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Comportamento

"No meu tempo isso era birutice", diz Aparecida ao descobrir Alzheimer

Thailla Torres | 07/03/2018 07:10
O carinho dos familiares faz toda a diferença nesse momento na busca de vencer a evolução da doença e prolongar os dias bons ao lado da mãe. (Foto: Arquivo Pessoal)
O carinho dos familiares faz toda a diferença nesse momento na busca de vencer a evolução da doença e prolongar os dias bons ao lado da mãe. (Foto: Arquivo Pessoal)

O maior medo das irmãs Rosana e Silvana era da mãe, Aparecida, ficar perdida na rua. Com o diagnóstico de Alzheimer há 2 anos, um dos primeiros sinais que revelaram o estágio da doença, foi justamente o que mais preocupava as filhas. "Ela foi levar um documento no meu trabalho e quando saiu na porta, ela não sabia voltar para casa. Sorte que ela carrega uma caderneta com nomes e telefones dos filhos, e conseguiu falar com a família", descreve Rosana de Lourdes Dias, de 55 anos.

Dona Maria Aparecida dos Santos tem 74 anos e está no primeiro estágio do Alzheimer, quando se apagam as lembranças recentes, há dificuldades de encontrar palavras e se perde a motivação para ações cotidianas. Mas o carinho da família faz toda a diferença nesse momento na busca de vencer a evolução da doença e prolongar os dias bons ao lado dela.

Mãe de 4 filhos, 13 netos e 10 bisnetos, é ela quem faz questão de falar o que sente, toda vez que a palavra Alzheimer toma a consciência. “É duro, porque a gente não espera isso. E olha que eu já cuidei de pessoas idosas em casa, mas nunca pensei que isso fosse acontecer comigo, no meu tempo isso era chamado de birutice", diz Aparecida.

Silvana, Aparecida e Rosana. (Foto: Silas Souza)
Silvana, Aparecida e Rosana. (Foto: Silas Souza)

Sorrindo, mas atenta, ela presta atenção em cada coisa que as filhas contam. Às vezes, divaga. "Será que eu vou ficar doida?", questiona como quem tenta compreender a rotina cada vez mais diferente.

Apesar de ser cuidada 24 horas pelas filhas, Rosana e Silvana fazem de tudo para que a mãe leve uma vida normal. "Às vezes elas deixam eu passar roupa, mas sempre me cuidando", conta Aparecida. É o jeito que elas encontraram de ver a mãe em segurança, para que não se machuque caso, por exemplo, esqueça que o ferro está ligado.

Aparecida ainda tem compreensão sobre a doença, mas começa a se sentir como uma criança. "Elas cuidam de mim como criança, se eu comi, se eu tomei remédio, me dão amor, só falta me darem banho".

Para as filhas, apesar dos papéis se inverterem, o processo de infantilizar a mãe foi superado. Principalmente para Rosana que até chamava a mãe de filha. "Quando conhecemos a Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), a primeira coisa que aprendemos é que apesar da transformação de papéis, a pessoa com demência tem que ser tratada como ela é, um adulto", explica a irmã Silvana Cristina dos Santos, de 51 anos. "Porque ela tem uma bagagem, uma história de vida, foi casada, criou filhos e netos. Ela não pode ser tratada como uma criança”, completa.

Mesmo com a tristeza diante do diagnóstico e do cuidado rigoroso da família, Aparecida é uma mulher forte. Gosta de conversar, ouvir música e dançar, principalmente, quando há estímulo de uma das netas que aparece no fim de tarde para jogar conversa fora com a avó.

"É o que faz a diferença, isso ajudou ela a superar a 'síndrome do entardecer', uma ansiedade que ela tinha logo quando os sinais foram avançando, sempre no fim da tarde, ficava muito nervosa".

A música mudou tudo. "Minha filha vem no fim da tarde, coloca música e ela adora", conta Silvana. Questionada se já cantou e dançou muito na vida, Aparecida sorri tentando buscar na memória. "Acho que faz tempo que não danço", diz.

Dona Aparecida é uma mulher forte.
Dona Aparecida é uma mulher forte.

A descoberta - As irmãs recordam que os primeiros sintomas apareceram em casa. "Pequenos esquecimentos, guardava dinheiro e não lembrava, depois até algumas lembranças mais antigas”, diz Rosana.

Mas até então as filhas não associavam a falta de memória à doença. “Percebemos algo diferente quando ela assistiu uma reportagem sobre a violência com policiais e disse que estava preocupada com meu irmão, sendo que ele não está nas ruas como polícia há quase 20 anos”.

A mãe também esquecia que Silvana morava do outro lado da rua. “Ela me olhava pela janela saindo de casa e dizia que eu estava abandonando porque não saia da casa da vizinha, que na verdade é a minha casa".

Assim o diagnóstico do médico veio em 2016 durante uma viagem em família. “Estávamos em Bauru (SP) e a levamos ao geriatra. Aquele Ela estava numa fase difícil, não queria fazer nada, ficava deprimida, chorava. A gente ainda não entendia muito bem o que acontecia”.

Nesse momento, Rosana e Silvana aprenderam que estimular o cérebro é fundamental e encher a vida de Aparecida com amor é o efeito mais positivo diante da doença. “Amor, paciência e informação, são três coisas essenciais para quem assume o papel de cuidador de uma pessoa com Alzheimer, seja familiar ou não e isso a gente viu crescer cuidando da mãe”, diz Rosana.

Com o apoio psicológico que as filhas encontraram nas reuniões da Abraz, o dia a dia dentro de casa ficou mais fácil. “A gente aprendeu a viver um dia de cada vez. Sei que não tem cura? Sei. Mas eu não fixo meu pensamento nisso, e sim no bem dela. Em dar amor, paciência e estar sempre informada. É com informação que a gente aprende a cuidar das pessoas com Alzheimer”.

Serviço - As reuniões da Abraz servem de apoio para parentes e cuidadores e acontece toda segunda terça-feira do mês, às 19h, no salão da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, gratuitamente. O endereço é Avenida Mato Grosso, 3280, Santa Fé.

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