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Artes

Pelas mãos de Catarina, cultura Guató é apresentada ao mundo em cestos e bolsas

Desde 1974 a artesã transforma plantas secas em bolsas, cintos, jogo americano, cestas, chapéus, tapetes e o que mais a criatividade permitir.

Kimberly Teodoro | 23/02/2019 07:47
Aos 69 anos, Catarina ganha a vida trabalhando com o que ama e preservando a cultura do próprio povo (Foto: Kísie Ainoã)
Aos 69 anos, Catarina ganha a vida trabalhando com o que ama e preservando a cultura do próprio povo (Foto: Kísie Ainoã)

Criteriosa, Catarina leva sempre em conta a cor e a espessura dos ramos secos do aguapé, planta típica do pantanal, selecionando um a um já com a peça em mente. Artesã, a simpática senhora de 69 anos é representante do artesanato de seu povo, os Guató, da Aldeia Uberaba na Ilha Ínsua a 211 km de Corumbá. Por trás do sorriso amigável e personalidade gentil, Catarina Ramos da Silva, carrega também o olhar que transborda força e sabedoria vindos de vida de luta que chegou a desafiar a própria morte.

“Quando aprendi a trançar, aprendi igual índio, porque eu sou índio e é assim que se faz. Tem que prender a trança no pé, senão parece que não sai direito, fica frouxa”, explica Catarina, enquanto as mãos trançam a fibra de aguapé com habilidade e confiança de quem, desde 1974, transforma plantas secas em bolsas, cintos, jogo americano, cestas, chapéus, “abanicos”, uma espécie de leque característico dos Guatós, tapetes e o que mais a criatividade permitir.

Nascida na Ilha Ínsua, Catarina conta ter passado a maior parte da juventude na Barra do São Lourenço, comunidade à beira do ponto em que o Rio Paraguai recebe as águas do Rio São Lourenço. Para chegar até lá, são quase 26 horas de barco partindo de Corumbá. As memórias de infância remontam um tempo em que seu povo era livre e migrava de um ponto a outro do rio em busca de caça, pesca e coleta de alimentos.

Criteriosa, ela faz questão de escolher o material um a uma (Foto: Kísie Ainoã)
Criteriosa, ela faz questão de escolher o material um a uma (Foto: Kísie Ainoã)

A força e o equilíbrio necessários para o controle da canoa está no sangue da índia, que aos 5 anos já remava sozinha pelo rio, pescando ou caçando pequenos animais que serviriam como comida para a família inteira. “Quando os peixes ficavam escassos, íamos para outro ponto do rio e assim por diante, para não acabar com toda a vida do lugar. Sempre foi do nosso estilo de vida pegar só o que precisávamos para sobreviver e preservamos o resto para nunca faltar. Meu povo fez isso a vida inteira e nunca destruímos nada”, diz.

Catarina se casou muito jovem, com o amor de infância que cresceu com ela. Os dois foram se aproximando e se gostando cada vez mais, fazendo com que o casamento fosse uma escolha natural. Infelizmente, o que parecia a escolha certa, acabou se transformando em 9 anos de dor e maus tratos e a inocência da moça que se apaixonou ainda adolescente virou mágoa e desilusão, tanto que depois de tomar coragem para deixar o marido, ela nunca mais conseguiu se envolver com nenhum outro homem.

“Um dia percebi que a vida que eu levava era pior que a morte, pensei em acabar com tudo até o dia em que brigamos e eu disse para ele: ‘Ou você me mata de uma vez ou eu vou embora, dos dois jeitos, você nunca mais vai me ver”. Ele não a matou e com os cinco filhos e um único colchão como pertence, ela veio para Campo Grande, onde trabalhou por muitos anos como cozinheira em uma empresa de tratamento de água.

Depois da morte do marido, Catarina e o os filhos voltaram para Corumbá, onde aprendeu com a sogra a arte dos Guató de trançar o aguapé. O processo inteiro é feito pela artesã, que usa as técnicas aprendidas há tantos anos para fazer desde a coleta de matéria prima ao último nó no ramo já seco da planta. A rotina é pesada, mas recompensa quem não tem medo do trabalho que exige acordar cedo, alugar uma chalana por R$ 20 no porto da cidade e subir o rio em busca dos pés mais saudáveis, aqueles que crescem longe da poluição. De cada pé, Catarina não leva mais de 3 talos e colhe tudo com as mãos, para não matar a planta.

As mãos firmes fazem o trabalho com a habilidade e a segurança de quem exerce o ofício desde 1974 (Foto: Kísie Ainoã)
As mãos firmes fazem o trabalho com a habilidade e a segurança de quem exerce o ofício desde 1974 (Foto: Kísie Ainoã)
Do jeito tradicional, Catarina prende a ponta da trança entre os dedos do pé para dar firmeza ao trabalho (Foto: Kísie Ainoã)
Do jeito tradicional, Catarina prende a ponta da trança entre os dedos do pé para dar firmeza ao trabalho (Foto: Kísie Ainoã)

A sogra tinha preferência pelos talos mais novos, que davam um capim dourado mais bonito, mas Catarina desenvolveu a técnica e procura alternar os tons dos ramos, dependendo da peça ela chega até a tingir com anilina de madeira a fibra do aguapé, criando peças únicas. Depois da coleta, ainda leva entre 4 e 5 dias ao sol para que os ramos estejam completamente secos e prontos para o uso.

O valor de cada peça é baseado na quantidade de material e no trabalho empreendido, cada chapéu, por exemplo, leva cerca de 30 metros de trança e é vendido RS 130 reais. As bolsas têm os mais diversos padrões, desde tranças até padrões feitos com a fibra amassada e entrelaçada e, dependendo do tamanho custam entre R$ 60 e R$ 120 reais. Ela também produz peças menores, como chaveiros e cestas, que saem a partir de R$ 10 reais.

Catarina aceita encomendas pelo telefone (67) 99263-2434, que também é Whatsapp. Aqui em Campo Grande, algumas das peças estão expostas na Casa do Artesão, mas a vida mesmo ela ganha viajando de feira em feira, expondo seu trabalho sempre que é convidada, as viagens de ônibus entre Corumbá e Campo Grande são tantas que ela até perdeu a conta, mas que ela não se importa em fazer, porque trabalha com o que ama, mantendo viva a cultura do povo Guató em peças cheias de significado e valor histórico.

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Cestos, bolsas, chaveiros, chapéus, Catarina transforma a fibra do aguapé em tudo o que a imaginação permitir (Foto: Kísie Ainoã)
Cestos, bolsas, chaveiros, chapéus, Catarina transforma a fibra do aguapé em tudo o que a imaginação permitir (Foto: Kísie Ainoã)
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