Mesmo com exposição e morte de gato, idosa segue cuidando de animais abandonados
Mobilização garante ração e castração após tensão no Santo Amaro

O portão simples da casa no Bairro Santo Amaro esconde uma rotina que há décadas se repete. Entre miados, latidos e potes improvisados de ração, a aposentada Guiomar Pereira dos Santos, de 77 anos, segue fazendo o que diz não saber deixar de fazer: cuidar de animais abandonados. Hoje, são cerca de 40 gatos e 12 cachorros, a maioria deles sem dono e vivendo nas ruas do entorno.
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“Eu vejo animal sofrendo e não tenho coragem de largar”, resume na entrevista ao Campo Grande News, nesta segunda-feira (29). A frase é dita sem dramatização, como algo automático. “Prefiro eu ficar sem comer do que deixar um bicho com fome. Isso eu não deixo.”
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A rotina silenciosa de Guiomar ganhou visibilidade após uma polêmica envolvendo a morte de gatos na região, que provocou revolta, troca de acusações nas redes sociais de um tatuador e a atuação da PMA (Polícia Militar Ambiental). No meio do barulho digital, a figura da idosa passou a ser citada em vídeos e publicações, muitas vezes de forma distorcida, como se todos os animais fossem dela.
E não são! Guiomar explica que apenas parte dos gatos fica dentro de casa, enquanto a maioria vive solta pelas ruas e quintais vizinhos. “Eles vêm comer aqui. Alguns têm dono, outros não. Gato anda, pula, você não controla. Eles sempre estiveram aqui”, diz.
Há mais de 30 anos, ela recolhe animais largados em caixas, doentes ou famintos. “Jogam aqui na minha porta. Para mim, quem faz isso não é ser humano”, afirma, sem rodeios. Ao longo do tempo, o cuidado virou também fonte de conflitos. Xingamentos, ameaças veladas e acusações passaram a fazer parte do cotidiano. “Chamam a gente de desocupada, vagabunda. Eu fico quieta, não brigo. Mas dói.”
O medo aumentou após os episódios recentes. “A gente fica com medo, sim, porque mora aqui. Mas não é justo ter medo por fazer o bem”, diz. Parar, porém, não é opção. “Só paro o dia que eu morrer. E ainda deixo alguém responsável para cuidar deles.”
A situação mobilizou um grupo de voluntárias, que passou a se articular pelas redes sociais. No último fim de semana, elas estiveram no bairro e conseguiram arrecadar ração, dinheiro e apoio para iniciar a castração dos animais. A professora Emy Santos, de 25 anos, explica que a união surgiu da necessidade de agir rápido. “Não dava para só assistir. O medo era que continuassem machucando os gatos.”
Segundo ela, a presença coletiva também funciona como proteção. “A dona Guiomar se intimida porque mora aqui. Já nós, como grupo, não nos intimidamos com ameaças. A união faz diferença.”
A voluntária Flávia Leão, de 41 anos, reforça que alimentar animais de rua não é crime e não aumenta a população. “A única forma de controle é a castração. Alimentar evita que eles rasguem lixo e incomodem a vizinhança. Existe lei municipal que ampara cuidadores de animais comunitários.”
Veterinários da Subea (Subsecretaria do Bem-Estar Animal) e do CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) estiveram no local para avaliar os bichos. As castrações devem ocorrer aos poucos, conforme liberação de vagas. “Vai ser um por um, mas vai acontecer”, diz Flávia.
Enquanto isso, Guiomar segue fazendo contas impossíveis. Para os gatos, 25 quilos de ração não duram nem oito dias. Para os cachorros, ela improvisa, misturando caldo de frango ou fígado para fazer a comida render. A aposentadoria é curta, e a ajuda, essencial.
Ao falar das doações, a voz embarga. “Eu agradeço de coração. Até choro. Vocês estão fazendo um trabalho maravilhoso. Eu trato dos meus e dos outros abandonados porque não consigo virar as costas. O que eu puder fazer, eu faço.”
O caso – A situação ganhou repercussão após o tatuador publicar, na quinta-feira (25), uma série de vídeos no Instagram em que afirmava ter colocado um cachorro em casa com o objetivo de matar gatos que entravam em seu quintal. Em uma das gravações, ele mostra um saco de lixo e afirma que dentro havia um gato morto. Em seguida, aparece negando a prática de maus-tratos e alegando que estaria apenas “defendendo o quintal”.
Em outros vídeos, o tatuador disse não se sentir culpado e afirmou já ter feito denúncias ao CCZ e à Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista) sobre a presença constante de gatos soltos na região, alegando ausência de providências. Após a repercussão negativa, ele voltou a gravar novos vídeos com ataques verbais contra uma mulher que o criticou nas redes sociais.
Nas publicações, fez ofensas pessoais, mencionou a possibilidade de entrar com ação por danos morais e afirmou não se preocupar com eventual perda de clientes. A mulher respondeu com vídeos próprios, nos quais rebate as ofensas e critica a conduta do tatuador. Ela afirmou que os animais não têm como se defender e questionou o fato de ele ter permitido que o cachorro atacasse um gato, além de contestar os argumentos jurídicos apresentados por ele.




