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Interior

Cacique se afastou da comunidade após fama com filme, denuncia Cimi

Bruno Chaves e Edivaldo Bitencourt | 03/12/2013 16:37
Ambrósio VIlhalva e Mateus Nachtergaele em cena do filme Terra Vermelha (Foto: Divulgação/UOL Cinema)
Ambrósio VIlhalva e Mateus Nachtergaele em cena do filme Terra Vermelha (Foto: Divulgação/UOL Cinema)

A fama proporcionada pelo filme Terra Vermelha, dirigido por Marco Bechis, mudou a vida do cacique Guarani-Kaiowá Ambrósio Vilhalva, 52 anos, morto a facadas ontem (2) em sua própria aldeia, a Guyraroká, que fica em Caarapó – a 283 quilômetros de Campo Grande.

Depois de viajar o mundo para divulgar o filme em festivais e eventos, o cacique, conhecido por lutar pelo direito à terra, acabou se dissociando do estilo de vida indígena, segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Além da “fama dos 15 minutos”, o uso compulsivo de bebida alcoólica agravou o conflito de Ambrósio, que vivia em uma relação poligâmica e era casado com três mulheres. Ele foi morto após uma suposta briga com o sogro, Ricardo Mendes Quevedo, 54, preso em flagrante pela Polícia Civil.

No mesmo dia da morte de Ambrósio e da detenção do acusado, ontem (2), o Cimi divulgou nota com três apontamentos para que a sociedade possa refletir e tentar compreender a morte de Ambrósio, assim como os últimos anos de vida dele.

De acordo com o conselho, o primeiro dos apontamentos é o fato de a identidade indígena na região ter sido perdida com relação às retomadas e expulsões de terras. Guyraroká é um território indígena retomado pelos Kaiowá, informa o Cimi.

Na década de 1990, pelo menos 30 famílias que viviam confinadas na reserva Tey’kue, em Caarapó, conseguiram ocupar 60 hectares de uma das fazendas. No entanto, foram expulsas e ficaram na beira da estrada por quatro anos até conseguirem voltar à área.

Os processos históricos de perdas de território e do confinamento em reservas, impostos aos Guaranis-Kaiowá, são o segundo apontamento do Cimi. Para o Conselho, estas experiências foram traumáticas e transformaram abruptamente os modos de vida dos indígenas, além de alterarem a qualidade e o sentido da vida deles.

Dessa forma, o uso compulsivo de bebidas alcoólicas e o ato do suicídio se proliferaram com força. Centenas de indígenas foram atingidas por essa ideia, acredita o Cimi. “Para suportar as tentativas de disciplinamento por parte do Estado e do capital, embriagar-se ou se matar forjaram-se como saídas. E Ambrósio bebia muito”, informa o texto.

O terceiro apontamento do Conselho é o fato de que Ambrósio vinha sendo alertado pela comunidade sobre os problemas que o uso compulsivo de bebidas alcoólicas traziam. De acordo com a comunidade, a liderança estava, cada vez mais, sendo hostil com os indígenas da aldeia.

Mas o comportamento agressivo de Ambrósio surgiu nos últimos tempos. Antes, ele era conhecido por ser um bom yvyra'ja (aprendiz e auxiliar) do pai, que era o ñanderu (rezador tradicional Kaiowá) da comunidade.

Atuação, fama e queda – O líder indígena foi um dos protagonistas do filme Terra Vermelha, de 2008. O longa, de co-produção italiana e brasileira sobre a tragédia Kaiowá, foi bastante elogiado pela crítica e teve cinco indicações, entre elas, para o Festival de Veneza. A produção também teve duas premiações.

Para divulgar o filme, Ambrósio viajou bastante em agendas extensas, informa o Cimi. “Depois da exposição e da circulação do Kaiowá em festivais, espaços políticos e outras esferas, em diversos países, ele teria ficado assim, avesso”, divulga a nota.

“Sob severas privações em seu tekoha [terra sagrada] diminuto, a circulação de Ambrósio pelas extensas arenas por onde Terra Vermelha o levou teria acentuado as dissociações causadas pela invasão das terras Guarani Kaiowá, alçando Vilhalva a uma imagem difusa de si próprio”.

Para o Cimi, outros indígenas que atuaram no filme também sofrem com problemas semelhantes. O texto informa que os produtores do filme, possivelmente, desconhecem o fato e muito menos anteviram os efeitos que a “velocidade estonteante com que Ambrósio foi solapado provisoriamente de seu universo social causariam”.

Crime – O líder indígena foi morto a facadas na madrugada desta segunda-feira (2) enquanto voltava para a comunidade em que morava. Ele teria chego sangrando em sua casa, onde vivia com as três esposas. A família tentou socorrê-lo e acionou a polícia, mas Ambrósio morreu dentro do barraco.

A vítima estaria bebendo em companhia de amigos, quando o crime aconteceu. A polícia e a perícia técnica apreenderam uma faca com vestígios de sangue e dois indígenas foram levados à delegacia para prestar depoimento.

De acordo com o delegado responsável pelas investigações, Benjamin Lax, não existe no crime conotação de disputa por terras ou algo parecido. “Foi uma briga entre família indígena envolvendo o uso de bebida alcoólica”, explicou.

Depois de ouvir duas das esposas de Ambrósio, o delegado decidiu pedir a prisão em flagrante de Ricardo Mendes Quevedo, pai de uma delas. As mulheres são mãe e filha. O caso foi comunicado para o Poder Judiciário.

Velório e enterro – Ambrósio foi enterrado por volta das 10h30 de hoje (3) em um cemitério dentro da aldeia. De acordo com o coordenador da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Dourados, Vander Aparecido Nishijima, que participou da cerimônia fúnebre, indígenas mais antigos cantaram e tocaram um instrumento conhecido como mbaraca.

“O kaiowá é um povo que tem um tradicionalismo muito forte. Acredito que eles tenham feito rezas, como uma espécie de velório, durante toda noite anterior ao enterro. O pai do cacique era um ñanderu, rezador profissional”, lembrou,

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