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Artes

Informações de "soberba desimportância científica - como andar de costas".

Por Lenilde Ramos* | 18/02/2018 08:41
Uma das apresentações no Colégio Auxiliadora, em 1968.
Uma das apresentações no Colégio Auxiliadora, em 1968.

As amigas dos tempos do Colégio Auxiliadora Eneida Azevedo e Marcia Carolina Desiderio postaram essa raridade de 1968. Nesse ano, a dita Revolução Militar, que instalou a ditadura, pegava pesado em todo o País. Nos Estados Unidos, a revolta da comunidade negra contra a segregação racial provocava conflitos nas ruas de Chicago. Os Panteras Negras e os ditos "terroristas tupiniquins" eram meus ídolos, mesmo que eu não perdesse uma só tarde de Jovem Guarda aos sábados na TV, cultuasse religiosamente os Beatles, tietasse os Festivais da Record que nos apresentaram Gil, Caetano e idolatrasse Os Mutantes. Eu me abastecia de inconformismo para começar a bater asas.

Então, fiz uma música meio bossa nova chamada "O Amor vence a Cor", falando sobre o racismo. E foi essa música que eu apresentei às colegas do colégio. Ensaiamos e fizemos bonito no I Festival de Música do Auxiliadora. Professora Glorinha Sá Rosa estava no Júri e dali saiu com a autorização das freiras para que eu pudesse participar do Festival do Clube Surian que ela estava organizando.

Até aquele momento eu só tocava no colégio, em casa e nos bairros poeirentos acompanhando Irmã Silvia Vecellio e Irmã Maria Ponti nas andanças pela periferia. Fiquei insegura de enfrentar o público da cidade, outro tipo de plateia e pedi a dois acadêmicos de Direito da Fucmt (hoje UCDB) que cantassem a música pra mim: José de ALmeida, o Zeca do Trombone e Darcy Terra. Fiquei só no piano, do lado de Antônio Mário e Agápito Ribeiro, como se fosse pouco.

Nesse Festival estavam concorrendo os bam bam bam da época, que eu fiquei deslumbrada em conhecer: José Octávio Guizzo, Jorge Siufi (depois autor do Hino de MS) e Onésimo Filho. Acabei ganhando tudo: Melhor Letra e Melhor Música, 250 cruzeiros cada prêmio. Nunca tinha visto tanta grana na minha mão na minha vida.

Eu havia tirado o uniforme e vestido um vestido tubinho. Voltei para o Internato tarde da noite e encontrei Ir. Silvia na porta me esperando. Num impulso peguei 250 cruzeiros e botei na mão dela, pra fazer o que quisesse pelo velho leprosário que ela estava adotando, para desespero até de suas superioras.

Nem consegui dormir aquela noite, com o zunido dos microfones, a multidão no Surian cantando minha música e os amigos que conheci e que admiro até hoje: Paulo Paulo Simoes, Mauricio Barros Almeida, Geraldo Espindola Espindola e suas irmãos Tetê e Alzira, Grupo Acaba e assim por diante.

Hoje, passados mais de 40 anos, constato que ao longo dessa longa estrada da vida, não desenvolvi grandes pendores materiais. Sobrevivi. Mas, fico feliz em ter sido fiel à música e, com ela, ter feito amigos, ter rompido barreiras, ter tentado derrubar tabus, ter a sorte de, com a música, ter tentado amenizar tristezas, causado pequenas alegrias e enfrentado corações embrutecidos.

Minha maior riqueza é alguém me olhar e dizer: "Ah... não lembro seu nome, mas você é da música né?". Ser lembrada por causa da música é meu pagamento. Como diz o velho amigo Manoel de Barros: "Todas estas informações têm soberba desimportância científica - como andar de costas".

*Lenilde Ramos e compositora, instrumentistas, cantora e escreve de forma particular sobre a história de Mato Grosso do Sul

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