Presença de onças expõe vulnerabilidade de quem vive à margem da cidade
Moradores da fronteira com a Bolívia serão atendidos com ações para afugentar os felinos

Lixo espalhado por toda parte, falta de saneamento, escuridão, animais peçonhentos e matagal. Quem mora ao lado da famosa Cacimba da Saúde, um minadouro de água gelada e transparente que seria medicinal, na encosta rochosa e borda do Canal do Tamengo, entre Corumbá e a Bolívia, convive precariamente com a ausência do poder público por décadas. E, agora, diante de um conflito de alto risco: a presença de onças-pintadas rondando o lugar.
RESUMO
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Moradores da encosta da Cacimba da Saúde, em Corumbá (MS), convivem com a presença de onças-pintadas, lixo, falta de saneamento e ausência de serviços públicos. A área, de propriedade da União, impede investimentos municipais, apesar da proximidade com o centro da cidade. A região, rica em recursos naturais e com potencial turístico, incluindo um sítio arqueológico, sofre com o abandono. A presença dos felinos expôs a precariedade da comunidade, levando a intervenções pontuais como coleta de lixo, iluminação e limpeza do matagal. Moradores relatam promessas não cumpridas de melhorias e regularização fundiária. Um projeto de reurbanização da orla, orçado em R$ 80 milhões, prevê a realocação das 20 famílias em novas moradias próximas ao rio, garantindo a subsistência ligada à pesca. A prefeitura prometeu iniciar as obras em 2026.
A pequena comunidade está à margem da cidade, embora situada a poucos metros do centro, e ocupa uma área da União, o que impede investimentos do município. No passado, a prefeitura tentou sem sucesso transferir os moradores de várias regiões de risco das encostas para a parte alta, oferecendo casas em um assentamento urbano no bairro Guató. Os beneficiados venderam ou abandonaram os imóveis e retornaram à beira do rio.
A Cacimba é uma área nobre. Além do visual do Rio Paraguai e Pantanal, é um sitio arqueológico, onde, em 2017, foi descoberto um fóssil de animal invertebrado que viveu há 540 milhões de anos, denominado Corumbella. O lugar poderia ser explorado turisticamente, mas está tomado pelo mato. Construído em 2003, um Ecoparque, espaço para lazer, convivência e contemplação, está abandonado, com previsão de ser reaberto pela prefeitura.
A circulação de onças pela redondeza expôs a situação precária do lugar, onde algumas ações de intervenção para tentar afugentar os felinos e garantir uma convivência pacífica com os humanos tem a ver com as demandas dos moradores: recolhimento do lixo (que não era feito com regularidade), iluminação pública e limpeza do matagal, que se estende entre a encosta e o Tamengo. Ambientes que se tornam atraentes aos felinos.
“A gente é lembrada só em época de eleição. Prometeram até lajotar toda a alameda, mas nenhuma melhoria chegou para nós”, reclama a ex-pescadora e aposentada Maria Auxiliadora, 60, moradora da Cacimba há mais de 40 anos. “Em todos esses anos só promessa, falaram até que iam regularizar a nossa moradia dando o documento de posse, mas foi só conversa para ganhar o nosso voto.”
Depois do insucesso na retirada das famílias que vivem nas encostas, entre os bairros da Cervejaria e Generoso, em 2010, a prefeitura vai reurbanizar a orla numa extensão de 1 km contemplando a Cacimba, um projeto de R$ 80 milhões lançado pelo prefeito Gabriel Alves de Oliveira. Dona Maria Auxiliadora e os demais moradores – 20 famílias, 80 pessoas - serão realocados em imóveis a serem construídos pelo município próximos ao meio onde vivem.
Mudar para onde? - “Vamos inserir essas pessoas que vivem em áreas de risco com moradia digna, fixando-as na região onde moram, para que não percam o vínculo com o rio, onde a maioria tira o seu sustento”, disse o prefeito, prevendo o início das obras (segunda etapa do projeto) em 2026.
Os vereadores pediram ao prefeito a realização de um mutirão na vila, onde já chega o agente comunitário com visitas mensais. Por enquanto, estas ações serão pontuais para atender os órgãos e instituições ambientais que monitoram a presença das onças-pintadas na região. Para os moradores, a presença da prefeitura alivia um pouco a tensão em que vivem por causa dos ataques dos felinos a seus animais domésticos (cães, gatos e aves).
“Como não tinha coleta de lixo, a gente botava fogo, o que não é correto, ne?”, diz a dona de casa Elaine Moraes, 26, que mora em frente à Cacimba. “Falam que a gente tem que se mudar, mas para onde? Não temos como pagar aluguel, o salário do meu marido (Tiago, funcionário de uma mineradora) é muito pouco. O que a gente precisa é de melhorias na vila, como iluminação na alameda, a retirada do lixo e a roçada desse mato aqui na frente.”