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Empregos

No mercado de trabalho, deficiente conquista independência e vida nova

Último censo do IBGE revela que existem 525,9 mil deficientes no Estado e mais da metade trabalha com carteira assinada.

Aliny Mary Dias | 13/09/2014 08:26
Silvano conquistou o primeiro emprego aos 26 anos e hoje se orgulho de ter sido promovido(Foto: Marcos Ermínio)
Silvano conquistou o primeiro emprego aos 26 anos e hoje se orgulho de ter sido promovido(Foto: Marcos Ermínio)

O primeiro salário e o registro na carteira de trabalho vieram aos 26 anos, uma idade que pode ser considerada tardia por muitos, mas para quem tentou se aposentar aos 25 e enxerga apenas 10% de um dos olhos, o emprego é a prova da perseverança e do quanto uma oportunidade é capaz de transformar totalmente uma vida. Aos 30 anos, Silvano dos Anjos faz parte de um grupo que só vem crescendo no país e em Mato Grosso do Sul: os trabalhadores deficientes.

A história de Silvano, que possui uma má formação nas córneas e, por isso, desde os quatro meses perdeu 90% da visão do olho direito e praticamente não enxerga do esquerdo, é parecida com as de muitos deficientes. O primeiro contato com o preconceito veio muito cedo, quando ele tinha 10 anos e estava no 3º ano do ensino fundamental.

“Eu passei duas vezes por isso na escola e nunca vou esquecer. Um dia a professora estava escrevendo no quadro e eu pedi para ela aumentar a letra para eu conseguir copiar, ela virou para mim e disse que eu era cego e perguntou por que eu queria estudar”, relembra.

Outros episódios de discriminação acompanharam Silvano até seus 25 anos, quando ele desistiu das várias buscas por um emprego e decidiu se aposentar, mesmo com o ensino médio concluído. Depois de ter o benefício negado por duas vezes e já matriculado no Ismac (Instituto Sul Matogrossense para Cegos Florivaldo Vargas), ele decidiu tentar pela última vez, e foi aí que a insistência foi recompensada.

Com deficiência visual quase que completa, o auxiliar de perecível sonha com futuro independente para a filha (Foto: Marcos Ermínio)
Com deficiência visual quase que completa, o auxiliar de perecível sonha com futuro independente para a filha (Foto: Marcos Ermínio)

Os detalhes daquele dia Silvano nunca esquece, era julho de 2010. Com conhecimentos em informática, graças a aulas no Ismac, ele fez o próprio currículo e foi até à Praça Ary Coelho, no Centro de Campo Grande, parecia prever que algo poderia acontecer naquela tarde ensolarada.

“Tinha um pessoal do Comper fazendo cartão e passaram por mim perguntando se eu não queria fazer. Eu disse para a moça que não porque o que eu queria mesmo era um emprego. Ela me deu o endereço de onde eu deveria levar o currículo e naquela mesma hora eu fui”, depois de 15 dias o telefone de Silvano tocou e ele tinha conquistado o primeiro emprego.

A trajetória na rede de supermercados que possui 14 lojas em Campo Grande e 50 funcionários com algum tipo de deficiência começou na frente dos caixas, como auxiliar. Mas Silvano não se contentou com a função e foi em busca de uma promoção. Em dezembro do ano passado, ele conquistou a mudança de cargo e hoje é auxiliar de perecível. A carga horária passou de 6 para 8 horas e o salário aumentou.

“Eu sempre dizia para o pessoal da empresa que queria crescer. Sempre fui muito grato pela oportunidade, mas nunca deixei de sonhar e batalhar por algo melhor”, conta.

A oportunidade dada pela empresa não só foi responsável por garantir a independência financeira de Silvano, mas também por mudar totalmente a vida dele. Há três anos, ele se casou com uma antiga colega de trabalho, que tem deficiência mental leve, e hoje é pai de uma menina de 2 anos, que também nasceu com deficiência intelectual. Para o recém-promovido do setor de perecíveis, a batalha continua e agora o motivo é mais que especial.

“Eu quero continuar trabalhando para dar um futuro digno para minha filha. Quero que ela olhe para mim e para minha esposa como exemplos de vida. Espero que ela não sofra tanto preconceito como eu e que quando chegar na idade certa procure um trabalho e também conquiste a sua independência”.

Há quatro anos na empresa, Silvano faz parte dos 10 funcionários deficientes que conseguiram promoção nos últimos anos (Foto: Marcos Ermínio)
Há quatro anos na empresa, Silvano faz parte dos 10 funcionários deficientes que conseguiram promoção nos últimos anos (Foto: Marcos Ermínio)

A independência tantas vezes citada por Silvano é uma realidade para aqueles que conquistam um emprego, apesar de todas as limitações. A gerente de Recursos Humanos da rede Comper, Marcia Santos, conta que nos últimos anos, 10 portadores de deficiência conquistaram promoção de cargo na empresa.

“São profissionais muito comprometidos, eles não se atrasam e se preocupam muito em fazer o trabalho como são ensinamos. Nós temos casos de funcionários com mais de 10 anos de empresa e que querem se aposentar aqui”, diz.

E a atuação dos profissionais é mesmo alvo de elogios. O gerente do Comper situado na Rua Brilhante, Rodrigo Cervantes, conta que a experiência tem saldo positivo. “Eles nos surpreendem com o trabalho, apesar das limitações, sempre nos chamam mostrando que fizeram certo”.

Lei e números – A inclusão de deficientes no mercado de trabalho foi assunto de uma lei federal de 1991. Com a legislação, as empresas com 100 empregados ou mais são obrigadas a preencher de 2% a 5% do quadro de colaboradores com pessoas portadoras de deficiência, as contratações fazem com que as empresas conquistem incentivos fiscais, o que alivia a carga tributária.

