Depois da cura, luta começa para se livrar das sequelas deixadas pela covid-19
Edgard recebeu alta há dois meses do HR, mas sente efeitos físicos da doença, faz fisioterapia e ainda não pôde voltar a trabalhar

Fisioterapia respiratória e motora por conta de sequelas no pulmão e músculos, além de possíveis complicações nos rins e fígado. Quando a covid-19 acaba, ela deixa marcas, e não apenas emocionais, como muitos relatam, mas físicas e que demandam acompanhamento posterior ao período em que o vírus não está mais no corpo.
Isso, o cinegrafista Edgard das Neves Pereira, de 51 anos, sente na pele e quase dois meses depois de ter recebido alta do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul), curado do novo coronavírus, ainda não pôde voltar a trabalhar. Escara se formou em suas costas, na região lombar, por causa dos 36 dias deitado em leito hospitalar, 21 deles entubado e sob coma induzido.
“Sábado (27 de junho) faz dois meses da alta e certeza que vai aí mais um mês pelo menos sem poder trabalhar por causa da ferida, que ainda está exposta”, contou. Mas mesmo que a escara não tenha “ligação direta” com a covid, mas com o fato de permanecer deitado por muito tempo, ele ainda está fazendo fisioterapia para retomar os movimentos e sente que desenvolveu problemas nos rins e no fígado.
“Tenho sentido muita náusea e vômito. Agora à tarde mesmo, dormi porque de manhã eu saí e desandou tudo, me sinto mal”, conta, completando que se sente cansado mais depressa e que “ainda ando com dificuldade e se eu andar muito, canso e antes da doença não era assim”, relembra.
Edgard sustenta que o maior impedimento para o retorno ao trabalho é a escara, que ainda dói bastante, mas revela que as complicações em órgãos internos tem incomodado. “Nessas últimas três semanas tenho sentido bastante o rim, o fígado, a vesícula e nunca tive esses problemas antes”, destaca.
Ele contou ainda que exame recente detectou alteração no rim, mas não soube explicar que alteração foi essa. “Quando estava em coma, meu rim parou e voltou. Acho que isso pode ter comprometido alguma coisa”.
O cinegrafista avalia ainda que o “coquetel” de remédios a que foi submetido para conter o avanço da doença pode ter ajudado a prejudicar os órgãos internos, por serem muito fortes. “Não foi apenas cloroquina e azitromicina que me deram. Como tive pneumonia duas vezes, eles deram muitos outros remédios fortes”, contou.
Quando internado, Edgard desenvolveu pneumonia, que é o principal agravamento da covid-19. Se curou, mas dias depois, a pneumonia voltou e o tratamento recomeçou. “Uma, conseguiram curar, dominar, e quando eu estava bem, deu outra. Tudo isso em coma na UTI”, relatou.
Tratamentos – Edgard lembra que fez fisioterapia respiratória por pelo menos um mês devido os problemas que a covid-19 desenvolveu em seus pulmões. Também precisou fazer um mês de fonoaudiologia, porque, devido a traqueostomia - abertura de um orifício na traqueia para colocação de um “cano” para a passagem de ar – precisou reaprender a comer e a falar. “Quando saí, só comia papinha, igual criança”, disse o cinegrafista.
Ele ainda faz reabilitação motora, com fisioterapeuta, porque perdeu muita massa muscular nos 36 dias deitado e sem fazer esforço. “Eu só tive alta porque não tinha mais o vírus, a alta foi por causa disso, porque por condições físicas poderia ter ficado mais tempo”, avalia.
Mesmo curado, Edgard conta que “hoje, minha imunidade ainda é baixa e estou tomando suplemento e tive que reaprender a comer, a andar, feito criança. Perdi cerca de 20 quilos”, disse, lembrando que era obeso, com pelo menos 115 quilos e hoje pesa 92.
Para ele, tudo que ocorreu foi um milagre e ele mesmo se considera um. Além disso, avalia que “é a mesma pessoa, mas num corpo diferente”, porque afirma que a covid-19 e claro, o tratamento enfrentado, transformou seu organismo. “Hoje eu não sinto sede e sou uma pessoa que sempre bebeu muita água”.
