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Quanto mais opções você tiver, maior será sua angústia

Por (*) Cristiane Lang | 13/06/2025 07:30

Vivemos em uma época em que a liberdade de escolha é vista como um dos maiores triunfos da modernidade. Podemos escolher o que comer, onde morar, com quem nos relacionar, o que vestir, qual carreira seguir, o que assistir, ouvir, consumir e até quem ser. A promessa do “poder de escolha” é, muitas vezes, vendida como sinônimo de felicidade. Mas o que acontece quando a liberdade vira excesso? Quando o número de possibilidades se torna tão grande que, em vez de libertar, aprisiona? É aí que surge a angústia. Uma angústia silenciosa, disfarçada de autonomia, que corrói a mente moderna pela raiz da dúvida.

O paradoxo da escolha

A frase “quanto mais opções você tiver, maior será sua angústia” pode parecer, à primeira vista, contraintuitiva. Afinal, não foi exatamente por essa liberdade que tanto lutamos ao longo da história? Não é isso que buscamos quando queremos nos sentir no controle da própria vida?

O psicólogo Barry Schwartz popularizou essa ideia no livro O Paradoxo da Escolha, em que argumenta que, embora alguma escolha seja melhor do que nenhuma, mais escolha nem sempre é melhor do que menos. Quando temos muitas alternativas, o ato de decidir se torna mais difícil e o arrependimento mais provável. Quanto mais opções você tem, maior é a chance de escolher “errado”. E mesmo que você escolha “certo”, a sombra do que foi deixado para trás continua pairando.

A cultura do “poderia ser melhor”

Vivemos mergulhados numa cultura que valoriza o “ótimo” em detrimento do “bom o suficiente”. O resultado disso é um estado constante de insatisfação. Se você escolheu uma profissão, sempre existirá a sensação de que poderia ter escolhido outra. Se está em um relacionamento, o mundo está repleto de possibilidades melhores — ou, ao menos, é o que as redes sociais sugerem. Se comprou um celular, talvez o modelo lançado na semana seguinte te faça questionar sua decisão. E, nessa espiral de insatisfação, você se vê preso a um ciclo interminável de comparações, dúvidas e angústia.

A paralisia diante das possibilidades

Com tantas opções disponíveis, escolher se torna um fardo. E, em muitos casos, essa pressão resulta em paralisia. Não conseguimos decidir. Adiamos. Procrastinamos. Vivemos em um estado constante de indecisão. Tememos errar e, por isso, não nos movemos. E quando não nos movemos, a vida estagna.

Essa paralisia não acontece apenas em grandes decisões — como mudar de cidade ou encerrar um casamento — mas também em escolhas banais: qual série assistir, qual sabor de sorvete pedir, qual curso fazer. O detalhe é que a energia mental para lidar com pequenas decisões se acumula, e ao final do dia nos sentimos exaustos, sem nem ter feito nada de verdade.

Liberdade não é ausência de limites

Existe uma crença equivocada de que liberdade é a ausência de qualquer tipo de limitação. Mas, paradoxalmente, os limites são o que nos permitem viver de maneira mais plena. Ter menos opções pode nos permitir mergulhar mais fundo em nossas experiências, desenvolver um compromisso mais sólido com o que escolhemos e sentir mais satisfação com o que temos.

A angústia das escolhas infindáveis está ligada, muitas vezes, à ilusão de que podemos — e devemos — viver todas as vidas possíveis. Mas a verdade é que toda escolha implica em uma renúncia. Ao optar por um caminho, automaticamente deixamos todos os outros para trás. Não há como viver todas as experiências ao mesmo tempo. E tudo bem.

A maturidade da escolha consciente

A maturidade emocional está, em parte, em aceitar que não existe a escolha perfeita — existe a escolha que fazemos, com o que temos no momento, com a consciência de que perfeição é um ideal inalcançável. Quando entendemos isso, a angústia diminui. Abrimos mão da busca pelo “melhor” e nos conectamos com o que faz sentido.

Optar por algo com clareza, mesmo sabendo que abrimos mão de outras possibilidades, é um ato de coragem. Requer autoconhecimento, presença e responsabilidade. Escolher é um exercício de compromisso com a vida que queremos construir, e não com todas as vidas possíveis que não vivemos.

Numa sociedade que vende abundância como caminho para a felicidade, talvez o que nos falte seja justamente o oposto: contenção. Menos ruído. Menos distração. Menos pressão. Menos alternativas. Mais profundidade. Mais foco. Mais presença. Mais verdade.

Quando entendemos que escolher é inevitavelmente perder algo, conseguimos fazer as pazes com a imperfeição das decisões e abraçar, com mais leveza, a vida que escolhemos viver. A angústia das múltiplas possibilidades começa a se dissipar quando deixamos de buscar o “melhor possível” e passamos a viver, de fato, o “bom o suficiente” com presença e gratidão.

Porque, no fim das contas, liberdade não é ter todas as portas abertas. Liberdade é saber fechar algumas sem olhar para trás.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em Oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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