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Artes

"Batalhas musicais" no sertanejo não se comparam as dos sambas das antigas

Elverson Cardozo | 21/03/2013 08:00
 Jéssica Queiroz no vídeo " Se você me pegar". (Foto: Reprodução/Internet)
Jéssica Queiroz no vídeo " Se você me pegar". (Foto: Reprodução/Internet)

Em tom provocativo, sugestivo, quase “ameaçador”, o sertanejo Michel Teló cantou, despudoradamente: “Ai, seu te pego, ai ai se eu te pego”. Gisely Dell, uma professora de música de Curitiba, resolveu responder à “provocação” - que atribui às mulheres - e, como ele, cantando, deu o troco: “É ruim que cê me pega, é ruim que cê me pega”.

O vídeo, postado no Youtube há pouco mais de 1 ano, rendeu à jovem, cantora de baile, visibilidade instantânea. Mas Gisely não foi a primeira a ter a idéia de resposta musicada que parece agradar uma parcela – senão boa parte - do público.

A “fórmula” é antiga e já foi utilizada por cantores famosos, da época em que a Música Popular Brasileira parecia ser mais valorizada. Hoje, o "método", antes usado geralmente para criticar, é considerado uma estratégia de marketing.

A paranaense Jéssica Queiroz, cantora sertaneja que mora em Campo Grande, também resolveu entrar na brincadeira e foi para a Afonso Pena, principal avenida da cidade, gravar uma resposta ao Sul-Mato-Grossense Michel Teló.

Em “Se Você me pegar”, como o vídeo foi intitulado, Jéssica “cede” à provocação e se mostra curiosa. “Se você me pegar, vai fazer o que? Estou doidinha para saber. Vem me mostrar o que é que faz. Quero ver do que é capaz”, diz trecho da música composta por ela, Adriano de Oliveira e Ademir.

“Desculpas”, de Luan Santana, é outra canção que virou hit, não só pelo sucesso que o cantor campo-grandense tem feito em todo o Brasil, mas pelas respostas que surgiram na internet.

A letra é o desabafo de um cara que está indignado com tanta mentira. Uma hora a parceira diz que o carro quebrou ou o pneu furou. Em outra, o celular pifou. O e-mail não chegou, o trânsito parou e o dinheiro, claro, “não deu”.

“Tô bravo, você sabe. Eu quero a verdade. Dá um tempo. Chega de brincar comigo. Nem pensa em inventar. (...) Desculpas, papo furado, você não faz questão de ficar ao meu lado. Não dá a mínima para o meu coração”, diz a letra.

Silvana Moreira resolveu se "explicar" com Luan Santana. (Foto: Reprodução/Internet)
Silvana Moreira resolveu se "explicar" com Luan Santana. (Foto: Reprodução/Internet)

Silvana Moreira, outra cantora que usa a força da internet para divulgar o próprio trabalho, não se contentou em ser “julgada” e resolveu justificar tantas “desculpas”.

No clipe, que já alcançou a marca de 113 mil visualizações no Youtube, a explicação parece ser convincente: “Tão bravo você fala, mas eu falei a verdade. Eu nunca iria brincar contigo. Não parei para inventar, pode acreditar. Isso tudo aconteceu comigo. (...) Desculpa, não é papo furado. Você sabe que quero ficar ao seu lado...”

E não são apenas mulheres que entraram nessa onda. A dupla Gilson e Júnior é uma das que está apostando na tendência. Fazendo referência ao Camaro Amarelo de Munhoz e Mariano, à Dodge Ram, de Israel Novaes, e a Fiorino, de Gabriel Gavan, os sertanejos resolveram falar da CG Titan.

Duplpa Gilson e Júnior no clipe da GC Titan. (Reprodução/Internet)
Duplpa Gilson e Júnior no clipe da GC Titan. (Reprodução/Internet)

“Não tenho Camaro e nem Dodge Ram, mas as mina pira na minha Titan. (...) Pode vir com seu Camaro, Fiorino ou Dodge Ram, Land Rover, Fuscão Preto, de V8, Lamborghini, que eu vou com a CG Titan...”

