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Cidades

MP diz que lei de terras públicas na fronteira estimula grilagem e conflitos

Fausto Macedo, Julia Affonso e Luiz Vassallo (Estadão Conteúdo) | 17/05/2017 08:55
Avenida que dá acesso a Ponta Porã, cidade de Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai.
Avenida que dá acesso a Ponta Porã, cidade de Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - braço do Ministério Público Federal -, encaminhou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, informações sobre "graves violações" contidas na Lei 13.178/2015 - norma que ratificou naquele ano, de maneira automática, os registros de terras públicas e devolutas em regiões de fronteira no Brasil. Mato Grosso do Sul integra a faixa de fronteira com Paraguai e Bolívia.

Segundo a Procuradoria do Cidadão, "a legislação modificou expressivamente o tratamento legal até então dispensado à questão e acabou por desconsiderar as diretrizes da Constituição Federal que determinam, explicitamente, que a destinação de terras públicas deve ser compatibilizada com a política agrícola e o plano nacional de reforma agrária".

A constitucionalidade da lei já está sendo questionada em uma ação (ADI 5.623) no Supremo Tribunal Federal, que contará com parecer do procurador-geral. A fim de subsidiar a análise de Janot na questão, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão encaminhou a ele as informações sobre a Lei 13.178/2015.

Para a Procuradoria do Cidadão, "além de ser omissa quanto aos compromissos constitucionais com o plano nacional de reforma agrária e a política agrícola, a legislação pode impactar irreversivelmente a estrutura fundiária de parcela significativa do território nacional, visto que pode incentivar a grilagem e o aumento de conflitos agrários na região".

"Tendo em vista que as terras públicas da faixa de fronteira representam cerca de 27% do território nacional e que dados técnicos demonstram excessiva concentração fundiária nessa área, as ratificações de ofício previstas pela Lei 13.178/2015 produzirão como resultado a transferência de grande quantidade de terras públicas a particulares, agravando a atual estrutura fundiária, já dissociada das balizas constitucionais", aponta o documento elaborado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e os procuradores que integram o Grupo de Trabalho Reforma Agrária.

Política fundiária

A Constituição Federal é explícita quanto à necessidade da alteração da estrutura fundiária do País, marcada por acentuada concentração da terra, destaca a Procuradoria. "De acordo com o texto constitucional, a reforma agrária deve ser feita mediante a desapropriação de imóveis rurais que descumpram a função social da propriedade (artigo 184) ou pela destinação de terras públicas ou devolutas (artigo188)."

"O artigo 188 da Constituição estabelece que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. Esse dispositivo constitucional busca assegurar que a destinação dessas terras não se faça em prejuízo da população do campo que aguarda a implementação do direito à moradia, além de assegurar que haja democratização do acesso à terra, desconcentrando a estrutura fundiária brasileira. A diretriz também busca garantir que a produção agrícola se diversifique, como garantia de alimentação adequada a todos os brasileiros e brasileiras", esclarece a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

Para o órgão do Ministério Público Federal, a Lei 13.178/2015 "é omissa quanto ao cumprimento de quaisquer dessas metas, visto que seus poucos preceitos não expressam compromisso algum com o plano nacional de reforma agrária e a política agrícola".

"A positivação de uma lei que admite a transferência de bens públicos fronteiriços ao domínio privado sem considerar sua compatibilidade com a política agrícola e o plano nacional de reforma agrária - em descompasso, portanto, com legislação anterior (Lei 4.947/66) - materializa evidente retrocesso a direito fundamental", sustenta a Procuradoria.

Sobre a Lei 13.178/2015

A legislação promoveu, basicamente, a ratificação automática (de ofício) dos registros dos imóveis rurais fronteiriços de até quinze módulos fiscais, e, para aqueles com dimensão superior, condicionou a ratificação à apresentação pelo particular de "certidão de georreferenciamento do imóvel" e da atualização de inscrição no Sistema Nacional de Cadastro Rural.

"A lei descumpre os pressupostos constitucionais (artigo188) referentes à compatibilidade da destinação de terras públicas e devolutas à política agrícola e ao plano nacional de reforma agrária - desconsiderando, ainda, o que já determina a Lei Federal 4.947/66, que estabelece a necessidade de que a concessão de terras públicas esteja em acordo com o Estatuto da Terra", assinala a Procuradoria.

"Outro equívoco da Lei 13.178/2015 é que ela baseia a ratificação dos registros das terras rurais situadas na faixa de fronteira nos registros documentais dos cartórios, abstendo-se da verificação da situação fática do uso da terra. A lei admite a confiabilidade dos registros cartoriais das terras rurais, pressuposto dissociado das circunstâncias concretas do País."

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a transferência da propriedade pública a particulares, sem vistoria prévia que permita aferir a situação fática real do imóvel, poderá "multiplicar situações de conflito e injustiça".

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