ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
DEZEMBRO, SEGUNDA  08    CAMPO GRANDE 23º

Cidades

De físico a cota, liminares recolocam reprovados no concurso da Polícia Civil

Decisões revelam que candidatos estão recorrendo à Justiça para garantir ingresso no curso de formação

Por Jhefferson Gamarra | 08/12/2025 16:25
De físico a cota, liminares recolocam reprovados no concurso da Polícia Civil
Avaliação física aplicada aos candidatos em uma edição anterior do certame da Polícia Civil (Foto: Divulgação)

O TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) publicou nesta segunda-feira (8) uma série de decisões que confirma uma crescente judicialização do concurso para escrivão e investigador da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, regido pelo Edital 1/2025. Ao menos seis candidatos que haviam sido reprovados em diferentes etapas TAF (Teste de Aptidão Física) ao procedimento de heteroidentificação racial, conseguiram liminares garantindo a continuidade no certame e a matrícula no curso de formação, programado para ocorrer ainda em dezembro.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul publicou decisões que evidenciam a crescente judicialização do concurso para escrivão e investigador da Polícia Civil. Pelo menos seis candidatos, reprovados em diferentes etapas, obtiveram liminares garantindo continuidade no certame e matrícula no curso de formação. As contestações envolvem principalmente o Teste de Aptidão Física e o procedimento de heteroidentificação racial. Os candidatos alegam falhas na execução dos testes, análises subjetivas inadequadas e até inconstitucionalidade de algumas exigências. A Polícia Civil deverá iniciar o curso de formação com diversos candidatos sub judice, enquanto o Judiciário analisa cada caso.

Esses processos, que envolvem acusações de falhas materiais, análises subjetivas, descumprimento de decisões e até alegações de inconstitucionalidade, ilustram um cenário de contestação que tende a se ampliar conforme avança a convocação dos aprovados.

Uma candidata de Cuiabá foi considerada inapta no teste de aptidão física por não ter completado o número mínimo de execuções de flexão de braços em quatro apoios (14 repetições) supostamente apenas 9 repetições. No entanto, segundo descreve a decisão do desembargador Nélio Stábile, houve demonstração de que a eliminação poderia causar prejuízo irreversível caso não fosse imediatamente revista.

Diante disso, o magistrado decidiu suspender o ato administrativo que a reprovou, devolvendo o direito de participar de todas as fases subsequentes, inclusive a matrícula e a frequência no curso de formação, desde que cumpridos os demais requisitos não relacionados à aptidão física.

Em um caso semelhante, uma outra candidata, moradora de Três Lagoas, também foi eliminada no TAF, sendo declarada inapta tanto no teste de flexão quanto na corrida. Em sua ação, relatou que não houve falhas seu desempenho que justificassem a exclusão do concurso, alegando ainda que seu teste foi realizado sob chuva intensa e em pista de terra encharcada.

O desembargador Odemilson Roberto Castro Fassa acolheu os argumentos apresentados e considerou necessária a concessão de liminar para garantir sua permanência. A decisão determinou que a candidata fosse considerada apta na fase física até julgamento final do mandado de segurança, permitindo que continue participando do certame e garantindo que não seja prejudicada durante o recesso do Judiciário. O magistrado destacou ainda a obrigatoriedade de comunicação urgente às autoridades para que o curso de formação não seja iniciado sem sua chamada.

Em um outro caso, um dos mais extensos e complexos entre os analisados. O candidato se inscreveu no concurso como candidato pardo, concorrendo às vagas reservadas para negros. Após ser aprovado em fases anteriores, foi convocado para a heteroidentificação, mas acabou considerado "inapto", o que o excluiu da lista de cotistas. Na longa petição apresentada ao TJMS, ele relata ter enfrentado um duplo cerceamento de defesa.

De físico a cota, liminares recolocam reprovados no concurso da Polícia Civil
Justificativa dada a candidato reprovado na fase de heteroidentificação (Imagem: Reprodução)

Primeiro, o sistema da banca examinadora não permitiu anexar documentos que poderiam comprovar sua condição racial, como fotografias de infância, imagens com seus pais e avós, e até laudo dermatológico baseado na Escala de Fitzpatrick atestando seu fenótipo pardo. Depois, segundo descreve a ação, a banca também se recusou a disponibilizar as imagens e a gravação da entrevista, impedindo que ele pudesse compreender os fundamentos reais da decisão que o desclassificou.

Outro ponto destacado por pelo candidato é a alegada contradição entre a conclusão da banca, que o classificou visualmente como pardo em seu parecer analítico, e a decisão administrativa final, que o considerou inapto com justificativas vagas como “traços intermediários”. A defesa alega que a terminologia imprecisa demonstra dúvidas da banca sobre o fenótipo do candidato, o que não poderia fundamentar eliminação em procedimento tão sensível.

A situação se agravou quando, posteriormente, ele informou ao Tribunal o descumprimento da liminar anteriormente concedida, o que levou o relator a determinar a intimação pessoal do Procurador-Geral do Estado para explicar o não cumprimento da ordem judicial.

