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Capital

Depoimento de recruta mostra tentativa de abafar tortura dentro de quartel

O caso aconteceu na tarde do dia 23 de março, na 9ª Cia de Guarda. Em relato gravado, o recruta contou detalhes da situação.

Geisy Garnes | 29/04/2020 18:29
Queimaduras causadas no pescoço do garoto.
Queimaduras causadas no pescoço do garoto.

Mais de uma vez o recruta de 18 anos vítima de “trote” na sede da 9ª Companhia de Guarda de Campo Grande, há pouco mais de um mês, ouviu de alguns colegas para esquecer a situação e não entregar o militar que, em suposta brincadeira, ateou fogo nele. Para que a história não se espalhasse, os envolvidos chegaram a oferecer privilégios ao rapaz.

O caso aconteceu na tarde do dia 23 de março. Em depoimento gravado, o recruta contou que estava varrendo a frente do pelotão quando recebeu nova ordem de um dos soldados, procurar um isqueiro. Ele andou pela unidade na tentativa de atender ao pedido, mas no caminho encontrou o autor do crime, um sargento da corporação.

O sargento mandou que ele entrasse em uma sala e ficasse em posição de flexão para ter a cabeça pisada por ele. Por alguns minutos o recruta ficou sem reação, chocado com o que ouviu, mas diante da insistência do superior, obedeceu.

Aos advogados Pablo Gusmão e Renato Franco o rapaz relatou que nesse momento o sargento jogou grande quantidade de um “líquido gelado” no pescoço dele e falou: “se eu riscar esse isqueiro, pega fogo?”. Foi exatamente o que aconteceu. O recruta pegou fogo. Com o susto, o próprio autor ajudou a apagar.

No relato, o recruta lembra que o sargento passou água nos ferimentos e deu gelo para ele colocar na boca, em uma tentativa de amenizar a dor do rapaz. Antes mesmo de o rapaz receber atendimento apropriado e ser levado para a enfermaria, as tentativas de abafar o caso começaram.

Depois de pedir desculpa e afirmar que “não sabia o que aconteceria”, o sargento insistiu para ele não contar a verdade a ninguém. Falou que tem uma filha e insistiu para o recruta “quebrar essa para ele”. A tentativa de abafar o caso também partiu de outros colegas que sabiam do crime.

Outro soldado reforçou a necessidade de proteção ao sargento e chegou a oferecer benefícios para ele ficar em silêncio. “Se eu não contasse eu podia ter alguns privilégios lá dentro, como alivio no campo e poucas guardas durante o ano”, contou o recruta. O grupo não saiu de perto do rapaz por algumas horas, seguiu ele até o alojamento e tentou resolver a situação de forma caseira, com pomada e óleo de girassol.

Queimaduras no pescoço de jovem, alvo de "trote" em unidade do Exército. (Foto: Direto das Ruas)
Queimaduras no pescoço de jovem, alvo de "trote" em unidade do Exército. (Foto: Direto das Ruas)

Enquanto “cuidavam” do recruta, reforçaram o pedido para não contar a verdade e criaram saídas para explicar o crime. “Falaram em queimadura solar, em alergia a remédio de espinha, ou protetor solar. Pensaram em falar, que como a gente tá usando muito álcool em gel eu poderia ter misturado com protetor solar e isso ter dado reação”.

No decorrer das horas, outros militares do pelotão viram o estado do colega e a situação chegou aos superiores. O recruta foi convocado para uma reunião com quatro sargentos e sua primeira reação foi mentir. “Dei minha palavra para ele que não ia contar para ninguém”.

Aos superiores, o recruta afirmou que as feridas eram queimaduras solares, mas os sargentos não acreditaram na história. Só depois de ouvir que poderia se prejudicar com a mentira, resolveu contar a verdade. Ele então foi levado para a enfermaria, onde finalmente atendido corretamente. Oficiais e até o comandante da 9ª Companhia de Guardas ouviram a versão do rapaz de forma informal naquele mesmo dia.

“É um absurdo que em pleno ano 2020 existam situações de trotes extremos nos quartéis”, afirmou Pablo Gusmão ao Campo Grande News. O soldado está fazendo acompanhamento psicológico e os advogados defendem que os envolvidos sejam responsabilizados por lesão corporal dolosa, prevista no artigo 209 do CPM ou até mesmo de crime de tortura castigo, previsto na Lei 9455 – Lei de Tortura artigo 1º inciso, II.

Até o fechamento da matéria o CMO (Comando Militar do Oeste) ainda não havia se manifestado sobre a situação.

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