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Artes

Com acervo invejável, colecionadores de vinil querem exibir discos ao público

Ângela Kempfer | 23/03/2012 20:26
Moura e parte da sua coleção. (Fotos: Pedro Peralta).
Moura e parte da sua coleção. (Fotos: Pedro Peralta).

São milhares de discos de vinil em uma organização de fazer inveja à qualquer livraria. A coleção de 23 mil discos do major aposentado José de Moura é catalogada por estilo musical, distribuída em ordem alfabética, sem exibir um grão de poeira nas capas que ganharam plástico para evitar qualquer dano ao patrimônio “bolachão” conquistado com dificuldade.

“Viajo o mundo todo e vou comprando. Dá trabalho”, confirma o colecionador. No bairro Silvia Regina, a sala com os discos fica já na entrada. Os vinis ocupam o cômodo inteiro, com destaque para alguns artistas que são ídolos para Moura. “O Raul Seixas é o maior de todos. Tenho tudo dele”, conta.

A coleção continua crescendo, mas toda aquela história musical, escondida ali na periferia de Campo Grande, incomoda. “Penso que não tem muito sentido guardar tudo para mim. Fico aqui, arrumando, comprando, mas queria mostrar isso a mais gente”, explica.

O colecionador garante já ter apresentado algumas propostas “a pessoas da Cultura”, como projeto do Museu do Disco, sem sucesso. “Acho um absurdo. Campo Grande já não tem quase nada para fazer. Os caras pagam 100 mil reais para um show no parque, que é efêmero, acaba e pronto. Com esse dinheiro dava para reunir os colecionadores e fazer algo bacana”, defende.

Benito de Paula, sem bigode.
Benito de Paula, sem bigode.

Moura tem discos tão raros que no mercado custam quase duzentas vezes mais. Lula Cortez e Zé Ramalho, Roberto Carlos em “Louco por Você”, vinil de Benito de Paula ainda sem o bigodão, são só algumas das relíquias, que seguem com Adair José, Secos e Molhados e toda a Jovem Guarda.

As vitrolas são guardas em estoque, para evitar um dia ser surpreendido sem equipamento para a rotina musical. “Vai que um dia não tem mais aparelho no mercado. Então eu guardo”, justifica mostrando as 19 vitrolas na estante, uma delas, produzida em 1958, no Vietnã.

Mas o que chama mesmo atenção de um leigo diante de tamanho acervo são as recordações que alguns trazem à tona. No meio de tanta música, há aquele vinil que a família ouvia junta, um que fez a estréia da vitrola na infância, outros que tocavam nas festinhas de escola e assim dá para ficar horas ligando uma lembrança a um vinil.

“Pense nisso tudo em exposição, com atividades culturais no mesmo espaço. Seria perfeito”, sugere Moura.

Um dos pontos certos para encontrar as relíquias é o Discão, loja que resiste a era dos CDs e continua com as portas abertas na rua Dom Aquino com centenas de discos para remasterização. "Fiz grandes amigos aqui e eles sabem que é um lugar certeiro para encontrar o que poucos dão valor", diz Luizão, o dono do negócio.

Durante a conversa, ele engata uma lista de amigos que poderiam colaborar. Entre eles o do juiz aposentado Fauzer Maia, dedicado à música sertaneja de raiz.

Luizão, da loja Discão, mantém o ponto de encontro dos colecionadores. Nas mãos, uma das raridades.
Luizão, da loja Discão, mantém o ponto de encontro dos colecionadores. Nas mãos, uma das raridades.

A curiosidade me leva até o bairro Carandá Bosque. O ex-juiz recebe o Lado B como um apaixonado, louco para dividir os “predicados” da amada, no caso: os vinis. A esposa já se separou há anos. “Não aguentou os discos, mas foi muito melhor”, brinca.

Não dá para entender como ele “se acha” em meio a uma infinidade de papéis colados pelas prateleiras, discos nas mesas, nas cadeiras, em caixas no chão e na parede. “É que os mais raros eu escondo ali”, diz apontando para uma sala ao lado. No lugar, tudo fica organizadinho em grandes caixas. Um a um, Fauzer vai tirando e contando algo sobre.

O mais difícil de encontrar foi a primeira gravação da dupla Zilo e Zalo, ícones entre os sertanejos originais, e também tem orgulhos dos exemplares de Nenete e Dorinho, “muito raros”. As compras são feitas pela internet e é só chegar um vinil novo para tudo parar na vida do aposentado. “Primeiro vejo se a capa não precisa de nenhum reparo. Depois limpo o disco e coloco para tocar. Os que fizeram muito sucesso, sempre tem uns riscos, não tem o que fazer”, detalha.

Dez anos na vida de colecionador fazem o ex-juiz se arriscar nas composições próprias. “Uma vez fiz uma música para rebater outro que eu achei que era muito deselegante com as mulheres”, lembra. Para se divertir, também resolveu gravar com gente famosa, como a dupla Jads e Jadson. Já “lançou” um CD, mas só com mil cópias para os amigos. “É só de brincadeira”, justifica.

Das duplas sertanejas atuais, Fauzer não tem nenhum disco. Separa o estilo entre os sertanejos de raiz e os “perfumados”. Dos nomes regionais das antigas, o que mais dá orgulho é “Délio e Delinha”. “Eu adoro isso”, mostra o vinil da dupla sul-mato-grossense.

Sobre os 63 mil discos catalogados, Fauzer também reclama da falta de divulgação e faz o convite para o fotógrafo da equipe, como costuma fazer para quem demonstra interesse pelo acervo. “Chama algum amigo e vem aqui ouvir. Eu até gravo para quem gosta”, diz sobre a vontade de compartilhar o que reuniu por tanto tempo.

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