Preços extorsivos e propinas facilitam vida de presos na Máxima da Capital
Fonte de dentro do presídio denuncia pagamento de R$ 100 a R$ 5 mil e cobrança de R$ 25 pelo quilo da carne
Crimes ordenados por detentos de dentro do Presídio. Essa foi uma das frases mais ouvidas este ano quando bandidos falavam sobre a “encomenda”, realizada por telefone celular. Por outro lado, a pergunta é como os aparelhos entram e permanecem na cadeia. Muito pior do que aparenta, este é apenas a “ponta do iceberg”, de um “esquema” que conta com o envolvimento de policiais e até autoridades, que recebem propina para deixar “passar despercebido” este e outros crimes.
No Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, a Máxima, quem manda em cada pavilhão são detentos, em sua maioria traficantes. Já na chegada, os novos presos vão para o que eles chamam de correcional, comandada pelo detento de 34 anos. “Lá o preso é extorquido, apanha e é avisado que somente o chefe vende a droga”, revela uma fonte.
Em seguida, levado para a sua cela, o detento constata que, na verdade, alguns agentes penitenciários são corruptos e recebem propina para fazer transferências. Eles recebem para facilitar alguns serviços, como “tirar” o preso do castigo, se flagrado com um telefone celular, por exemplo". Tudo mediante propina, com valores que variam de R$ 100 a R$ 5 mil. O lucro, conforme garante a fonte, é dividido entre a diretoria, chefe de seguranças e agentes, transformando o presídio em uma verdadeira “máquina de dinheiro”.
Com a comida intragável, conforme os próprios presos reclamam aos agentes, os traficantes decidiram "criar" uma cantina. Eles vendem alimentos com preços absurdos, como o quilo da carne a R$ 25 e o arroz a R$ 4,50. Caso queira, o preso pega o produto e é anotado em um caderno. No pavilhão I, tem um líder. Já no Pavilhão II, o "comandante" é um traficante de 32 anos.
“Toda vez que alguém vem fazer uma vistoria, como a promotora Jiskia Sandri Trentim, eles escondem tudo, tanto a comida que é vendida, como a real que é oferecida aos detentos. Fazem uma nova refeição, totalmente diferente da que é servida diariamente”, diz a fonte ao Campo Grande News.
Outra coisa que virou “negócio” são os remédios do SUS (Sistema Único de Saúde). Assim que chegam, são encaminhados para o detento de 49 anos. “Além disso, para eles chegam entorpecente, celulares, vodka e uísque. E eles impõem preços, como uma mudança do pavilhão 2 para o 1, que custa de R$ 100 a R$ 500, uma autorização de TV a R$ 150, de som a R$ 100 e transferências que variam de R$ 1 mil a R$ 3 mil”, comenta a fonte.
Segundo a mesma pessoa, todo o comércio totaliza, muitas vezes, em mais dinheiro adquirido lá dentro do que nas ruas. E os "chefes" não são punidos, pois repassam parte dos valores para os servidores corruptos. “Os generais do tráfico ficam em seus solários. Eles são presos que vão para as ruas e tempos depois voltam para a mesma cela, com os mesmos benefícios”, argumenta a fonte.
“No dia 26 de setembro, um detento de 28 anos, preso sob a acusação de tráfico de drogas e associação para o tráfico foi flagrado com um telefone celular. Ele foi advertido, pediu dinheiro para a família e pagou a proprina de R$ 3 mil, ficando apenas um dia na cela disciplinar", relata.
Conforme a lei, caso o detento seja descoberto com o ilícito, a pena é de 10 dias na cela disciplinar, sem direito ao banho de sol, por exemplo, além de um ano de regressão na pena estabelecida pela Justiça. “É uma máquina de dinheiro aquele local. É só o preso pagar que depois todo mundo age como se nada tivesse acontecido”, comenta o denunciante.
Remição de pena - A corrupção envolve ainda o cadastro nos trabalhos sociais do presídio. “Os presos não trabalham, mais se cadastram no artesanato. Eles diminuem o tempo da pena ficando no ócio”, garante o denunciante. No caso de traficantes, que representam boa parte da massa carcerária, o denunciante diz que as vantagens são maiores ainda, principalmente, porque eles são considerados as pessoas com “mais dinheiro”.
A reportagem entrou em contato com a mãe de um ex-presidiário, que ficou recluso na Máxima por quase dois anos pelo crime de roubo e em seguida foi para a Colônia Penal Agrícola. Ela não quis se identificar, com medo de represália. Durante as visitas semanais que fazia ao filho, confirmou a obrigação de levar maços de cigarro para pagar as compras que o jovem fazia na "cantina". Como o detento não era usuário de drogas, tinha a obrigação de entregar os pacotes para o "chefe".
"Foi um período muito complicado, pois via de tudo lá dentro. As visitas eram feitas no pátio, mas conseguíamos ver a cela. Algumas estavam com estoque de droga, bebida e outras coisas. Era algo comum e a gente fingia que não via nada", argumenta a mãe.
Sobre as denúncias, o Campo Grande News conversou com uma autoridade policial que confirmou os fatos. Assim que encaminhado para o presídio, por volta das 17h, um preso foi flagrado falando ao telefone celular 40 minutos depois. E, quando checado, o detento estava dentro de uma cela.
"O tempo de espera era para decidirem onde ele ficaria. O destino foi inclusive a mesma cela onde estavam os mandantes do crime que ele havia cometido. E já na entrada, sem preocupação alguma, o preso reincidente falava ao celular", garante.
Da mesma maneira, um e-mail foi encaminhado para a promotora Giskia Sandri Trentim, da 50° Promotoria de Justiça, relatando os fatos. Em nota, ela disse que a promotoria tem acompanhado o destino dos remédios e que estes realmente chegam aos presos, a medida das suas necessidades. Em paralelo, de acordo com Giskia, ainda ocorre uma investigação acerca dos produtos comercializados na unidade penal, repassando uma lista de quais são e não são permitidos.
Sobre a venda ilegal, a promotora disse que tem conhecimento de cantinas existentes em unidades penais, inclusive por força do que determina a Lei de Execução Penal em seu artigo 13°. "É um local que atende aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela administração", diz Trentim, ressaltando ainda que desconhece as anotações e os preços altos impostos pela direção do presídio.