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Capital

Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil

Estupro e morte em Campo Grande evidenciam falhas na proteção das crianças, uma responsabilidade de todos

Por Clara Farias e Bruna Marques | 01/09/2025 07:46
Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Crianças correndo sozinhas, sem roupa, em região periférica de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Entre casas simples de bairros da periferia de Campo Grande, famílias com baixa renda enfrentam a rotina de criar os filhos em meio à vulnerabilidade social, pela falta do básico para o mínimo de conforto ou pela ausência dos pais que precisam trabalhar e dependem de terceiros para ajudar na supervisão.

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Em Campo Grande, a vulnerabilidade social expõe crianças a riscos de violência, como negligência e abuso. Enquanto algumas famílias conseguem monitorar seus filhos, outras os deixam sozinhos, circulando em áreas perigosas. A falta de supervisão, aliada à pobreza e à presença do tráfico, cria um ambiente propício para tragédias. Um caso recente chocou a cidade: uma menina de seis anos foi estuprada e morta na Vila Carvalho. O suspeito, que tinha histórico de violência, levou a criança de sua casa até o local do crime. A juíza da Vara da Infância e Adolescência destaca a importância da atuação conjunta da família, Estado e sociedade na proteção das crianças, visando prevenir e combater a violência.

Na Rua Madre Cristina, no Tarsila do Amaral, a cena chama atenção. Antes mesmo de a reportagem entrar, a enteada de 5 anos de Vagner Valensuela, 43 anos, pedreiro, corria sozinha pela rua. Poucos metros adiante, dois adolescentes fumavam maconha na esquina.

Dentro de casa, a avó cadeirante observa tudo da varanda. “Tenho nove filhos, sendo quatro meninas. A bebê tem 10 meses e a pequena, 5 anos. Eu cuido para que não fiquem na rua. Só deixo com a família, de jeito nenhum com terceiros”, afirma. Vagner leva e busca as meninas na escola, rotina que divide com o genro e a filha mais velha. “A gente vê muita coisa acontecendo. É estritamente proibido deixar com estranhos", diz.

Casos de crianças em situação de vulnerabilidade são monitorados pela Vara da Infância e Juventude, que atua como um órgão judicial para assegurar os direitos previstos pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Quando violências ou negligências contra esse público são constatadas, a Vara intervém, com acionamento do Conselho Tutelar, da Defensoria Pública ou do Ministério Público.

Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Vagner Valensuela, lembra de caso que filha viveu em entrevista ao Campo Grande News (Foto: Osmar Veiga)

Apesar da fala de vigilância, a cena na rua mostra uma contradição: em bairros de vulnerabilidade, muitas vezes a criança circula sozinha, exposta a situações de risco.

Na Vila Nova, Márcia Pedroso Gomes, 28 anos, empurra o carrinho com a filha de 11 meses pelo campinho de terra, a caminho da casa da mãe. “Ela só fica comigo ou com a minha mãe. Nunca deixei com terceiros, nem com homens. Sempre nós duas”, diz a dona de casa.

Ela e a mãe dividem os cuidados, numa rotina de proteção cercada por desconfiança. “Sempre foi assim na minha família. Minha mãe se separou cedo e nunca tivemos histórico de abuso. A gente cuida uma da outra", contou.

Para a titular da Vara da Infância, Adolescência e do Idoso de Campo Grande, Katy Braun, o cuidado compartilhado, como o caso de Márcia e da mãe, é essencial. "Fortalece a proteção e desenvolvimento saudável dos menores, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade", afirmou.

Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Márcia Pedroso Gomes caminha com a filha até a casa da mãe no Bairro Tarsila do Amaral (Foto: Osmar Veiga)

O mesmo discurso se repete na fala de Gabriela Souza, 35 anos, dona de casa do Bairro Tiradentes. Mãe de quatro filhos, ela afirma que os cuidados ficam sempre sob responsabilidade feminina. “Homem é imprevisível. Criança tem que estar sempre no olhar da mãe ou da avó. Se piscar, acaba tudo.” A filha mais nova, de 4 anos, permanece com a avó enquanto Gabriela trabalha.

