sistema de inovação agropecuária no Brasil conta com abundantes exemplos da importância dos conhecimentos gerados pela pesquisa pública, e de como esses conhecimentos potencializam a capacidade do setor produtivo. Muitos outros setores da economia brasileira poderiam se beneficiar de uma maior simbiose entre os setores público e privado de inovação, o que aprofundaria a relação virtuosa entre a pesquisa científica e o progresso da nossa sociedade.

(*) Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)

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