Conhecida como lei de cotas de deficientes, a norma fez com que a procura das empresas por esse tipo de profissional desse um salto. Apesar das vantagens sentidas no bolso, muitos empresários começaram a ver a diferença que a oportunidade impactava na vida dos deficientes.

Gerente de uma das lojas da rede Comper afirma que experiência com deficientes é positiva (Foto: Marcos Ermínio)
Gerente de uma das lojas da rede Comper afirma que experiência com deficientes é positiva (Foto: Marcos Ermínio)

De acordo com o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do ano de 2010, em todo o Mato Grosso do Sul existem 525,9 mil pessoas com algum tipo de deficiência, desse total, 257 mil trabalham com carteira assinada. O que representa mais da metade dos deficientes e 21,7% dos 1,1 milhão de trabalhadores do Estado. Os dados também revelam que só em Campo Grande, no ano do censo, havia 170,4 mil deficientes

Outro levantamento que chama a atenção para o aumento de deficientes no mercado de trabalho é o feito pelo MTE (Ministério do Trabalho e do Emprego). No ano de 2012, em todo o país, 20,4 milhões de trabalhadores tinham algum tipo de deficiência. O montante equivale a 0,7% a mais do que o total de deficientes no mercado de trabalho no ano anterior. O aumento vem se mantendo constante desde 2009, segundo dados do ministério.

Ações de instituições que oferecem qualificação profissional como o Senac também são responsáveis por aumentar a chance de um deficiente conquistar uma vaga. A analista de educação profissional do Senac, Marielle Moreira Benatti, explica que no ano passado 160 pessoas com algum tipo de deficiência se matricularam nos cursos da instituição. “Por força legal, essas pessoas têm direito a inserção no mercado de trabalho e temos propostas para levar ações inclusivas para as empresas”, diz.

Apesar das iniciativas de qualificação, muitos empresários ainda batalham para conseguir cumprir o percentual de contratação determinado pela lei de cotas. O presidente da Fecomércio-MS (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso do Sul), Edison Araújo, explica que além da ação social feita no momento da contratação, os empresários buscam funcionários qualificados.

“Pessoas com diferentes tipos de deficiência podem exercer praticamente qualquer atividade profissional, especialmente se receberem um bom treinamento. Nesta fase de transição, entretanto, encontrar mão-de-obra qualificada tem sido um desafio. Importa esclarecer que o objetivo das empresas não deve ser contratar por assistencialismo, mas sim, pela competência do portador de deficiência, para isso portanto, as empresas precisam de deficientes qualificados”, afirma.

Rosinéia tem deficiência auditiva severa e vida mudou depois do emprego (Foto: Marcos Ermínio)
Rosinéia tem deficiência auditiva severa e vida mudou depois do emprego (Foto: Marcos Ermínio)

Vida nova – Aos 34 anos, Rosinéia da Cruz Soares está vivendo a transição de uma vida sem perspectivas para uma repleta de novos planos. Com deficiência auditiva severa, há menos de dois meses ela foi contratada pele rede Big Beef e hoje trabalha como empacotadora na loja situada na Rua Joaquim Murtinho.

A deficiência de Rosinéia foi descoberta quando ela tinha cinco meses de vida. Do ouvido direito a perda foi total, já o esquerdo é responsável pelos 10% que ela escuta quando não está com os aparelhos auditivos. Depois de passar por uma cirurgia para tentar frear a perda auditiva, Rosinéia se viu sem sonhos.

“Eu tenho duas filhas e queria mudar de vida por elas. No começo pensei que não fosse dar conta, mas todo mundo aqui me ajuda e hoje estou muito feliz”, conta. A oportunidade surgiu depois de ela decidir correr atrás de um futuro melhor para ela e para a família.

A supervisora de gestão de pessoas da rede Big Beef, Lenice Pinheiro, conta que as contratações de pessoas com deficiência são feitas em parceira com instituições e a Funsat (Fundação Social do Trabalho). “É feita uma pré-seleção e também temos uma parceria com o Sesc e hoje vemos que essa contratação não é um bicho de sete cabeças como muitos pensavam antigamente, eles são tão capazes quanto os não deficientes”, diz.

Problema foi diagnosticado aos cinco meses de vida e hoje sonho é por vida melhor (Foto: Marcos Ermínio)
Problema foi diagnosticado aos cinco meses de vida e hoje sonho é por vida melhor (Foto: Marcos Ermínio)

E a parceria de instituições que se dedicam há anos a melhorar a vida de deficientes é uma das saídas para empresários que querem dar o primeiro passo e abrir a porta das empresas. A presidente da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Expecionais) de Campo Grande, Zuleide Borges, diz que a busca dos empregadores tem aumentado e o trabalho em conjunto dá frutos.

“Há alguns anos, a contratação de pessoas com deficiência tem avançado bastante, a lei de cotas tem incentivado os empresários. Nós vivemos um avanço, mas ainda há muito que mudar em relação ao preconceito de algumas pessoas”.

Outra instituição que batalha pela inclusão de deficientes no mercado de trabalho é a Sociedade Educacional Juliano Varela, que atende crianças e adultos com síndrome de Down. A psicóloga intermediadora do mercado de trabalho, Alessandra Maciel Gonçalves, afirma que a autonomia é uma das conquistas mais marcantes na vida dos deficientes

“A inclusão no mercado de trabalho é um resgate da autoestima, independência e autonomia do deficiente. Quando a adolescência chega, eles sentem a diferença porque as pessoas ditas comuns estudam e começam trabalhar. Também faz uma diferença em casa porque eles ajudam financeiramente e se tornam independentes”.

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