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Somar e subtrair, matar e fugir

Por Pedro Panhoca (*) | 07/02/2018 09:08

Livros-jogos são espécies de RPG simplificados. Seu consumidor não precisa se preocupar em gastar rios de dinheiro com extensos (e às vezes confusos) manuais de regras, reunir - e manter reunidos - um grupo de entusiasmados jogadores ou reservar um espaço adequado para comportar o grupo todo. Eles têm a vantagem de abranger os “jogadores solitários”, os que estão longe de seus grupos ou os que apenas querem aventura e ação o mais rápido possível.

Nada substitui a interação humana. Graças a ela o homem foi capaz de inúmeras conquistas, e no RPG não é diferente. Mas como um leitor-jogador pode triunfar sem um grupo que o auxilia? Como um livro-jogo pode ser considerado um RPG se não há interação coletiva em busca de um objetivo em comum? Nossos aliados podem estar onde sempre estiveram: dentro de nós mesmos.

O livro-jogo é o próprio material e o próprio “narrador” da aventura, apelando direta e constantemente ao leitor. Durante o escolher das ações, o protagonista (controlado pelo leitor) do enredo avança e retrocede nas páginas desse livro interativo. Abrir a porta da direita ou da esquerda? Vestir essa estranha armadura? Será que aquela estátua ganhará vida se eu encostar nela? E se houver uma armadilha naquilo ali? Nem sempre as escolhas são óbvias ao personagem principal.

A maior amiga do leitor-jogador é a língua portuguesa, é claro. Sem o idioma o código é indecifrável e a comunicação livro-leitor simplesmente é nula. Com a prática de leitura, o leitor-jogador “entra” mais fácil no ritmo de suspense e de dinamicidade que a narrativa propõe, sentindo realmente ser parte daquilo. Mas nem só de leitura e emoção vive um livro-jogo.

Porém, livros-jogos estimulam o leitor a recorrer constantemente a uma outra grande parceira: a matemática. Mesmo que muitas vezes os números só significam anotações para que o leitor mapeie a aventura e não se perca no enredo, pequenos cálculos, enigmas e situações-problema são bons macetes inseridos para evitar aquela “espiadinha” na escolha a qual ele não optou. Por exemplo: “você possui uma chave para abrir a arca do tesouro? Se sim, vá para a página 47. Se não, você fracassou em sua missão e sua aventura termina aqui”. Um jogador malandro diria que sim, e mesmo não tendo encontrado a tal da chave na aventura de fato triunfaria injustamente, acabando com a graça do enredo. Mas, pensando nisso, um sagaz autor faria o seguinte: “você possui uma chave para abrir a arca do tesouro? Se sim, multiplique por 3 o número nela inscrito (um jogador experiente sempre anota em sua ficha de ocorrências todos os detalhes do que carrega consigo) e subtraia-o por 12. Essa é a referência que você deve ir. Se não, você fracassou em sua missão e sua aventura termina aqui”. Ou melhor ainda: a chave quebrou-se no caminho. Então, “se você possui uma chave quebrada para abrir a arca do tesouro nela você percebe os inscritos 4 16 36. Está faltando o próximo número dessa sequência. Se souber qual é, vá para a sua referência. Caso contrário, sua aventura termina aqui”. Se o leitor perceber que é uma sequência de número pares elevados ao quadrado (2, 4 e 6, ou seja, 22, 42 e 62, respectivamente) ele rapidamente imaginará o número 8 como o próximo, que elevado à 2ª potência, seria igual a 64 (8x8). Pronto! A referência que faltava na chave é 64! Agora, o que a arca nos oferece é uma outra história...

Esse duplo estímulo só tende a estimular o jovem leitor. Portanto, livros-jogos ainda são boas ferramentas para se trabalhar com múltiplas leituras, reflexão sobre escolhas, identidade e também com operações e enigmas. Quem ainda acha que livro-jogo é coisa do passado e que é mera literatura de massa, provavelmente não conseguiu completar sua missão.

(*) Pedro Panhoca da Silva é mestrando em Literatura do programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP – campus de Assis. Atualmente é professor de Leitura e Produção de Textos da Fundação Hermínio Ometto (UNIARARAS).

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