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Economia

Quinto dia útil: pequeno Natal de cada mês ou presente de grego?

Em época de pagamento, trabalhador dá a si mesmo pequenos mimos... mas, e depois?

Osvaldo Júnior | 07/02/2018 20:36
Consumidores passeiam em shopping na Capital (Foto: Paulo Francis)
Consumidores passeiam em shopping na Capital (Foto: Paulo Francis)

Um “pequeno Natal” se repete todo mês: o quinto dia útil. Dinheiro no bolso e maior poder de compra, mesmo que efêmero, provocam risos fáceis nas pessoas, que se sentem “ricas”... por até três dias. O prazer decorre da ideia de recompensa pelo esforço, do “merecido agrado” depois de um mês inteiro de trabalho, conforme observa a especialista em consumo, Marina Roale. Soma-se a isso, o imediatismo – “tudo para agora” – e a ostentação, características dos tempos atuais.

A especialista, da empresa de consultoria Consumoteca, comenta que, no mundo contemporâneo, o consumo é lazer e não simplesmente um meio de aquisição de produto ou serviço que atendam alguma necessidade. Nessa atividade lúdica da compra, o quinto dia útil é o mais esperado do mês. É o momento de dar prazer a si mesmo e de ostentar isso, usando como vitrine as redes sociais. “A sensação é: 'Estou rico!'”, afirma.

“É a lógica da recompensa”, define a especialista. “A pessoa pensa: 'Esforcei o mês inteiro, por isso mereço me dar esse pequeno mimo'”. Um dos problemas disso é a desatenção para quanto se gasta. “Não se faz a conta”, constata.

O prazer do consumo, compreendido como recompensa pelo mês de trabalho, está associado ao imediatismo. “De modo geral, as pessoas têm dificuldade de pensar a longo prazo”, nota a especialista. “O dinheiro do pagamento, que deveria ser para o mês todo, é gasto em três, cinco dias”, acrescenta.

E as imagens dos momentos de consumo podem ser partilhadas nas redes sociais. “Coloca-se no Instagram, no Facebook, alguma experiência de consumo. É resposta a uma obrigação social. As pessoas se sentem, de modo inconsciente, obrigadas a fazer isso. Como outro posta, ela também acha que deve postar”, comenta. E as postagens retroalimentam o hábito do consumo imediato.

Comércio na área central de Campo Grande (Foto: Saul Schramm)
Comércio na área central de Campo Grande (Foto: Saul Schramm)

Na outra ponta – Como contrapeso da instantaneidade das compras, há a racionalidade do planejamento dos gastos. As duas coisas são colocadas na balança, mas o prato que tem mais peso é o do “agora”, segundo a especialista. A necessidade de ser racional, de guardar dinheiro, restringe-se, no fim das contas, a algo apenas almejado, dificilmente concretizado.

O resultado dessa tensão é uma espécie de ressaca pós quinto dia útil. “No fim do mês, quando chega a conta do cartão, há um sentimento de culpa. As pessoas suportam esses dias na expectativa do pagamento”, considera. Vem, na sequência o salário, que vai recompensar o período ruim, do mau humor da segunda metade do mês. O trabalhador, com dinheiro no bolso, vai se sentir, então, no direito de nova recompensa, de presentear a si mesmo. “O ciclo recomeça”, conclui a especialista.

Quinto dia útil: pequeno Natal de cada mês ou presente de grego?

“A gente fica mais contente, compra mais. Às vezes, passeio com a família, comemos em um restaurante” (Denivaldo, 25 anos, refilador)

E é assim mesmo... – O comportamento de consumo analisado pela especialista é facilmente percebido nas ruas de Campo Grande em época de pagamento. “A gente fica mais contente, compra mais”, admite o refilador (profissional que faz limpeza das peças de carne) Denivaldo Santos de Almeida, 25 anos. “Às vezes, quando sai o pagamento, a gente come em um restaurante, faz um passeio com a família, vai a um clube”, listou o trabalhador algumas pequenas extravagâncias a que se dá direito depois de receber o salário.

Quinto dia útil: pequeno Natal de cada mês ou presente de grego?

“Toda a vida o dia de pagamento é um dia muito melhor que os outros! Pagava minhas contas, mas também comprava” (Taynara, 23 anos, desempregada)

A cozinheira Taynara Fettrin, 23, que saiu do emprego há dez dias, tem viva na memória a sensação do prazer que lhe proporcionava o quinto dia útil. “Não tem comparação. Toda a vida o dia de pagamento é um dia muito melhor que os outros!”, exclamou Taynara, com sorriso largo, que ajudou a dimensionar a alegria que sentia quando recebia o pagamento. "Eu costumo economizar, pagava minhas contas, mas também gastava", contou. 

Impacto nas vendas – O período de pagamento impulsiona alta próxima de 50% no movimento na loja Pitanga Morena, no Pátio Central Shopping, conforme estimativa, com certa carga de otimismo, de Karine Cintra, uma das funcionárias do estabelecimento.

De acordo com ela, , há um pequeno intervalo entre o quinto dia útil e o aquecimento das vendas. “Dois, três dias depois, o movimento cresce mais. Primeiro as pessoas pagam as contas, liberam o cartão. Aí vem comprar, usando o cartão de novo”, observa.

Quinto dia útil: pequeno Natal de cada mês ou presente de grego?

“O humor das pessoas no quinto dia útil muda sim. É que o consumo causa essa sensação de prazer” (Queila, 27 anos, empresária do setor de beleza)

Para Queila Erizotti Gomes, 27 anos, proprietária da loja Studio Q6, do segmento de beleza, o quinto útil representa mudança na forma de pagamento. “Nessa época, os clientes pagam mais com dinheiro”, conta. A empresária também percebe mudança no humor das pessoas. “É que o consumo causa essa sensação de prazer”, justifica.

Quinto dia útil: pequeno Natal de cada mês ou presente de grego?

“As pessoas acham mais chique comprar no cartão! Parece que o cartão dá sensação que elas não estão realmente gastando” (Kelly, 37 anos, empresária)

A loja Labarella, do segmento de bolsas, também concentra número maior de consumidores nos dias imediatos ao pagamento. “Do dia 5 até o dia 15, o movimento é maior. Aí começa a cair nas últimas semanas do mês”, conta a proprietária, Kelly Santos Álvares, 37 anos.

Mas mesmo com dinheiro no bolso, o cartão de crédito, continua no topo da  preferência dos consumidores. “É incrível. Até quando recebem o salário, quando estão com dinheiro, as pessoas preferem comprar com cartão. Acham mais chique!”, nota a empresária. “Parece que o cartão dá sensação que elas não estão realmente gastando”, completa.

Presente de grego – A impressão de que o gasto não é, de fato, gasto, certamente ameniza o incômodo peso na consciência de que as dívidas deste mês continuam tão reais quanto eram no mês anterior. Assim, é possível dar a si mesmo o mimo pelo esforço do trabalho sem perceber nesse agrado um "cavalo de Tróia". 

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