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Você já ouviu falar em ‘masculinismo’?

Pois existe. Os homens vão á luta, querem mais direitos perante a lei e se dizem vitimas de agressão no lar

Por Ivone Zeger (*) | 17/05/2019 13:00

Depois de muita queima de sutiã, as feministas fizeram as sociedades do mundo todo repensarem o tratamento dado às mulheres. Agora parece que chegou a vez dos homens queimarem as cuecas. O “masculinismo” está aí, pronto a “dar o troco” ao já ultrapassado feminismo de trincheira. É um movimento surgido na Inglaterra e que aos poucos vem chegando ao Brasil. E pretende mostrar a injustiça da sociedade – incluindo, claro, a injustiça das leis – em relação a eles, os homens!

Por reiteradas vezes falei das garantias da lei para as mulheres, especialmente frente a certo “ranço” de uma sociedade que evoluiu, sim, mas a partir de uma tradição patriarcal que, muitas vezes, a deixou em situação vulnerável. Desde a promulgação da nossa Constituição de 1988 até a edição do novo Código Civil, cuja vigência teve início em 11 de fevereiro de 2002, as leis brasileiras alcançaram a equanimidade em relação aos direitos e deveres exigidos dos homens e mulheres diante dos atos da vida civil. A aplicação da lei busca, também e sempre, o mesmo equilíbrio.

Mas o que querem os homens adeptos ao “masculinismo”? As reivindicações são muitas; pretendo me ater a apenas duas delas. Eles dizem que, no mundo todo, tribunais privilegiam as mulheres quando há disputas pela guarda dos filhos e, pelo menos de acordo com o movimento maculinista, eles preconizam a adoção da guarda compartilhada.

Ora, no Brasil, a guarda compartilhada pode ser considerada a modalidade preferencial pelos juizes, justamente porque evita que o pai – ou mesmo a mãe, enfim, um dos responsáveis – se desincumba de suas responsabilidades. Essa modalidade de guarda prevê que ambos são co-guardiães dos filhos, mas que a criança tem residência fixa, ou seja, mora apenas com um deles. Não deve ser confundida com a guarda alternada, em que os filhos residem cada hora com um dos ex-cônjuges.

De fato, nem sempre a guarda compartilhada é concedida, uma vez que é preciso haver ainda um relacionamento respeitoso entre o ex casal, para que a criança não seja exposta a situações de estresse constante. Além disso, nessa modalidade de guarda, há certa liberdade de horários e visitas, o que exige dos pais bastante critério para que a criança não fique como uma peteca, de um lado para outro. Também se leva em consideração a idade da criança. O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – define a infância como o período que vai dos 0 aos 12 anos; é justamente a fase em que a estabilidade emocional deve ser promovida e preservada.

De modo geral, após a separação, quanto mais disposto se mostra um pai a participar de forma adequada da vida dos filhos, mais há a tendência de se expedir a guarda compartilhada. Ou seja, parece que essa reivindicação está totalmente vinculada à própria vontade do pai de se fazer presente na vida dos filhos, cumprindo não só o direto de partilhar momentos, mas o dever de pagar a pensão alimentícia e manter com a ex cônjuge um relacionamento de respeito. Obviamente, isso também cabe à mãe, mas por questões culturais ou biológicas – e aqui o assunto se estenderia por horas – as mulheres costumam ter mais consciência das necessidades emocionais dos filhos e costumam ceder com mais facilidade.

Outra reivindicação do manifesto masculinista é quanto à violência doméstica. Pelo menos no Brasil, é vergonhoso o histórico de violência doméstica contra as mulheres. Institutos de pesquisas alardeiam, ano a ano, os números dessa barbaridade. O Anuário das Mulheres Brasileiras, produzido pela Secretaria de Políticas Públicas e pelo Dieese – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos -, revelou que em 2009, 43, 1% das mulheres foram agredidas no ambiente familiar.

Pois os masculinistas afirmam que também são vítimas da violência doméstica e que sofrem com a vergonha e com o descaso da sociedade em relação ao fato. Essa afirmação nos faz recordar o caso ocorrido em setembro desse ano, em que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aplicou a Lei Maria da Penha – criada justamente para enfrentar os números alarmantes da violência doméstica contra a mulher -, em favor de um homem! É verdade que existem mulheres agressivas, também é fato que “ataque de nervos” é algo inerente ao ser humano, independentemente de gênero.

Porém, o que se vê acontecer são homens com força física superior, muitas vezes com a consciência alterada pelo álcool ou drogas, que espancam suas mulheres. E, infelizmente, espancam filhos também. E essa cena não é comum apenas em meio às famílias de baixa renda, não. Ela existe em todas as classes sociais. O que difere é que, no meio social mais privilegiado, as mulheres têm acesso à informação e saem da situação de impotência com mais facilidade.

Obviamente que se deve, isso sim, evitar esse tipo de confronto que não cabe mais para uma humanidade que aprendeu a pensar. Sabemos que onde há violência, todos saem perdendo, mas é preciso falar de um aspecto: em uma situação de confronto físico, quem sai perdendo, o homem ou a mulher? Eventualmente, a relação pode ser igual ou pender para a mulher. Muito eventualmente. Mas daí a se criar fóruns especiais para tratar de homens vítimas de violência doméstica é um passo muito grande e, na verdade, beira o surreal.

Assim, por mais que se pense e trabalhe pelo equilíbrio das relações e por uma sociedade mais justa e igualitária, mais se vê formar o coro dos descontentes. Resta saber se um movimento como esse se faz portador de mudanças realmente relevantes e, ainda, se tem força suficiente para alardear todos os deveres masculinos com a mesma intensidade que reivindica direitos.

(*) Ivone Zeger, advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP, do Instituto Brasileiro de Direito de Família e do Iasp. Autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas, Família: Perguntas e Respostas e Direito LGBTI: Perguntas e Respostas (Mescla Editorial). Fanpage: www.facebook.com/IvoneZegerAdvogada e blog: www.ivonezeger.com.br. 

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