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Cidades

Turistas acompanham crise na Bolívia "pela janela"

Redação | 12/09/2008 09:24

Até Cochabamba o ônibus que saíra de Santa Cruz, com a recomendação de que os passageiros não deveriam descer em caso de bloqueios nas rodovias, parou várias vezes.

A falta de ventilação, os vidros seguiram fechados até o destino, tornava quase insuportável a espera nas inúmeras paradas antes que se começasse a subida que leva a La Paz. Mas nenhuma delas em bloqueios, que haviam sido suspensos até o dia posterior.

No território da Santa Cruz fazia 25°, e só durante a madrugada, na estrada que passa por Cochabamba e vai a La Paz, a temperatura caiu, a dois graus abaixo de zero.

A súbita mudança de altitude, de 439 metros acima do mar em Santa Cruz a 2.560 metros, em uma depressão da Cordilheira oriental onde fica Cochabamba, até La Paz, a 3660 metros, altera completamente a paisagem.

Até a chegada a La Paz se desdobra a imensa paisagem do Chuqiyapu, os campos de ouro, nome Aymara da região. A intensa luminosidade causa a impressão de que a vegetação tem luz própria, de um amarelo esverdeado vivo, que a dois turistas britânicos lembrou a cor do enxofre.

Até o início da noite o cenário de habitações esparsas nos campos batidos de sol afasta cada vez mais o intenso ruído da agitação que toma conta da "Media-Luna", região que guarda as atuais maiores riquezas comerciais do país, e que se insurgiu contra o governo de Evo Morales, em um dos conflitos mais sangrentos da história recente boliviana.

Aos poucos mesmo as conversas de alguns turistas, que começam a preocupar-se em procurar o endereço de suas embaixadas com o agravamento da crise se estampando nos jornais, cedem lugar ao silêncio. E o silêncio, ao sono.

Os passageiros são despertados com a primeira visão de La Paz. Assim como em Santa Cruz, que tem mais de um milhão de habitantes, e em Cochabamba, que tem quase um milhão, grande parte de La Paz parece uma imensa periferia de metrópoles brasileiras.

Construções se amontoando sem nenhuma regra que não a de construir abrigo na cidade grande, muitas vezes com as próprias mãos.

A pousada na Calle (rua) Sagarnaga, onde se concentram muitos hotéis e o mercado de produtos típicos, ao lado do 'Mercado de Las Brujas' com seus fardos de fetos de lhama embalsamados, parece uma ilha de silêncio, rompido de quando em quando pelo som do charango de Augustin Portillo, que dedilha Vivaldi e Mozart, em sua recém montada loja de instrumentos e escola de música na galeria da pousada.

Os turistas não parecem se importar muito com a música, atarefados em arrumar suas bagagens, buscando as agências que promovem os vários passeios pelas maravilhas da região e acompanhando o noticiário da crise.

Rumores aumentam - A prefeita de Chuquisaca pede a renúncia de Evo Morales. Bloqueios se intensificavam em Pando. A ferrovia para o Brasil era tomada e também o Aeroporto de Puerto Suarez. A fronteira com a Argentina era fechada em Bermejo. Se espalhavam rumores de quedas de ministros e do possível decreto de estado de sítio.

Os jornais ainda publicavam pesquisa da ONU sobre os caminhos que a população boliviana preferia tentar para solucionar a crise. Em La Paz e El Alto, cidades em que o presidente foi ratificado com 83,27% dos votos no referendo de 10 agosto, 96% querem que se retome o processo de diálogo entre governo e os departamentos opositores.

Em Trinidad, capital de Beni, onde eclodiram os enfrentamentos entre setores vinculados aos Comitê Cívico e a Prefeitura, que querem a aplicação do Estatuto de Autonomia, e os militares que resguardavam os escritórios do Serviço Nacional de Impostos, apenas 52% estava de acordo que se recorresse ao diálogo.

O analista político Cayetano Llobet dizia em sua coluna no jornal La Prensa que o governo teria a seu lado apoio quantitativo incontestavelmente maior, e que isso se refletira no referendo de aprovação a Evo Morales, mas que não era suficiente para que o Estado se impusesse ao conjunto do país. Para isso seria preciso o emprego da força.

Lá fora, nas ruas de La Paz a vida seguia seu rumo apesar da gravidade das notícias. Turistas embarcavam para seus passeios. Os comerciantes se agitavam em suas lojas e barracas no labirinto em que a cidade se transforma a cada dia.

No início da noite, a caminho do hotel, após a coletiva com o ministro Alfredo Rada, que negava rumores de renúncia "não se renuncia à Revolução", o táxi se depara com uma festa que interrompe o tráfego.

Os foliões da Waca Waca, que levam chifres de touro amarrados a cintura e um se cobrem com tecidos bordados com fios de ouro e prata sobre cores vivas, atravessam as ruas comerciais com seu baile inspirado em danças indígenas que imitavam com humor as corridas de touro espanholas.

Os dançarinos avançam seguidos por tambores, tubas, pratos e trompetes. Ao lado, os motoristas continuam parados com os motores funcionando, mas sem nenhuma mostra de impaciência.

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