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Comportamento

"Eu quero radicalizar", que cabeleireiro nunca ouviu e tentou reverter a frase?

Paula Maciulevicius | 18/07/2013 06:35
Além de cabeleireiros, psicólogos. O que o seu sabe sobre você? E se a cadeira de um salão falasse? Quantas histórias não ia revelar das clientes? Mércia Escher ouve, corta e aconselha há 17 anos. (Foto: Marcos Ermínio)
Além de cabeleireiros, psicólogos. O que o seu sabe sobre você? E se a cadeira de um salão falasse? Quantas histórias não ia revelar das clientes? Mércia Escher ouve, corta e aconselha há 17 anos. (Foto: Marcos Ermínio)

Eles ouvem de tudo. Da morena querendo ficar loira, cacheada que quer ser lisa e desejo de ‘radicalizar’ o visual. Falo por mim, se os cabeleireiros que já tive na vida tivessem atendido meus pedidos, eu não teria um fio de cabelo pra contar história. O trabalho deles exige mais do que a simetria perfeita de um corte ou o caimento daquela escova. É entre uma lavada e outra que eles vão de mestres das tesouras para psicólogos.

É preciso sim muito jogo de cintura e apelar para ciência que estuda a mente para não cair na onda 'momentânea' dos clientes e acordar no dia seguinte sendo xingado até a quinta geração. Porque em alguns casos só a psicologia de um cabeleireiro para entender, aconselhar e convencer o cliente de que o cabelo não é capaz de mudar a vida.

Seja pela afinidade, o conforto da cadeira, o papo, o café ou as revistas. Ir ao salão é distração e o primeiro passo (ou segundo, dependendo do limite do cartão de crédito) para quem está na deprê e precisa dar uma repaginada. A primeira, deixo claro aqui, que pode ser a opção de ir às compras. Menos arriscado, mas pode sair bem mais caro.

Cabeleireiro há 25 anos, Pedro de Jesus Camargo, de 50 anos, o Pedrinho, já ouviu de tudo nessa vida. Tanto de problemas como de pedidos estafurdios de mudanças. “A coisa mais absurda foi uma moça, uma advogada loiríssima de cabelo cacheado, estilo Patrícia Pilar, que me disse ‘amanhã vou cortar o cabelo curtíssimo, quero mega hair preto, liso e com franja. Logicamente que eu não fiz e já saquei, ela está com algum tipo de problema”, relembra.

A cliente ofereceu o triplo do preço que o visual custaria e mesmo assim Pedrinho se manteve firme. “Ela vai acordar no outro dia e se arrepender”, justificou. Ele conseguiu fazer com que, por ora, ela mudasse de ideia. "Normalmente eu tenho que ouvir bastante, eu ouço e vou lapidando, torneando. Aí eu dou uma picadinha para dar leveza, uma tonalizada para dar um brilho, ou joga uma franja, faz um degradê nas pontas. Radicalizar mesmo, só em último caso", conta.

Com anos de experiência, de cara ele já sabe quando a cliente quer descontar o que está sentindo no cabelo. Digo descontar, porque muitas vezes a escolha é tão adversa ao que a pessoa é, que mais parece que o cabelo virou vítima na história.

"Quando começa a dizer 'meu cabelo está isso, meu cabelo está aquilo' pegando com a mão, eu já sei que é insatisfação pessoal. Se eu já tenho um certo tempo com a pessoa, eu falo direto: o que está acontecendo? Porque você quer mudar? Tem casos em que a cliente começa a chorar. Eu papeio bastante, tem aquela que quer mudar e não se abre e aquela que vai conversando. Aí vou lavar o cabelo, às vezes em 10, 15 minutos eu consigo tirar isso da cabeça", acrescenta.

O resultado de que a psicologia do cabeleireiro dá certo é que no outro dia, Pedrinho chega a receber ligações ou mensagens de agradecimento. "Ela sai contrariada, mas pisa lá fora e é elogiada e depois me liga". No caso da advogada, o cabeleireiro conta que tonalizou para dar um fechada no cabelo, cortou e fez uma cristalização. Ele admite que ela não saiu satisfeita, mas pelo menos ele deu uma tapeada.

