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Capital

Com todos dentes quebrados e cabelo cortado, Suely suportou 10 anos de tortura

Violência começou dois anos após o início do relacionamento e seguiram por mais de uma década

Aletheya Alves | 23/04/2021 06:15
As unhas bem feitas são um dos símbolos da nova fase de Suely. (Foto: Kísie Ainoã)
As unhas bem feitas são um dos símbolos da nova fase de Suely. (Foto: Kísie Ainoã)

“Nenhum desses dentes é meu, é tudo implante porque ele quebrou todos”. Vivendo em meio às memórias de agressões constantes, aos 44 anos, Suely Conceição da Silva tenta se reconstruir e abandonar os 10 anos de tortura física e psicológica causada pelo ex-marido. Em suas palavras, ela se salvou de se tornar mais um número na estatística dos feminicídios e hoje tem conseguido retomar a vida.

Enquanto escuta ser simples dar um basta na violência, a mulher relata que o ciclo é muito mais vicioso do que qualquer um imagina. Há pouco mais de dois anos Suely registrou o último boletim de ocorrência contra o ex-marido. Mesmo assim, ela explica que abandonar a presença do agressor continua sendo uma construção, já que mesmo à distância o homem segue forçando a presença.

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Ele sabe da minha vida, sabe que depois de muito tempo estou me relacionando de novo e até hoje não aceita me dar a separação do casamento. Estou lutando com isso, Suely diz.

Foram necessários 12 anos, dez casada e dois em processo de coragem, para que a porteira conseguisse se sentir com menos medo dentro de casa e retornasse a viver como antes. Ela relata que desde 2009, quando conheceu o ex, a lógica do dia a dia passou a incluir ser agredida com capacete e precisar lidar com faca no pescoço.

“Depois da primeira vez só piorou. Ele quebrava tudo em casa, me humilhava, fazia de tudo. Cortava meu cabelo e perdi as contas de quantas vezes colocava faca no meu pescoço, dizia que ia me desfigurar”, diz.

Firme na memória, a primeira agressão não chegou a ser física, enquanto a última dentro do ciclo a levou para o hospital. “Ele bebeu muito na formatura da minha filha e essa foi a primeira vez que veio para cima de mim, me xingou muito. Depois disso, toda vez que bebia piorava. Por último, em 2019, eu já tinha dito que a gente estava separado e ele tentou forçar voltar para casa. Tentei empurrar ele na área, ele me empurrou de volta e eu caí no chão, quebrei meu braço”.

Foi através da filha mais velha que a porteira se “salvou da morte”, como diz. Acompanhando por anos as agressões, foi ela quem pediu ajuda do Promuse (Programa Mulher Segura), da Polícia Militar. “Minha filha descobriu que eu tinha ido parar no hospital e foi atrás da polícia. Ele me ameaçava muito, dizia que algo ia acontecer comigo e com meus filhos, aí disse no hospital que eu tinha caído no banheiro. Só com a minha filha vindo com a polícia que consegui falar a verdade”.

Suely relata que a última violência física sofrida a levou para o hospital com o braço quebrado. (Kísie Ainoã)
Suely relata que a última violência física sofrida a levou para o hospital com o braço quebrado. (Kísie Ainoã)

Busca por socorro - “Eu tinha muito medo de denunciar ele. Teve uma vez que eu me mudei, fui morar em um condomínio fechado e mesmo assim ele conseguia entrar. Levava mala com roupa e dizia que não ia sair”, Suely conta. Devido ao medo constante, ela relata que só com a ação da filha conseguiu sobreviver.

Através dos anos, a filha acompanhou as agressões que a mãe sofria e quando conseguiu, auxiliou no ponto final. “Minha filha salvou minha vida. Se não fosse por ela, eu nem estaria aqui, estaria morta. Ele nunca ameaçou ela ou meus outros filhos, mas o trauma que eles sofreram foi pior do que o meu”.

O pessoal do Promuse foi quem me ajudou depois disso. Eu já tinha medida protetiva contra meu ex, mas ele não respeitava. Depois da denúncia da minha filha comecei a ter um acompanhamento da polícia, a sargento me dizia que até se eu sentisse medo de ficar sozinha podia avisar. Só assim consegui acreditar que tinha saída, Suely conta.

Antes disso, Suely relata que a falta de apoio da família foi mais um motivo para ter medo de que a denúncia pudesse ser um caminho pior do que o silêncio. “Tenho só meus filhos e minha mãe do meu lado. Todo o resto da minha família continua do lado dele. Quando chamei a polícia das primeiras vezes, eles até ajudaram a esconder ele. Eu tinha medo porque pedia por ajuda e ele conseguia fugir, tinha apoio”, explica.

Retomada da vida - “Eu não conhecia o perfil do agressor, agora sei identificar. Se eu ver hoje, já sei e não me relaciono, mas eu não sabia. Desde que consegui me separar voltei a estudar e agora estou no primeiro semestre da faculdade de pedagogia, tô bem feliz com o que tenho agora. Me cuido, me acho bonita, antes nada disso era possível”, Suely diz.

Retomando a vida, a mulher conta que voltou a acreditar nos sonhos deixados para trás. (Foto: Kísie Ainoã)
Retomando a vida, a mulher conta que voltou a acreditar nos sonhos deixados para trás. (Foto: Kísie Ainoã)

 Ainda com dificuldades, ela relata que o medo vai e volta, mas que a retomada da vida tem sido um caminho de esperança. “Sei que eu ia acabar morrendo, não tinha outra possibilidade se continuasse daquele jeito. Quem sofre com qualquer tipo de agressão precisa procurar ajuda, precisa sair do ciclo da violência. Minha filha me dizia que não queria ver eu sendo estatística”.

Com esse pensamento, a porteira tem se tornado uma multiplicadora de socorros. “Se eu vejo alguma mulher em um relacionamento que parece abusivo, tento conversar. Eu sei até onde pode chegar e a gente vê finais que não são como o meu, a gente vê muita mulher morrendo. Não dá para continuar assim, as mulheres precisam ter apoio”.

Peça ajuda! - Foi através do Programa Mulher Segura que Suely conseguiu ajuda, mas há toda uma rede de apoio para mulheres que sofrem violências. De acordo com a sargento Gizele Guedes Viana, do Promuse, quem precisa de socorro pode entrar em contato com o programa, que consegue fazer uma ponte com a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Defensoria Pública e todos os órgãos que compõem o sistema.

“Dentro do previsto, buscamos essas mulheres quando recebemos notificação de medidas protetivas, mas podemos sim auxiliar essas pessoas que querem pedir ajuda. Se está vivendo o ciclo de violência, fale conosco”, a sargento explica.

O número funcional do Promuse é (67) 9180-0542, mas as mulheres e testemunhas também podem denunciar as violências diretamente com a Deam. A delegacia funciona 24h, sendo possível ligar através do 190, da delegacia virtual (clicando aqui) ou indo até a unidade, que fica na rua Brasília, sem número, no Jardim Imá, dentro da Casa da Mulher Brasileira.

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