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Cidades

Preços extorsivos e propinas facilitam vida de presos na Máxima da Capital

Fonte de dentro do presídio denuncia pagamento de R$ 100 a R$ 5 mil e cobrança de R$ 25 pelo quilo da carne

Graziela Rezende | 15/10/2013 15:39
Detentos fizeram vídeo para comemorar churrasco.
Detentos fizeram vídeo para comemorar churrasco.

Crimes ordenados por detentos de dentro do Presídio. Essa foi uma das frases mais ouvidas este ano quando bandidos falavam sobre a “encomenda”, realizada por telefone celular. Por outro lado, a pergunta é como os aparelhos entram e permanecem na cadeia. Muito pior do que aparenta, este é apenas a “ponta do iceberg”, de um “esquema” que conta com o envolvimento de policiais e até autoridades, que recebem propina para deixar “passar despercebido” este e outros crimes.

No Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, a Máxima, quem manda em cada pavilhão são detentos, em sua maioria traficantes. Já na chegada, os novos presos vão para o que eles chamam de correcional, comandada pelo detento de 34 anos. “Lá o preso é extorquido, apanha e é avisado que somente o chefe vende a droga”, revela uma fonte.

Em seguida, levado para a sua cela, o detento constata que, na verdade, alguns agentes penitenciários são corruptos e recebem propina para fazer transferências. Eles recebem para facilitar alguns serviços, como “tirar” o preso do castigo, se flagrado com um telefone celular, por exemplo". Tudo mediante propina, com valores que variam de R$ 100 a R$ 5 mil. O lucro, conforme garante a fonte, é dividido entre a diretoria, chefe de seguranças e agentes, transformando o presídio em uma verdadeira “máquina de dinheiro”.

Com a comida intragável, conforme os próprios presos reclamam aos agentes, os traficantes decidiram "criar" uma cantina. Eles vendem alimentos com preços absurdos, como o quilo da carne a R$ 25 e o arroz a R$ 4,50. Caso queira, o preso pega o produto e é anotado em um caderno. No pavilhão I, tem um líder. Já no Pavilhão II, o "comandante" é um traficante de 32 anos.

“Toda vez que alguém vem fazer uma vistoria, como a promotora Jiskia Sandri Trentim, eles escondem tudo, tanto a comida que é vendida, como a real que é oferecida aos detentos. Fazem uma nova refeição, totalmente diferente da que é servida diariamente”, diz a fonte ao Campo Grande News.

Outra coisa que virou “negócio” são os remédios do SUS (Sistema Único de Saúde). Assim que chegam, são encaminhados para o detento de 49 anos. “Além disso, para eles chegam entorpecente, celulares, vodka e uísque. E eles impõem preços, como uma mudança do pavilhão 2 para o 1, que custa de R$ 100 a R$ 500, uma autorização de TV a R$ 150, de som a R$ 100 e transferências que variam de R$ 1 mil a R$ 3 mil”, comenta a fonte.

Segundo a mesma pessoa, todo o comércio totaliza, muitas vezes, em mais dinheiro adquirido lá dentro do que nas ruas. E os "chefes" não são punidos, pois repassam parte dos valores para os servidores corruptos. “Os generais do tráfico ficam em seus solários. Eles são presos que vão para as ruas e tempos depois voltam para a mesma cela, com os mesmos benefícios”, argumenta a fonte.

“No dia 26 de setembro, um detento de 28 anos, preso sob a acusação de tráfico de drogas e associação para o tráfico foi flagrado com um telefone celular. Ele foi advertido, pediu dinheiro para a família e pagou a proprina de R$ 3 mil, ficando apenas um dia na cela disciplinar", relata.

Conforme a lei, caso o detento seja descoberto com o ilícito, a pena é de 10 dias na cela disciplinar, sem direito ao banho de sol, por exemplo, além de um ano de regressão na pena estabelecida pela Justiça. “É uma máquina de dinheiro aquele local. É só o preso pagar que depois todo mundo age como se nada tivesse acontecido”, comenta o denunciante.

Remição de pena - A corrupção envolve ainda o cadastro nos trabalhos sociais do presídio. “Os presos não trabalham, mais se cadastram no artesanato. Eles diminuem o tempo da pena ficando no ócio”, garante o denunciante. No caso de traficantes, que representam boa parte da massa carcerária, o denunciante diz que as vantagens são maiores ainda, principalmente, porque eles são considerados as pessoas com “mais dinheiro”.

A reportagem entrou em contato com a mãe de um ex-presidiário, que ficou recluso na Máxima por quase dois anos pelo crime de roubo e em seguida foi para a Colônia Penal Agrícola. Ela não quis se identificar, com medo de represália. Durante as visitas semanais que fazia ao filho, confirmou a obrigação de levar maços de cigarro para pagar as compras que o jovem fazia na "cantina". Como o detento não era usuário de drogas, tinha a obrigação de entregar os pacotes para o "chefe".

"Foi um período muito complicado, pois via de tudo lá dentro. As visitas eram feitas no pátio, mas conseguíamos ver a cela. Algumas estavam com estoque de droga, bebida e outras coisas. Era algo comum e a gente fingia que não via nada", argumenta a mãe.

Sobre as denúncias, o Campo Grande News conversou com uma autoridade policial que confirmou os fatos. Assim que encaminhado para o presídio, por volta das 17h, um preso foi flagrado falando ao telefone celular 40 minutos depois. E, quando checado, o detento estava dentro de uma cela.

"O tempo de espera era para decidirem onde ele ficaria. O destino foi inclusive a mesma cela onde estavam os mandantes do crime que ele havia cometido. E já na entrada, sem preocupação alguma, o preso reincidente falava ao celular", garante.

Da mesma maneira, um e-mail foi encaminhado para a promotora Giskia Sandri Trentim, da 50° Promotoria de Justiça, relatando os fatos. Em nota, ela disse que a promotoria tem acompanhado o destino dos remédios e que estes realmente chegam aos presos, a medida das suas necessidades. Em paralelo, de acordo com Giskia, ainda ocorre uma investigação acerca dos produtos comercializados na unidade penal, repassando uma lista de quais são e não são permitidos.

Sobre a venda ilegal, a promotora disse que tem conhecimento de cantinas existentes em unidades penais, inclusive por força do que determina a Lei de Execução Penal em seu artigo 13°. "É um local que atende aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela administração", diz Trentim, ressaltando ainda que desconhece as anotações e os preços altos impostos pela direção do presídio.

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