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Cidades

MS não faz transplante de coração e famílias vivem drama

Redação | 04/01/2010 08:49

O dia 08 de dezembro de 2009 ficará na memória das famílias campo-grandenses Fernandes e Araújo. O jovem Cristiano dos Santos Fernandes, 24 anos, morreu pela falta de transplante de coração e Zaida Cristina de Araújo, 36 anos, teve morte cerebral, porém, os órgãos só foram doados dois dias depois a pessoas de outros estados. Embora histórias como estas pudessem se cruzar e acabar com o sofrimento de sul-mato-grossenses que esperam por um transplante de coração, o Estado não realiza o procedimento há pelo menos cinco anos.

Desde que Cristiano nasceu enfrentou problemas cardíacos. Os pais, Aristeo Fernandes e Ezanir dos Santos Fernandes, moravam em Jardim e constantemente eram obrigados a vir para Campo Grande.

Em busca de tratamento para Cristiano, a família teve de se mudar para a Capital. Em 2003, aos 17 anos, ele teve uma crise cardíaca que o deixou internado por quatro meses.

Cardiologistas diagnosticaram que Cristiano havia perdido 80% da força do coração e deram o prazo fatal: ele sobreviveria no máximo um ano. Durante todo o tempo em que os pais procuraram a salvação para o jovem, jamais tiveram conhecimento da susposta fila para o transplante.

"Nunca ouvimos dizer", lamenta o pai. Segundo Aristeo, uma pessoa conhecida da família, que trabalha em hospitais da Capital, chegou a procurar o nome de Cristiano junto à Central de Transplantes e não encontrou.

Aristeo conta que a recuperação de Cristiano, em 2003, causou surpresa aos médicos e renovou a esperança da família. Para ele, caso o filho tivesse conseguido o tão sonhado coração, poderia estar vivo.

Durante todo ano passado, o jovem precisou de acompanhamento médico por várias vezes. Em 09 de novembro, o quadro se agravou e ele foi internado na Santa Casa de Campo Grande.

Aristeo revela que o filho estava bastante inchado quando precisou da internação. Ele chegou a pedir aos médicos que colocassem Cristiano na fila para o transplante. "Eles (médicos) não disseram nem que sim nem que não. O problema era muito grave. Não sei se já não compensava mais", desabafa.

Quase um mês depois, o jovem morreu. A certidão de óbito aponta como causa para a morte: insuficiência respiratória, choque cardiogênico, miocardiopatia dilatada e pneumonia.

Perda - "Ficou muito difícil", resume Aristeo quando o assunto é a vida sem o filho. O casal tem uma filha de 26 anos, mas era o Cristiano que levava a mãe ao médico para o tratamento da hipertensão.

Euzanir não quis comentar o assunto. Aristeo revela que ela não consegue mais entrar no quarto que era do filho.

Para o pai, falta empenho e orientação em relação aos transplantes. Se tivessem nos falado, teríamos ido atrás, assim como corremos com tantas outras coisas", finaliza.

Outro lado - Enquanto famílias sofrem pela falta de transplantes, a dor não é menor para os que decidem doar órgãos de seus familiares. A auxiliar de produção Sandra Salvaterra Araújo, 33 anos, lembra que a espera para doar os órgãos da irmã aumentou a dor da família. "Atrasou tudo, velório, enterro. A dor de perder mais a da espera foram ruins, muito sofrimento", lembra.

A irmã de Sandra, Zaida Cristina de Araújo, 36 anos, teve morte cerebral no dia 8 de dezembro deste ano, após sofrer traumatismo craniano em acidente ocorrido no dia anterior.

Segundo a família, até hoje as circunstâncias do acidente não foram esclarecidas, parentes sabem apenas que o namorado de Sandra, que conduzia a motocicleta em que ela estava, perdeu o controle do veículo. Ela caiu e bateu a cabeça no meio-fio.

Com o diagnóstico de morte cerebral, começou o drama. A irmã dela lembra que a decisão de doar seus órgãos foi difícil, porque quando estava viva Zaida havia dito que não queria ser doadora.

"A gente só doou os órgãos porque foi o jeito mais rápido de desligar os aparelhos. Ela não ia viver de novo, e prolongar aquilo só ia aumentar a dor dela e o sofrimento da família", diz Sandra.

Contudo, após a autorização para doar órgãos, procedimento que deveria ser rápido demorou mais de dois dias, segundo os familiares. "Só tinha médicos com especialidade para remoção dos rins e córneas em Mato Grosso do Sul, o restante teve que vir de Minas Gerais e de São Paulo", detalha.

Sandra conta que os médicos avisaram que o procedimento iria demorar, mas a família não imaginou que fosse tanto. Ela diz que se houvesse outra maneira de autorizarem o desligamento dos aparelhos, teria desistido da doação.

"Demorou muito, e quando o corpo chegou nem pudemos ficar direito com ela porque tinha outro velório marcado", reclama o filho de Zaida, Pedro Henrique Araújo, de 14 anos, ao lembrar que a demora na liberação do corpo encurtou o tempo da despedida dos familiares.

Da experiência resultou à família uma péssima impressão sobre o gesto de doação de órgãos. "Se acontecesse de novo eu pensaria duas vezes, não pela doação, que acho um gesto bonito, mas pela demora", afirma Sandra.

A irmã da doadora diz ainda que preferia que os órgãos dela tivessem ficado com sul-mato-grossenses, local onde ela nasceu, mas foram quase todos levados para outros estados.

"Tem muita gente que está na fila de espera em MS precisando de tudo aquilo que ela doou", completa.

Central de Transplantes - A Secretaria de Estado de Saúde informa apenas que 16 pessoas aguardam transplante de coração.

No entanto, a coordenadora da Central, Claire Miozzo, não concedeu entrevista para explicar porque o procedimento não é feito há cinco anos.

Ela foi procurada durante duas semanas para esclarecer os motivos e dizer se existe alguma perspectiva para a retomada das cirurgias.

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