Pedrinho já ouviu de tudo nessa vida e até já teve que tomar uma cerveja para esquecer confusão de cliente. (Foto: Cleber Gellio)
Pedrinho já ouviu de tudo nessa vida e até já teve que tomar uma cerveja para esquecer confusão de cliente. (Foto: Cleber Gellio)

Em tantos anos de trabalho, é claro que as histórias vão além dos cabelos. Pedrinho já enloireceu mulher que ia pegar o voo para encontrar o amante depois que o marido viajou, ouviu de uma cliente casada e com filhos, que havia se apaixonado por outra mulher, mas a rainha dos absurdos está na coincidência deste relato: com duas clientes no salão, uma para luzes e a outra para maquiagem, enquanto o cabeleireiro fazia o rosto, a mulher foi contando que saíria com um homem que havia conhecido. Ela simplesmente disse tudo sem saber que a mulher ao lado era a noiva do tal pretendente.

"A moça que estava maquiando foi me contando e a das luzes fazia sinal para eu perguntar mais. As duas eram minhas amigas, o que eu ia fazer? Como a da maquiagem estava de olhos fechados, eu fui batendo o pó no rosto dela e na boca, tentando tampar, mas ela não percebeu e dizia 'Pedrinho você está me afogando. Eu me fiz de besta aquele dia, eu simplesmente não tinha o que fazer. Saí do salão, sentei e tomei duas cervejas para esquecer essa história", lembra aos risos.

Ele afirma que diante de tudo isso, se o profissional não tiver seriedade, faz besteira.

Cabeleireira e terapeuta há 17 anos Mércia Regina Escher, de 51 anos, parece que é mestre em conselhos amorosos. Ninguém senta naquela cadeira sem sair com alguma resposta, tomada por si mesmo, mas que teve a luz vinda num papo com ela. Quando se vê diante dos absurdos em desejos de mudar o visual, ela primeiro conversa.

"Você já sabe que normalmente ela está com algum problema. E eu tenho que saber exatamente o que é, porque se eu fizer, no outro dia ela vai chorar", descreve. Entre os principais temas que ouve e discute está a questão amorosa. Em um caso específico de 'radicalização', ela já viu sentada o dia inteiro no salão, dizendo que não saía enquanto a cabeleireira não fizesse o que ela queria, que era descolorir e pintar o cabelo de laranja.

Tem cliente que Mércia até faz alguma coisinha só para que ela saia satisfeita. Conheço gente que a cada dois meses inventa de fazer luzes e de tirar. Se faz californianas, quer cortar no mês seguinte, mas depois pede para refazer. Além da psicologia é preciso também uma baita de uma paciência. A relação entre cabeleireiro e a clientela acaba virando amizade.

"A gente acaba ficando amiga, você vai conversando, ela vai se abrindo. Hoje em dia as pessoas são muito sós. E com isso normalmente você vai acompanhando as histórias e chega num ponto que você aconselha a terminar porque você vê que não tem mais como continuar, ou tenta amenizar", relata.

Entre tantos conselhos, ela diz que fala quando acha que está certo e admite que é preciso pensar muito no que responder. "Porque ao invés de ajudar, a gente pode bagunçar a vida da pessoa. Então tem que ser muito coerente, eu espero que não tenha feito nenhuma maluquice, senão, os homens não vão deixar as mulheres virem mais no salão", brinca.

Verdade seja dita, que mulher nunca quis mudar o visual depois de um término? Ou dar uma repaginada após uma trauma qualquer ou foi chorar as pitangas na cadeira de um salão de beleza?

"Não sei se é porque eu gosto muito do que eu faço, mas eu acho que tudo é uma troca. Eu não só me doou para as pessoas, como elas também se doam muito a mim e eu acho que isso é muito compensador", finaliza.

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