Em outras casas, a rotina é diferente. Na esquina da Avenida José Nogueira Vieira, Dircilene Peralta, 34 anos, observa as filhas de 3 e 4 anos brincarem de patinete na calçada. Questionada, admite que as meninas passam o dia “na frente de casa”. Uma delas estuda de manhã, mas à tarde a supervisão se dilui. “É todo mundo que olha”, resume.

Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Crianças sentadas em cadeira no Bairro Tiradentes (Foto: Osmar Veiga)
Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Família e criança em calçada no Bairro Tiradentes (Foto: Osmar Veiga)

No bairro, moradores relatam já terem ouvido casos de abuso contra crianças em situações de descuido. “Sempre tem. A última vez foi de uma criança que estava na rua e pegaram”, comenta, sem detalhes.

A diferença entre famílias que vigiam de perto e outras que deixam os filhos soltos na rua não esconde o ponto comum: todas vivem em áreas de vulnerabilidade social. Casas simples, renda baixa e vizinhança marcada pela presença do tráfico de drogas.

A juíza da Vara da Infância, Katy Braun, explica que casos que necessitam de medidas judiciais "mais drásticas" são encaminhados do Conselho Tutelar para a Justiça. "As medidas protetivas mais comuns determinadas pela Vara compreendem, principalmente, aquelas que extrapolam as competências do Conselho Tutelar, tais como a inserção em família substituta, no programa de acolhimento familiar e em serviço de acolhimento institucional. O Conselho Tutelar só pode acolher em situações emergenciais", disse ela.

A magistrada esclarece que a retirada de uma criança do convívio familiar só ocorre quando há um risco grave e comprovado à integridade física ou psicológica, "observando sempre um diagnóstico social e psicológico prévio para optar por medidas menos drásticas antes de recorrer ao acolhimento institucional", detalhou.

Juíza alerta: negligência e vulnerabilidade aumentam risco de violência infantil
Brinquedo em casa onde Marcos Willian estuprou e matou uma criança de 6 anos (Foto: Marcos Maluf)

Caso recente - A madrugada da última quinta-feira (28) revelou um dos crimes mais chocantes dos últimos meses em Campo Grande. No banheiro de uma casa alugada na Avenida Joaquim Manoel de Carvalho, bairro Vila Carvalho, policiais encontraram o corpo da menina de seis anos, enrolado em um cobertor e deixado dentro da banheira, com sinais de estupro.

Imagens de câmera de segurança mostram o momento em que a menina saiu de casa na manhã de quarta-feira (27), na Vila Taquarussu, acompanhando Marcos Willian. Ele aparece atravessando a rua e a criança o segue de perto. O trajeto até a casa da Vila Carvalho é de cerca de 2,4 km e teria sido feito a pé.

Os pais só deram falta da filha à tarde e, ao checarem as câmeras, reconheceram o suspeito. A Polícia Militar foi acionada e, horas depois, a menina foi localizada já sem vida.

Após o crime, Marcos Willian fugiu, mas na quinta-feira (28), foi encontrado na região do Inferninho, saída para Rochedo, em Campo Grande. Ele teria resistido à abordagem e, então, acabou sendo baleado por policiais do GOI (Grupo de Operações e Investigações).

Conforme a juíza Katy Braun, a insuficiência de recursos humanos e estruturais dificulta o acompanhamento adequado das famílias encaminhadas pelo Conselho Tutelar. "Existem lacunas no sistema de proteção que podem ser mitigadas por meio de políticas públicas [...] e o fortalecimento das redes de apoio comunitárias", diz ela.

Ela destaca que a Justiça desempenha papel imprescindível na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, de forma acessível e em conjunto com os demais órgãos, "buscando resolver conflitos e assegurar a proteção integral sem que haja a necessidade constante de judicialização", finalizou.

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