A “moda” se popularizou faz tempo. O sertanejo ainda é o estilo preferido, mas há variações. A paraense Naiara Azevedo, que produziu seu primeiro CD em 2011, gosta mesmo é de arrastar o pé, mas, mesmo assim, “respondeu” ao grupo de funk Avassaladores, em uma de suas músicas mais conhecidas.

Na versão de Naiara - que recebeu o nome de “Coitado” – a prepotência, arrogância e segurança do homem que quer explicar a diferença de traição, amor, romance e “lance”, é posta em dúvida:

“Coitado, se acha muito macho. Sou eu que te esculacho. Te faço de capacho. Se acha o bicho. Nem era tudo aquilo que contava para os amigos....”

As respostas a músicas consagradas - ou não - viraram mais um caminho alternativo - incerto, no entanto - para se alcançar sucesso no meio musical. Geralmente é adotada por cantores que estão se lançando no mercado. A estratégia, porém, não é recente.

Juiz aposentando, Paulo Cesar escreveu uma crônica sobre a batalha musical entre os sambistas Noel Rosa e Wilson Batista. (Foto: João Garrigó)
Juiz aposentando, Paulo Cesar escreveu uma crônica sobre a batalha musical entre os sambistas Noel Rosa e Wilson Batista. (Foto: João Garrigó)

Batalha no samba - O juiz aposentado Paulo Cesar Pereira da Silva sabe bem disso, mas é do tempo que a briga era poesia da boa. Há 42 anos um encontro com o Ciro Monteiro, o “Formigão”, sambista das antigas, rendeu uma crônica curiosa envolvendo Noel Rosa e Wilson Batista, assinada por Paulo.

Em “Éramos Três”, como o texto foi batizado, o magistrado aborda o duelo que existia entre os sambistas. Situação que, segundo ele, foi confirmada por "Formigão", de quem se tornou amigo por acaso.

De acordo com a história, Noel, que não gostava de sair de Vila Isabel, teria recebido, certo dia, um bilhete com uma letra de música provocativa, direcionada a ele. A canção havia sido escrita por Wilson, o "adversário", conhecido como compositor dos cabarés.

O sambista, segundo o relato, leu a letra, chamou Ciro Monteiro, “pediu que desse um ritmo de samba na caixa de fósforos” e cantou:

Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança até o arvoredo
Eu já chamei você pra ver
Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?

A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas não quer tirar patente
Pra que ligar a quem não sabe
Aonde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?

Assim teria nascido “Palpite Infeliz”, uma das músicas de maior sucesso de Noel Rosa. A canção, de acordo com o relato de “Formigão”, feito ao juiz, foi escrita no improviso, em tempo recorde.

O engenheiro agrônomo Natal Baglioni (à esquerda) foi quem pediu ao amigo, Paulo Cesar, que escrevesse o texto. (Foto: João Garrigó)
O engenheiro agrônomo Natal Baglioni (à esquerda) foi quem pediu ao amigo, Paulo Cesar, que escrevesse o texto. (Foto: João Garrigó)

Paulo Cesar, que sempre gostou de escrever crônicas, guardou essa história até 2009, quando resolveu contar ao amigo, o engenheiro agrônomo Natal Baglioni Meira Barros, de 65 anos.

Foi ele quem pediu ao juiz aposentado, hoje diretor-presidente de uma entidade filantrópica, que escrevesse a crônica. O relato é de 1971.

“Quando ele me contou eu fiquei entusiasmado. É uma memória que não pode se perder”, disse.

Fora a importância para a história da música, o que chamou a atenção do engenheiro é que o encontro do amigo com Ciro, o sambista, ocorreu ao acaso, um dia depois do casamento de Paulo. Na época, um jovem de 23 anos que estava de lua de mel no Rio de Janeiro.

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