ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
SETEMBRO, TERÇA  30    CAMPO GRANDE 36º

Artigos

Proteger crianças e adolescentes na internet é dever coletivo

Por Sílvia Reis (*) | 30/09/2025 08:30

Em 2006, no Rio Grande do Sul, um adolescente de 16 anos foi apoiado e incentivado, por meio de fóruns em uma rede social, a cometer suicídio. Ele estava em internação domiciliar por indicação dos profissionais que o acompanhavam justamente em função do risco de suicídio já identificado. Estava sendo cuidado em um ambiente relativamente protegido. Não foi possível protegê-lo, no entanto, dos riscos da internet.

À época, não se fazia (ou, ao menos, não na mesma medida) as atuais reflexões sobre os malefícios dos excessos de tela, tampouco sobre a internet ser um ambiente potencialmente inseguro e capaz de expor crianças e adolescentes a perigos dessa magnitude.

Ao pesquisar sobre este ocorrido, ainda hoje é possível encontrar na internet diversos artigos, entrevistas com familiares, CDs lançados postumamente com as músicas produzidas por Yonlu — pseudônimo que o adolescente usava na internet e com o qual assinava suas músicas —, além de um longa-metragem que conta a sua história.

Percebe-se que, nesse caso, assim como em tantos outros, embora a internet tenha sido, ao final, cenário de morte, ela não foi só isso. Foi também cenário de muitos encontros. Foi onde esse adolescente artista, que nos deixou músicas, textos e fotografias de sua autoria, viveu e exerceu um tanto da sua criatividade. Digo isso porque as telas e a internet cumprem muitas funções no social, inclusive a de ajudar a fazer laços quando o sujeito tem dificuldade de fazê-los de outra forma.

Muitas vezes não é óbvio quando limites importantes são ultrapassados e dão lugar à insegurança.

Estamos em 2025 e é urgente proteger crianças e adolescentes dos riscos que a internet pode representar: exposição a conteúdos inapropriados (violência, discurso de ódio, desinformação ou informações não adequadas à idade etc), ciberbullying e violência virtual, acesso a jogos de azar, exposição de informações pessoais, exploração e assédio, propaganda infantil ilegal, desafios virtuais perigosos.

Cabe destacar que as plataformas de redes sociais e de inteligência artificial precisam assumir a sua parcela de responsabilidade, assim como o Estado.

Não é possível que as famílias assumam sozinhas a função de proteger as crianças e adolescentes. Famílias que, em sua maioria, trabalham excessivamente para tentar garantir um mínimo de dignidade e que contam com as telas como rede de apoio. Rede de apoio, aliás, que não deveria ser luxo, nem privilégio. Educar e proteger as crianças e adolescentes é (ou deveria ser) tarefa de todos nós, cidadãos brasileiros, com filhos ou sem.

A publicação da Lei 15.211, de 17 de setembro de 2025, representa um passo inicial e significativo na proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A lei estabelece mecanismos de verificação de idade, restrições de acesso a conteúdos impróprios, regras mais rígidas sobre publicidade dirigida e maior responsabilização das plataformas quanto à segurança dessa população. Também foi publicado, pelo Governo Federal, o Guia sobre usos de dispositivos digitais por crianças e adolescentes, que traz recomendações que dialogam com essa problemática que se coloca para famílias e educadores.

Nesse contexto, a Psicologia precisa se posicionar enfaticamente. Não basta acolher os sofrimentos individuais em consultório ou em serviços públicos de saúde: é preciso também atuar na defesa de políticas que protejam a infância e a adolescência dos impactos nocivos das plataformas digitais e compreender esse fenômeno como um sintoma produzido coletivo e socialmente e, da mesma forma, deve ser enfrentado.

(*) Sílvia Reis é psicóloga, mestre em Psicologia Clínica e Cultura e analista técnica de políticas sociais no Ministério da Saúde.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.