Em outro caso, uma jornalista aprovada entre as primeiras colocadas na lista de vagas destinadas a pessoas negras (pretos e pardos), também foi considerada inapta na heteroidentificação. A justificativa utilizada pela banca classificou sua pele como branca e seus traços, como lábios, nariz e cabelos, como incompatíveis com o fenótipo negro.

Na petição encaminhada ao Tribunal, Regiane argumenta que a análise da banca foi superficial e ignorou sua trajetória como mulher negra, sua vivência social e sua autodeclaração histórica. Ela anexou fotos suas e de seus pais, documentos oficiais que atestam sua cor como “morena” ou “parda” e relatou ter sido reconhecida como candidata negra em concursos do Tribunal de Justiça de MS e da Defensoria Pública do MS, ambos organizados por bancas de renome.

Assim como no caso do candidato anterior, a jornalista afirma que o sistema da banca não permitiu anexação de documentos no recurso e que o parecer recursal apenas repetiu a primeira decisão, sem fundamentação aprofundada. Em razão disso, recorreu ao TJMS, que inicialmente concedeu liminar, mas posteriormente verificou informação de que a medida poderia não estar sendo cumprida. A relatora, juíza Denize de Barros Dodero, determinou que as autoridades se manifestassem em cinco dias sobre o suposto descumprimento da ordem judicial.

De físico a cota, liminares recolocam reprovados no concurso da Polícia Civil
Reprovação na avaliação física da candidata que conseguiu liminar (Foto: Reprodução)

Outra candidata do Mato Grosso, relatou ter sido reprovada no teste de aptidão física após, segundo a banca, não atingir a distância mínima na corrida de 12 minutos e não completar o número exigido de repetições na flexão de braços. Na petição, no entanto, ela afirma que houve falhas graves na estrutura do teste: candidatos teriam sido distribuídos em pistas diferentes, cujas condições não eram equivalentes, e avaliadores teriam adotado critérios inconsistentes na contagem das repetições.

Ainda segundo sua defesa, o recurso administrativo contra o resultado da etapa física não teria efeito suspensivo, e o cronograma do concurso estabelecia a matrícula no curso de formação entre os dias 17 e 22 de dezembro, período coincidente com o recesso do Judiciário. Isso geraria risco de dano irreversível, já que uma eventual demora na análise do mérito poderia impedi-la de ingressar no curso, mesmo que tivesse razão.

Diante da urgência e dos elementos apresentados, o juiz Fábio Possik Salamene concedeu liminar para permitir que a candidata siga no certame, reconhecendo como apta no TAF até julgamento final.

Morador de São Paulo e candidato ao cargo de escrivão, apresentou um fundamento diferente dos demais. A defesa do candidato, aprovado em todas as etapas anteriores, sustenta que sua eliminação no TAF, ao não alcançar o desempenho exigido nas flexões e na corrida, é ilegal, pois se deu para o cargo de Escrivão de Polícia Judiciária, função de natureza burocrática, não operacional.

A ação cita decisão já proferida pelo Órgão Especial do TJMS declarando a inconstitucionalidade da exigência de teste físico para o cargo, pois atividades do escrivão se concentram em cartórios e procedimentos internos, sem necessidade de vigor físico excepcional.

Diante da controvérsia e da proximidade do curso de formação, o desembargador Paulo Alberto de Oliveira concedeu liminar parcial determinando o candidato continue no concurso, participe das próximas fases e seja mantido no certame caso aprovado, embora a posse esteja condicionada ao julgamento definitivo. Também determinou a reabertura de prazo para entrega de documentos e pagamento de taxas, caso necessário.

Os seis casos citados representam apenas parte das ações que estão chegando ao TJMS. Com a convocação para o curso de formação marcada para este mês e com o recesso do Judiciário dificultando decisões rápidas, a tendência é que mais candidatos reprovados procurem a Justiça para garantir o direito de permanecer no concurso.

Entre os principais motivos apresentados nas ações, destacam-se supostas irregularidades no teste de aptidão física, divergências entre avaliadores quanto aos critérios utilizados, alegações de inconstitucionalidade da exigência do TAF para o cargo, impossibilidade de anexar documentos e provas nos recursos administrativos, pareceres de heteroidentificação considerados superficiais ou contraditórios pelos candidatos e, em alguns casos, até mesmo acusações de descumprimento de decisões liminares já deferidas pelo Tribunal.

Com isso, a Polícia Civil deve iniciar o curso de formação com um número significativo de candidatos sub judice, enquanto o Judiciário continua analisando cada caso individualmente.

A Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), a SAD (Secretaria de Estado de Administração) e o Instituto Avalia foram questionados pela reportagem sobre o processo de avaliação dos candidatos, as falhas apontadas nas etapas contestadas judicialmente e a forma como será feita a reintegração dos participantes ao curso de formação após as liminares concedidas. No entanto, até a publicação desta matéria, nenhum dos órgãos havia enviado resposta. O espaço permanece aberto para manifestação.