Com ação "formiguinha", trabalhador rala todo ano para ser campeão da reciclagem
Programa ambiental virou referência nacional e garante certificação pioneira de sustentabilidade

Marcos Roberto Barbosa de Souza, 51 anos, chega à empresa todos os dias pilotando uma moto Bis com um saco amarrado na garupa. Dentro dele estão garrafas, papelão, plásticos e até vidros, materiais que muitas vezes são descartados, mas que para ele representam propósito, renda extra e compromisso com o meio ambiente. A rotina de Marcos é também a de grande parte dos 210 funcionários do Grupo Real, em Mato Grosso do Sul.
RESUMO
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O Grupo Real, em Mato Grosso do Sul, conquistou o selo de primeira agroindústria do Estado certificada pelo Programa ESG-FIEMS através do Programa Ciclos, iniciativa que incentiva práticas ambientais sustentáveis. O programa, criado em 2007, já desviou mais de 1,4 milhão de quilos de resíduos do aterro sanitário. Entre os destaques está o trabalho do funcionário Marcos Roberto Barbosa de Souza, que coleta diariamente materiais recicláveis em sua motocicleta. A empresa premia mensalmente os colaboradores que mais arrecadam, além de investir em energia solar e reaproveitamento de água da chuva, demonstrando compromisso integral com a sustentabilidade.
O auxiliar de linha de produção mantém esse hábito desde 2015, quando entrou para a empresa Real H, em Campo Grande. Ele chama de “trabalho de formiguinha”, pois coleta, organiza, higieniza e entrega tudo pronto no Programa Ciclos, iniciativa criada para incentivar boas práticas ambientais dentro da indústria e que garantiu ao Grupo Real o selo de primeira agroindústria do Estado certificada pelo Programa ESG-FIEMS (Ambiental, Social e Governança - da Federação da Indústria de Mato Grosso do Sul).
A certificação foi conquistada após a empresa cumprir 69 indicadores de boas práticas ambientais, sociais e de governança estabelecidos pela iniciativa "Who Cares Wins", do Pacto Global da ONU, em parceria com o Banco Mundial e instituições financeiras. O Programa Ciclos tornou-se referência nacional ao integrar o grupo de 6 casos brasileiros escolhidos para ser apresentado na COP 30, conferência global sobre mudanças climáticas que foi realizada em novembro, em Belém (PA).

