Investidores pressionam por PPP e regras claras no edital da Malha Oeste
Especialistas contestam cronograma da licitação, defendem acesso por SP e pedem aporte público no projeto
Na tentativa de atrair capital privado e assegurar que o edital do leilão da Ferrovia Malha Oeste em Mato Grosso do Sul seja publicado em abril, a Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga) pede a garantia do direito de passagem do futuro operador – ao Porto de Santos – pela Malha Paulista, hoje sob concessão da Rumo Logística. Essa e outras propostas serão apresentadas à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), responsável pelo edital, na próxima quinta-feira.
RESUMO
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O Ministério dos Transportes planeja realizar o leilão da Ferrovia Malha Oeste em julho de 2024, com investimentos estimados em R$ 90 bilhões ao longo de 57 anos. A Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) pressiona por garantias de acesso ao Porto de Santos pela Malha Paulista, operada pela Rumo Logística. A concessão, que prevê a recuperação de cerca de 2 mil quilômetros de trilhos em Mato Grosso do Sul, deve seguir o modelo de concessão comum, sem adotar Parceria Público-Privada. A Rumo, antiga operadora, está impedida de participar do certame por decisão do Tribunal de Contas da União devido a quebras contratuais.
A Rumo, que até 2017, também operava a ferrovia Malha Oeste, que faz conexão com o ramal paulista até o Porto de Santos, foi impedida de participar do novo leilão da ferrovia sul-mato-grossense pelo TCU (Tribunal de Contas da União) devido a quebras contratuais. A Malha Paulista é o principal acesso ferroviário ao porto paulista para trens com origem ou destino em Mato Grosso do Sul.
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Como a Rumo não deve participar do leilão, o ideal é que o acesso do futuro operador à Malha Paulista seja assegurado já no edital. Sem essa prerrogativa, a operação se torna inviável, disse o presidente-executivo da Anut, Luis Baldez, ao Campo Grande News. Como não há uma afirmação clara, por escrito, de que a Rumo dará acesso à eventual concorrência ao Porto de Santos pela Ferrovia Paulista, o edital deve garantir explicitamente o direito dessa passagem no edital.
“Ninguém vai querer uma ferrovia sem acesso a porto. A regulação precisa deixar claro que a Rumo não poderá negar o direito de passagem. Haverá requisitos técnicos e operacionais, e, cumpridos esses critérios, a concessionária não pode dizer ‘não’. Sem isso, o operador fica inseguro e ninguém assume a concessão”, alerta o dirigente da Anut.
Em resposta ao Campo Grande News, o Ministério dos Transportes explicou, no entanto, que o contrato da Malha Paulista prevê garantias de direito de passagem a outros concessionários. Isso assegura o direito de passagem ao novo operador da Malha Oeste.
Sobre a decisão do TCU de proibir a Rumo Logística de participar do novo leilão, o ministério avisa que não pretende entrar com recurso e que cumprirá integralmente as decisões do TCU.
A Rumo Malha Oeste foi multada pela ANTT por devolver 1.973 km de trilhos sucateados. O TCU determinou que, após devolver a concessão, a empresa não poderia voltar a operá-la. Desde 2017, o Ministério dos Transportes tenta realizar uma nova licitação. Agora, o leilão está previsto para julho do próximo ano.
A Rumo reitera que não pretende participar do leilão. Em nota à reportagem, a companhia alegou que a Malha Oeste apresentou “desequilíbrio econômico-financeiro estrutural desde os primeiros anos da concessão, situação reconhecida pelo Judiciário”. A empresa afirmou que cumprirá integralmente as obrigações de manutenção até o fim da concessão, em julho de 2026.
Segundo o Ministério dos Transportes, a integração operacional da ferrovia ocorrerá principalmente nas conexões com a Malha Paulista, em Bauru e Mairinque, garantindo acesso ao Porto de Santos e a outros corredores. Também serão possíveis conexões com malhas que levam aos portos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, incluindo o Ferroanel de São Paulo.
Em nota, o órgão público afirma que o contrato terá revisões ordinárias a cada cinco anos para reavaliar parâmetros técnicos, custos e demanda, mantendo o equilíbrio do contrato ao longo do tempo.
O diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, também defende garantias de acesso às demais ferrovias.
“Como vou entrar nas outras malhas? Como funciona meu direito de passagem e o tráfego mútuo? Operar de Corumbá a Mairinque depende de outras concessionárias e do acesso ao Porto de Santos. Não basta investir na ferrovia e achar que tudo está garantido”, afirma.
