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Interior

Juiz anula processo de demarcação e devolve fazenda onze anos depois

Decisão da 1ª Vara Federal de Ponta Porã acatou recurso de proprietários rurais sobre ausência de requisitos para reconhecimento da área como terra indígena

Humberto Marques | 22/04/2019 19:44
Decisão da 1ª Vara Federal de Ponta Porã anulou ato demarcatório referente à parte da fazenda Potreiro-Corá. (Foto: MS Hoje)
Decisão da 1ª Vara Federal de Ponta Porã anulou ato demarcatório referente à parte da fazenda Potreiro-Corá. (Foto: MS Hoje)

Vinte anos depois de um processo administrativo decretar uma propriedade rural de Paranhos –a 469 km de Campo Grande– como integrante da reserva indígena Arroyo-Corá, decisão da 1ª Vara Federal de Ponta Porã anulou o processo demarcatório, atendendo a pedido dos donos dos títulos da fazenda Potreiro-Corá. Na decisão, publicada no Diário de Justiça Federal desta segunda-feira (22), o juiz responsável avaliou não estarem presentes requisitos necessários para o reconhecimento da reserva, remetendo na sentença a atos ocorridos em meados do século passado.

A sentença atendeu ao pedido de Marcos Bezerra de Araújo e Renata Gonçalves Araújo, que desde 2007 tentavam invalidar judicialmente o processo administrativo de demarcação, datado de 1998, para identificação de terras indígenas no sul do Estado. Entre os argumentos, estava a falta de citação e notificação dos proprietários e a inaplicabilidade de um decreto de 8 de janeiro de 1996, pois a região não seria de ocupação tradicional indígena.

Eles ainda argumentaram que os títulos originários foram assinados pelo governo do antigo Mato Grosso e ratificados pelo governo federal, e que as áreas não estavam em posse dos índios. Por outro lado, a Funai (Fundação Nacional do Índio) reiterou que o relatório de identificação e delimitação da terra indígena Arroyo-Corá era verdadeiro e legal –destacando, por exemplo, que a posse indígena tinha necessidade por uso e costumes–, e que as populações indígenas foram expulsas da região mediante o emprego de violência.

A fundação ainda alegou que o título de propriedade dos autores da ação era nulo, pois datava de antes da Constituição de 1934 –o MPF (Ministério Público Federal) e a comunidade Arroyo-Korá também se posicionaram contra o pedido dos titulares das terras que, por sua vez, ainda levantaram mandado de segurança acatado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 21 de dezembro de 2009 que suspendeu efeito de decreto presidencial sobre a demarcação da terra indígena.

Marco temporal – No despacho que deliberou sobre o caso, o juiz federal reiterou que o STF trabalha com o marco temporal da promulgação da Constituição de 1988, em 5 de outubro daquele ano, para decidir sobre a ocupação formal da área por populações indígenas –não se expandido àqueles que se referem a aldeamentos extintos ou ocupados em passado remoto.

A exceção, anotou, envolve o “renitente esbulho” (quando houve conflito possessório que persistia até o marco temporal para demarcação). Analisando o laudo técnico sobre a ocupação da área, o magistrado apontou que as mudanças ocorreram na década de 1940, com a chegada dos fazendeiros, até que em 1960 aumenta a pressão para que os indígenas deixassem a área.

“Os primeiros proprietários adquiriram as terras junto ao Governo do Estado de Mato Grosso através de compra e, paulatinamente, expulsaram os índios, prática comum naquela época”, citou trecho do laudo, segundo o qual a Arroyo-Corá seria território tradicionalmente guarani. A Funai já havia apontado que, desde 1927, havia emissão de títulos pelo Estado de Mato Grosso e, em 1995, teve início o movimento para retomada das terras pelas famílias indígenas.

Ordenamento – Na decisão tomada “aos olhos do ordenamento jurídico”, não seria a região terra indígena por não ser demonstrado que na promulgação da Constituição as populações nativas ocuparam a área. A emissão dos títulos de posse aos fazendeiros também corroborou essa leitura. No caso da Potreiro-Corá, considerou-se que os indígenas não exerciam sua posse em 5 de outubro de 1988. O magistrado ainda considerou que o marco temporal deveria ser visto com ressalvas, “devendo-se perquirir se a descontinuidade da posse decorre de atos de expropriação territorial praticados por não-índios”.

“Ocorre que, nem as rés nem o MPF lograram demonstrar a ocorrência de esbulho possessório ou expulsão dos indígenas por parte da autora ou demais proprietários que a tenham antecedido, não há relatos de violência o resistência, e o empenho de recuperação apenas se iniciou em 1995, após o marco temporal”, pontua a sentença, na qual se pontou “restar demonstrada a desocupação forçada dos indígenas no passado”, mas que não configuraria “renitente esbulho” que persistira até o marco demarcatório.

Da mesma forma, a Justiça desconsiderou laudos que fundamentaram portaria de 2006, não havendo notícia desde então da demarcação da área e de procedimento de indenização dos titulares das terras. Desconsiderando as terras em questão como indígenas, a Justiça reconheceu a nulidade do processo administrativo de 1998 que previa a demarcação referente à fazenda dos reclamantes.

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