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Cidades

No presídio, covid amplia distância e há um ano videochamada é único escape

Sem direito a visita presencial desde 2020, presos tem nas videochamadas o alento para matar saudades de casa

Silvia Frias | 29/04/2021 12:31
A psicóloga Tânia Hardem (esq) acompanha as visitas virtuais, prestando informações sobre o tempo restante de conversa (Foto/Reprodução)
A psicóloga Tânia Hardem (esq) acompanha as visitas virtuais, prestando informações sobre o tempo restante de conversa (Foto/Reprodução)

Os encontros de João* com mãe se restringem a conversa de pouco mais de 10 minutos, uma vez por mês. O contato mínimo é consequência da epidemia da covid-19, mas, também, de situação restritiva ainda maior, imposta pela atual condição dele: o motorista de 24 anos é um dos presos do IPCG (Instituto Penal de Campo Grande).

Há quase um ano, João é um dos 20.240 presos que integram o sistema carcerário de Mato Grosso do Sul e faz parte do grupo que recorre às videochamadas para manter contato com a família, a válvula de escape que tenta diminuir distância já imposta desde encarceramento.

“Videochamada ameniza a saudade, não é comparado como tato, tocar, abraçar”, explica João. “Mas é o que está me ajudando, se não conseguisse ver a família, teria ficado sério o negócio”.

De todos os grupos populacionais, a massa carcerária é, talvez, a única que mantem à risca e, à força, o distanciamento social com os familiares. O mesmo não se pode dizer do convívio intramuros, sempre acima da capacidade. Em MS, são 9.995 vagas para mais de 20 mil internos.

O sistema de segurança em MS adotou medidas restritivas para evitar a disseminação do vírus. As visitas presencias foram suspensas, casos suspeitos isolados, uso de álcool em gel e máscaras nas áreas de convívio com funcionários.

Desde o início da pandemia, foram 4.976 casos confirmados de covid-19 nos presídios do Estado, entre servidores e detentos. Do total, 4.455 são de internos e 30 de presos monitorados com tornozeleira eletrônica. Foram 8 mortes registradas entre os internos.

João, em entrevista pelo Whereby: "Se não conseguisse ver a família, teria ficado sério o negócio” (Foto/Reprodução)
João, em entrevista pelo Whereby: "Se não conseguisse ver a família, teria ficado sério o negócio” (Foto/Reprodução)

A medida mais radical e que afeta diretamente os ânimos dos presos foi a suspensão das visitas presenciais, que começou em março de 2020. Os encontros chegaram a ser retomados no fim do ano, mas a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) voltou atrás quando as infecções pelo coronavírus aumentaram exponencialmente.

Quando João foi preso, no dia 5 de maio de 2020, o Brasil já tinha entrado no mapa da infecção, mas ainda não enfrentava os índices recordes. Naquele dia, o boletim epidemiológico indicava que MS tinha 283 casos confirmados da doença e 10 mortes.

Levado ao IPCG, chegou a receber visita presencial da mãe, mas já com as medidas de biossegurança impostas, como distanciamento de cerca de 1,5 metro. A medida durou pouco. Logo depois, teve que recorrer às videochamadas.

Segundo informações da Agepen, cada unidade adota sistema para que os presos tenham acesso à videconferência.

No caso do IPCG, é usado o Whereby, em que a família do preso recebe link, por telefone ou email e “bate a porta” do presídio, sendo recebido pelo detento e a psicóloga. A profissional acompanha a conversa de forma discreta, fechando o microfone e a câmera, fazendo intervenções para avisar do tempo restante ou alguma informação para os familiares.

Tânia Regina Verão Hardem é uma das três psicólogas que acompanham essa visita virtual no IPCG. Ela explica que os 1,5 mil internos têm direito aos encontros, mas nem todos conseguem, pois dependem do acesso da família à internet. Dependendo da urgência, do preso e da situação, abre-se exceção e é permitida a conversa assistida, por telefone.

Por conta do volume de presos, o IPCG regrou os encontros a 1 vez por mês, por cerca de 10 minutos. Os familiares ainda podem ir ao presídio, levar alimentos e cartas que são entregue a eles. O único contato existente, mas sem toque ou laço afetivo, é com advogado, que tem direito a audiência presencial.

São medidas, ainda que paliativas, para contornar o estresse e ansiedade já recorrentes no cárcere, mas que ganham contornos maiores desde a pandemia da covid-19. “Tem muito interno que apresenta sintoma de ansiedade, depressão, pede para encaminhar para psiquiatria, quer medicação”, conta Tânia. A preocupação é saber se os parentes contraíram covid e se alguém foi internado.

A orientação inicial é que eles procurem psicóloga para passar pelo aconselhamento. “A gente vê se é necessário medicação ou outro atendimento”. Não sendo o caso de prescrição de remédios, os presos precisam recorrer a outros meios para se ocupar, como a biblioteca ou exercícios no solário.

No caso de João, o trabalho no setor jurídico do IPCG ajuda. O preso entra às 11h e sai às 15h30, auxiliando no setor de informática, conectando os presos nas audiências judiciais. Depois, volta para o solário onde ficam outros 50 presos e pode ficar circulando até 20h, horário da “tranca”. No caso deste solário, é horário expandido por ser área reservada aos que trabalham, principalmente o pessoal da cozinha. No geral, a “tranca” começa às 16h.

“A gente dá volta no solário, tenta fazer academia, coisas que aliviam o estresse, come alguma coisa, faz macarrão, empurrar como vai dando”, conta o preso.

O processo de João ainda está em andamento. A investigação apurava a participação de policiais militares, todos de Sidrolândia, na facilitação da passagem de carro carregado com meia tonelada de maconha, no dia 12 de março de 2020.

O carro foi encontrado em milharal, com a chave na ignição. João seria um dos "batedores" da carga e que teve passagem facilitada pela PM. A investigação apurou que os militares ignoraram a ficha criminal do companheiro de viagem dele e o fato do carro estar sem documentação regular.

João diz que é inocente e que foi preso com base em escutas telefônicas, não tendo ocorrido flagrante do crime. “Estou esperando ser absolvido”, disse.

O preso aguarda com ansiedade a vacinação dos pais, com idade de 53 e 55 anos. Sem saber o que virá antes – a absolvição ou a imunização – vai administrando a angústia com a rotina na prisão, principalmente com as visitas, mesmo que virtuais. “Nossa esperança aqui, mais que a família entrar é que a gente saia, a gente fica nessas duas esperanças; é o que a gente sempre espera”.

*Nome do preso foi preservado na reportagem, por ser interno ainda sem condenação.

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