Concorrência - Pelas regras da empresa, mensalmente, os 12 colaboradores primeiros colocados em arrecadação de reciclados recebem prêmio em dinheiro. Os demais, que coletarem acima de 4 kg mensais, ganham itens da cesta básica, conforme a pontuação. Marcos tem orgulho em dizer que nunca ficou em 12º. “Se eu não sou o número um, estou entre os primeiros”, afirma.
Somente em novembro, transportando em sua motocicleta, coletou uma tonelada de recicláveis e garantiu o primeiro lugar. “É todo dia um ou dois sacos, uma ou duas viagens. Igual formiguinha. Quando vê, no fim do mês, virou um montão”, diz o auxiliar, que já trabalhou também como pedreiro e coletor de resíduo urbano na Capital. Ele afirma que hoje encontrou o lugar onde pretende se aposentar.
O trabalho de Marcos ultrapassa os muros da empresa. Ele recolhe materiais de vizinhos, amigos e comércios do bairro, sempre explicando como o programa funciona. “Eu separo o que é lixo e trago só o que dá para reaproveitar. Todo mundo me ajuda. Eles falam: ‘pode vir buscar e eu vou.” Até a filha de seis anos, Maria Cristiane, participa da rotina. “Ela me ajuda a recolher. O prêmio que eu ganho eu pago água, luz e às vezes uma coisinha para ela. Este mês ganhei R$ 200.”
Origem - O Programa Ciclos nasceu em 2007, pela iniciativa do diretor técnico-industrial e sócio-proprietário, Mário Renck Real, que identificou a necessidade de estruturar a destinação de resíduos, em uma época em que pouco se falava sobre ESG e três anos antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A iniciativa ganhou força, envolveu famílias de funcionários, parcerias com escolas e apoio da comunidade, até se transformar em um projeto oficial dentro da empresa, estruturado e em expansão contínua.
O Ciclos se tornou referência em sustentabilidade, reconhecimento que Mário não imaginava quando iniciou o processo. Para ele, o maior impacto está no efeito multiplicador: toneladas de resíduos desviados do aterro e iniciativas semelhantes surgindo em outros espaços. “Prefiro fazer alguma coisa do que não fazer nada”, resume o idealizador.
O programa cresceu a ponto de ganhar um Departamento de Sustentabilidade, responsável por todo o fluxo de recebimento, separação, venda dos recicláveis e contratação de empresas certificadas para a destinação do que não pode ser reaproveitado. O único reciclável que a própria empresa destina internamente é o vidro, por conta da falta de locais adequados para envio. O material arrecadado é triturado e transformado em cascalho, utilizado nas vias internas e na jardinagem dentro da empresa. Supervisor de Qualidade, Júlio Morais explica que o produto fica sem ponta e não oferece risco de cortar pneus.
Recursos - Além da gestão ambiental, o programa gera resultados diretos para os colaboradores. Os materiais recicláveis são vendidos e o valor arrecadado abastece o caixa do Ciclos, que financia ações como Outubro Rosa, Novembro Azul, Setembro Amarelo, festas internas, como o Dia das Crianças, e premiações para os funcionários. A ampliação foi tanta que a empresa mantém hoje uma central de coleta de recicláveis na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro Monte Líbano.
Estrutura - Morais explica que o Ciclos é coordenado por um comitê interno que reúne gestores e colaboradores, responsável por direcionar ações ambientais, sociais e de governança. A empresa destina também recursos para patrocínio de projetos culturais, educacionais e esportivos.
“Ele nasceu na reciclagem, mas hoje é um programa completo, com políticas internas, atendimento à legislação, logística reversa e documentação exigida pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e órgãos ambientais”, afirma.
Um dos destaques é o atendimento integral à Política Nacional de Resíduos Sólidos, com parceiros devolvendo embalagens dos produtos, o chamado ciclo total. “Mando embalagem para eles, e eles voltam com a embalagem. Hoje a empresa é totalmente aderente à logística reversa”, explica Júlio Morais.
Energia - Embora o programa seja conhecido principalmente pela coleta e reciclagem, entre 2021 e 2022, a empresa investiu mais de R$ 2 milhões em placas fotovoltaicas instaladas nas unidades de Campo Grande e Cuiabá (MT). De acordo com o supervisor, o sistema hoje opera com capacidade superior ao consumo, devolvendo à rede a energia excedente produzida.
O gerente industrial, João Paulo Anjos, explica que a autossuficiência não se limita a uma única planta. São três usinas fotovoltaicas em operação: uma no laboratório homeopático, outra na fábrica de nutrição e uma terceira na unidade de Cuiabá. A produção combinada já responde por 80% a 90% de toda a energia consumida pelo grupo.
A política de reuso de água também faz parte desse movimento mais amplo de responsabilidade ambiental, com capacidade de armazenamento superior a 500 mil litros de água de chuva, tratada e reutilizada para limpeza externa, jardinagem e sanitários, em um sistema totalmente independente da água potável proveniente de poço próprio.

Desde sua implantação, em 2007, o Ciclos já:
- enviou mais de 1,4 milhão de quilos de resíduos para reciclagem;
- evitou a emissão de 1.355 toneladas de CO₂;
- converteu toda a matriz energética para sistemas fotovoltaicos;
- implantou sistemas de captação e reaproveitamento de água da chuva.
Por causa de todo esse trabalho, a empresa também acumula outros dois reconhecimentos: o Great Place to Work, que atesta um ambiente interno positivo e acolhedor para os colaboradores, e o Selo Verde Chico Mendes, certificação socioambiental que comprova o compromisso da organização com práticas reais de sustentabilidade em suas operações.
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