Razuk transformou bicho em bet, mas manteve “prensas” em devedores
Família também usou dinheiro e influência para brigar por loteria legal e expandir negócios ilegais, diz Gaeco

O jogo que é três vezes mais velho que a própria criação de Mato Grosso do Sul ganhou “cara nova” para sobreviver à era digital, mesmo que nas mãos do clã Razuk, alvo do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado) esta semana, os antigos métodos continuem sendo a maneira de manter o negócio em pleno vapor. A família modernizou o jogo do bicho, levando-o para plataforma digital, e estava “de olho” na Lotesul - loteria oficial que correrá no Estado -, como forma de expandir os negócios, inclusive os ilegais, segundo a investigação, mas a violência, o tráfico de influência e o dinheiro continuaram sendo estratégia de manutenção do poder.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Donos do jogo em Dourados e outras cidades da região sul, os Razuk entraram na guerra pelo monopólio do bicho em Campo Grande no vácuo deixado pela Operação Omertà, que prendeu Jamil Name e Jamil Name Filho em setembro de 2019. Paralelamente, planejavam a expansão da loteria clandestina pela rede mundial de computadores, conforme apuraram os promotores Ana Lara Camargo de Castro, Antenor Ferreira de Rezende Neto, Moisés Casarotto, Tiago Di Giulio Freire e Gerson Eduardo de Araujo, os responsáveis pela deflagração da 4ª fase da Operação Successione, na terça-feira (25).
- Leia Também
- Clã Razuk foi preso para evitar “guerra” pelo jogo do bicho em Goiás
- PM preso por explorar jogatina repassava dados sigilosos à quadrilha dos Razuk
Jorge Razuk Neto, filho de Roberto Razuk, de 84 anos, o líder máximo da organização criminosa em investigação, foi o responsável por transformar o bicho em bet. Ao lado de outro investigado, Sergio Donizete Balthazar, ele desenvolveu site para as apostas, conforme revelaram as interceptações telefônicas obtidas pelo Gaeco nas fases anteriores da Successione.
“De outro lado, Jorge Razuk Neto, também filho de Roberto Razuk e irmão de Roberto Razuk Filho (“Neno Razuk”), integra e participa ativamente da organização criminosa investigada. Durante as análises, foi possível observar intensa dedicação de Jorge Razuk Neto para idealização e execução de uma plataforma on-line de exploração do jogo do bicho e de outros jogos de azar proibidos em território nacional”, afirma o Gaeco ao pedir 20 mandados de prisão ao Judiciário.
Para a investigação, o objetivo era aumentar os lucros com a contravenção, já que os meios tradicionais – cartelas, blocos, bilhetes em bancas físicas – não competem com o “Tigrinho” e outras bets, capazes de atingir maior público. “A organização criminosa investigada vem se adequando às opções tecnológicas, valendo-se de meios eletrônicos para sua consumação”, completam os promotores.
A plataforma se chamaria “JB”, as iniciais do jogo mais antigo do Brasil. “Através das observações feitas sobre os diálogos entre Neno Razuk e outro irmão consanguíneo, tratando-se de Jorge Razuk Neto, é possível constatar que Jorge Neto seria um dos responsáveis pelo desenvolvimento de uma plataforma eletrônica de exploração do jogo do bicho, financiada por Neno Razuk, e que esse atuava em conjunto com outro indivíduo conhecido como 'Serginho', que foi identificado tratando-se de Sergio Donizete Balthazar. Em determinado momento das trocas de mensagens, Jorge Neto expõe para Neno Razuk a necessidade de nomear a plataforma do jogo do bicho, sendo que Neno sugere que se chame apenas por ‘JB’”.
O site foi criado, porém, com outro nome de apresentação “365 Loterias”. “O jogo do bicho on-line foi além do mero planejamento, já que o endereço indicado na conversa citada está ativo e em operação, como se pode certificar acessando o endereço eletrônico (...)”, cita o Gaeco em trecho da peça enviada à Justiça.

Violência – Apesar da nova maneira de angariar apostas, métodos antigos de cobrança foram mantidos, demonstra a investigação. É neste ponto que Sergio Balthazar aparece novamente. Ele é sócio de Jorge Neto em um domínio na internet de nome “betmaiss.com” e em janeiro de 2022, conforme diálogo interceptado, solicita a ajuda de outro integrante do esquema dos Razuk para receber dinheiro.
“Tô com um malandro que não me paga desde o dia 9. Tenta receber para mim”, afirma Sergio a Gilberto Luis dos Santos, major aposentado da Polícia Militar mais conhecido como “Barba” ou “Coronel”, que gerenciava os “negócios” em Campo Grande para os Razuk, também conforme as apurações da Successione.
Gilberto pergunta se há alguma prova do débito: “cheque, promissória, etc.” e Sergio responde negativamente: “a dívida é do site betmais. É só procurar ele e dar uma 'prensa' nele para ele pagar o site, que ele vai se virar”, afirma, demonstrando o costume com a violência.