Quintella considera essencial a recuperação dos quase 2 mil km da Malha Oeste, mas observa que a faixa de domínio está degradada, exigindo reconstrução em vários trechos. Ele duvida da divulgação do edital ainda em abril, citando o recesso de fim de ano e a ausência de documentação pública. Também demonstra ceticismo quanto ao leilão em julho.
“A falta de interesse da Rumo chama atenção. É um trecho importante e teoricamente parte da Rota Bioceânica, mas isso nunca avançou na prática”, diz.
Baldez também lamenta o abandono da malha ferroviária brasileira. “O Brasil já teve 30 mil km de ferrovia. Hoje, menos da metade está operacional, mais ou menos 12 mil km. Por isso, a licitação da Malha Oeste é fundamental”, afirma. Ele teme, porém, o prazo apertado para um edital dessa complexidade.
Debate sobre PPP
Para Baldez, o edital deveria adotar o modelo de PPP (Parceria Público-Privada) com definição prévia de investimento público para atrair investidores. Contudo, o Ministério dos Transportes afirma que o leilão ocorrerá como concessão comum, com participação do governo na recapacitação da infraestrutura.
“Não será adotado modelo de PPP, uma vez que a ferrovia é considerada auto sustentável após a implantação, sem necessidade de contraprestação pública para garantir a operação.”
O ministério diz que as garantias de execução contratual seguirão as modalidades da legislação vigente. Sem detalhar valores, estuda ainda incluir no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2026 uma ação específica que permita o uso do FDIRS (Fundo de Desenvolvimento da Infraestrutura Regional Sustentável) como mecanismo de garantia.
A Malha Oeste, segundo o Ministério dos Transportes, tem vocação para transportar celulose, minério, granéis vegetais, carga geral e combustíveis, com potencial para até 52 milhões de toneladas ao ano. Os estudos atuais não preveem novos terminais multimodais, embora a modelagem regulatória permita que agentes privados desenvolvam soluções logísticas adicionais conforme o interesse e a viabilidade.
Baldez defende o modelo de PPP e lembra que a primeira licitação fracassou por prever apenas investimentos privados.
“O governo queria trocar toda a malha por trilhos novos, o que custaria cerca de R$ 20 bilhões, mas não havia carga suficiente para justificar esse investimento”, afirma. Nesse caso, ele considera crucial que o edital detalhe os investimentos obrigatórios.
Investimento bilionário
Segundo Baldez, o capital inicial necessário é de pelo menos R$ 3 bilhões, a serem diluídos pela concessionária ao longo de oito anos. Será preciso substituir trilhos e trocar dormentes, muitos ainda de madeira.
Técnicos do Ministério dos Transportes estimam o investimento total da concessão em cerca de R$ 90 bilhões ao longo de 57 anos, incluindo recapacitação, modernização, operação e manutenção da via, conforme o EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental). O governo anunciou que os oito projetos ferroviários previstos somam R$ 146 bilhões.
Potenciais interessados
A Anut acredita que o leilão pode atrair investidores, especialmente se adotado o modelo de PPP. Entre os potenciais interessados estão empresas do setor siderúrgico, motivadas pela demanda de minério e insumos, incluindo exportações ao Mercosul — como Aço Cearense/Aços Longos, Usiminas, Aperam, Vallourec Mineração e Gerdau.
“O apetite depende da modelagem da concessão”, diz Baldez.
A entidade defende ainda que o edital assegure a participação de capital estrangeiro, inclusive empresas chinesas, que têm interesse no setor ferroviário brasileiro.
O especialista da FGV Transportes, Quintella, aponta cautela e afirma que o apetite dos investidores depende da comprovação de demanda e da segurança regulatória.
“Quando o projeto não está detalhado, o investidor precisa gastar com estudos de engenharia e demanda. Isso aumenta o risco”, afirma.
Ele lembra que o Ministério realizou roadshows e divulgou documentos indicando demanda reprimida, mas questiona por que essa demanda não foi aproveitada pela Rumo.
“Só haverá certeza quando aparecer um investidor dizendo: ‘Identifiquei demanda e vou tocar o projeto’.”
Quintella avalia que o governo deveria assumir parte do risco de demanda para tornar o projeto mais competitivo, já que investidores também enfrentam riscos políticos, econômicos e regulatórios.