Também revela que as dificuldades de respirar, de caminhar, bem como a perda de peso e o reaprender, o fazem se sentir diferente. “Fiquei 21 dias desacordado e outros sem visita, na enfermaria. Só tive dimensão de tudo que aconteceu depois. Eu estive nas últimas. Você está falando com um milagre”, assegurou.
Para ele, enquanto a população não se der conta de que a covid-19 é uma doença que é “de ser humano para ser humano, e não um mosquito que transmite, como a dengue, vai continuar morrendo muita gente, porque não entenderam que tem que se prevenir”. Diabético e hipertenso, Edgard, sobrevivente da covid-19, deve ser mesmo um milagre.
Especialista – A médica intensivista Ana Carolina Viana Alvarenga de Abreu, atua no Pronto Socorro do Hospital Cassems, que atende em sua maioria servidores públicos estaduais e familiares. Lá são tratados os casos mais graves de covid-19 que precisam de internação, desde que as pessoas façam parte do plano.
Ela conta que a média de dias de internação lá é de 7 a 10 dias, sendo que desses, de 5 a 7 os pacientes ficam entubados, respirando por aparelho. “Para uso do respirador, o paciente precisa estar sedado, porque é um procedimento muito desconfortável, explica”, já que o aparelho atua no lugar do pulmão, que não está conseguindo fazer o processo de troca gasosa de forma efetiva.
Ana explica que qualquer paciente acometido do novo coronavírus pode desenvolver algum grau de fibrose pulmonar, mesmo depois de serem retirados do respirador.
“Provavelmente o paciente internado por covid, vai precisar de reabilitação pulmonar, mesmo depois de sair da UTI, do hospital. Alguns pacientes até usam oxigênio por um período mais prolongado, e vai pra casa assim”, conta.
Muitos pacientes, mesmo depois da alta, fazem fisioterapia respiratória e dependendo do processo de recuperação e do tamanho das sequelas, a recuperação pode durar até seis meses. “Todos os casos em que foi usada ventilação mecânica vai precisa de fisioterapia respiratória”, afirma.
Outra sequela apontada pela médica, é a perda muscular. Isso decorre do longo período sem atividade e do uso de sedativos, que paralisam a musculatura, induzindo uma fraqueza muscular generalizada para que a ventilação mecânica ocorra com mais eficácia.
A intensivista comenta ainda que essa fraqueza muscular diminui a capacidade de retomar atividades como andar e realizar tarefas sozinho, por isso a fisioterapia é necessária.
Por ser uma doença nova em humanos, a covid-19 carece ainda de mais conhecimento e estudos para se entender seus reais efeitos, mas pelo que já é possível verificar até agora, Ana Alvarenga afirma que depois do pulmão, o segundo órgão mais acometido pela doença é o rim, sendo que “40% dos pacientes que manifestaram covid, evoluem para uma disfunção renal e desses, 100% deverão precisar de hemodiálise no futuro”.
Comparada a outras doenças, a especialista diz que há as que potencialmente causam mais sequelas que o novo coronavírus, como o choque séptico, acidentes de trânsito e lesões neurológicas, mas pondera que o risco da covid está na evolução muito rápida entre os sintomas leves e graves.
“Acredito que em relação às sequelas também será dessa forma: grandes e rápidas, por conta da agressividade da doença nos casos que precisam de ventilação”, sustenta, enfatizando ser difícil comparar porque “não temos os dados temporais adequados”, explicando que os parâmetros para análise adequada de uma doença devem ser analisados em períodos de 28 dias, um ano e cinco anos.
“Nossa paciente mais antiga recebeu alta em abril e é um tempo muito curto pra conseguir avaliar a qualidade de vida dela depois da doença. Mas as notícias que temos é que já está andando e respirando sem oxigênio”, revela a médica referente a uma paciente de 65 anos.
Emocional – Outra sequela verificada nos pacientes acometidos por covid-19 é a psicológica, que permanecem muito tempo isolados e sem visitas. Além disso, precisam ser cuidados por profissionais totalmente paramentados com máscaras, luvas, óculos, capote.
“Eles não vêem nossos rostos completamente. Eles estão num local diferente, em uma situação delicada e não têm contato visual de olho no olho e sentem falta desse contato pessoal”, analisa.
Para ele, a situação deprimida pode ser momentânea, mas “não sabemos como pode ser lá na frente, porque mesmo na saída do hospital, ainda tem todo esse processo por conta da reabilitação e os cuidados com as sequelas pulmonares”.