Em outro momento, o Gaeco lembra que o grupo liderado pelos Razuk instalou guerra em Campo Grande. “Promoveu ao menos 3 roubos duplamente majorados no dia 16/10/2023, em plena luz do dia, nesta capital, em contexto de coação de pessoas de outros grupos criminosos a filiarem-se à organização criminosa, já revelando que pretendia expandir-se para a prática de mais crimes, o que de fato vem ocorrendo, pois continuam atuando até os dias atuais, mesmo com a prisão de parte de seus integrantes e a ação penal já em curso. Há de se reconhecer o cenário de guerra entre organizações criminosas causado pelas ações dos investigados, sendo esperado que, se mantidos em liberdade, as ações se intensifiquem ainda mais e, como se pode esperar em disputas por territórios, com a escalada de crimes”, defendem os promotores sobre a necessidade de prisões.
A investigação recorda que a briga pelo domínio do bicho na Capital também não pouparia vidas. "É bom relembrar que, por ocasião do cumprimento dos mandados de busca e apreensão expedidos por esse Juízo na 1ª fase de investigação, o Gaeco foi surpreendido por anotações designativas de assassinatos de três pessoas referidas pelos codinomes 'Betinho', 'Joel' e 'Déa', em manuscrito apreendido na residência do gerente ['Barba']".

Influência e dinheiro – Mais recentemente, ainda focados em expandir os negócios, os Razuk decidiram entrar na disputa pela concessão da Lotesul, loteria oficial de Mato Grosso do Sul que seria reativada. Para dar as cartas e sair vitoriosa da mesa, a família não poupou esforços, conforme o Gaeco.
Interceptações telefônicas apresentadas no relatório indicam que os membros do clã Razuk discutiram abertamente estratégias para manipular o processo licitatório, com o objetivo de expandir suas atividades criminosas e garantir faturamento anual de R$ 51 milhões – valor estimado do rendimento da loteria legal.
É aí que aparece novamente Sérgio Donizete Balthazar, dono oficial da empresa Criativa Technology, responsável por atravancar a licitação da Lotesul, em março deste ano. Para o Gaeco, Balthazar não passa de um “laranja”, já que Roberto Razuk e o filho, Neno, teriam usado de seu prestígio para travar o processo licitatório.
Ao lado do pai, Neno esteve no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul no dia 11 de março deste ano, fato que foi noticiado pela conta oficial do TCE/MS no Instagram. “Ora, qual o motivo da ‘visita institucional’ do deputado Neno Razuk acompanhado pelo próprio pai Roberto Razuk?”, questionam os promotores, anotando: “curiosamente, dias depois, a empresa Criativa Technology, àquela que pertence formalmente ao investigado Sergio, apresentou uma das impugnantes à licitação da Lotesul junto ao mesmo Tribunal de Contas”.
Os investigadores lembram ainda que a mesma empresa é responsável por ação judicial contra o certame, cujas custas processuais foram pagas no Pix por Roberto Razuk. “A certeza de impunidade ou o descuido da organização criminosa ao expor o nome de um de seus líderes publicamente, por detrás do intento escuso, foi massivamente noticiado na mídia no mês de março”, também destaca o Gaeco ao citar as notícias sobre o processo no Judiciário.
“A Criativa Technology é uma empresa fictícia, existente só ‘no papel’, criada tão somente para viabilizar a concorrência da organização criminosa na referida licitação milionária da Lotesul”, afirmam os promotores.
Successione 4 - Roberto Razuk, os dois filhos e outras 17 pessoas tiveram as prisões decretadas na quarta fase da Operação Successione. As ordens de prisão e 27 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Campo Grande, Corumbá, Dourados, Maracaju e Ponta Porã e nos estados do Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul.
De acordo com o Ministério Público, as fases anteriores da Operação Successione revelaram a atuação de uma organização criminosa armada, violenta, que se dedicava à exploração de jogos ilegais, corrupção e demais delitos correlatos, responsável por roubos com emprego de arma de fogo. O termo italiano “Successione” – que dá nome à operação – é referência à disputa pela sucessão do jogo bicho na Capital após a decorada da família Name.
Outro lado – Em nota, a defesa dos Razuk, formada pelos advogados André Borges e João Arnar, afirmou que as informações divulgadas sobre a nova fase da Successione ainda não lhes foram comunicadas oficialmente e que, quando isso ocorrer, irão se manifestar nos autos. Ressaltou que, pela Constituição, ninguém pode ser considerado culpado antes do fim do processo e negou qualquer envolvimento em crimes. Disse que jamais foi ouvida pelas autoridades sobre os fatos citados e que, se tivesse sido intimada, tudo seria esclarecido sem dificuldade.
Afirmou ainda ser falsa a existência de organização criminosa, de plano para disputar espaço com grupos do jogo do bicho de São Paulo e Goiás e de qualquer ato de violência no Mato Grosso do Sul ou em outros estados, destacando que parte dessas acusações já está em análise judicial com defesa apresentada.
A nota conclui que todos os pontos serão esclarecidos no momento adequado e que a família aguardará uma decisão justa da Justiça, instituição que diz respeitar. Roberto Razuk já está em prisão domiciliar.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.

