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Comportamento

Ação revela histórias de quem nasceu mulher e tem direito de viver como homem

Grupo tem relatos de pequenas conquistas, como o direito de ser chamado pelo nome social pela própria família e no trabalho

Thailla Torres | 24/07/2018 09:11
Representantes do Instituto e colaboradores para a primeira ação social dos homens trans na periferia de Campo Grande. (Foto: Thailla Torres)
Representantes do Instituto e colaboradores para a primeira ação social dos homens trans na periferia de Campo Grande. (Foto: Thailla Torres)

Eles deram as mãos e no último dia 15 de julho conquistaram um instituto, que nasceu para acolher e abraçar quem luta pelo direito de ser homem. Nivaldo Finelon, Carlos Eduardo, Théo Toledo, Ricardo Guedes e Theo Werner formam o grupo que coordena o IBRAT (Instituto Brasileiro De Transmasculinidade) de Mato Grosso do Sul.

Todos os integrantes são trans, mas já viveram na condição feminina e precisaram brigar para serem reconhecidos, verdadeiramente, como homens. Hoje, comemoram as pequenas conquistas, compartilham a militância, a independência e a autoestima. O sorriso constante não nega a felicidade de serem respeitados, principalmente, quando o amor e o conhecimento superam qualquer preconceito.

O Lado B esteve com o grupo durante a primeira ação social realizada pelo instituto na periferia de Campo Grande, no Bairro Dom Antônio Barbosa. O objetivo foi mostrar a quem passa pela mesma transformação que ninguém está sozinho. Juntos, os trans vão promover discussões para amparar, informar e buscar melhoria da qualidade de vida.

Theo é médico e luta pelos seus direitos dentro do conselho.
Theo é médico e luta pelos seus direitos dentro do conselho.

Por aqui, essa turma já nasceu forte e articulada, sem receios de compartilhar histórias de quem lutou e ainda luta por reconhecimento. Theo Werner é médico e fala sem medo dos desafios enfrentados desde a infância.

"Eu me interessava por "coisas de homem", assim dito pela sociedade, mas o sofrimento psicológico vem de longos anos por ter que aceitar roupas, comportamento, tipo de brinquedos e atividades que os pais e a sociedade impões para o feminino", conta.

Mas com o apoio da família veio a coragem para se assumir e iniciar o processo de transição. "A decisão de começar a hormônio-terapia (HT) aconteceu devido ao meu incômodo, de ser identificado e tratado como mulher, se tornar insuportável. Hoje estou em HT há 4 meses".

No entanto, a maior dificuldade não é a família, inclusive, é o mair estímulo de Theo. A dificuldade vem na profissão e na incoerência de um conselho que ainda não ampara médicos transexuais. "É onde enfrento dificuldade de usar meu nome social. Sou médico e o próprio Conselho não me autoriza a usá-lo, o que me causa muito constrangimento. Em contrapartida há uma lei federal que respeita e obrigada a tratar os pacientes pelo nome social", explica.

Para Theo a batalha travada com a profissão é um atraso. "Muito órgãos, por exemplo, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já tem esse tipo de normativa estabelecida. Eu ainda estou para conseguir mudança e facilitar o caminho para os profissionais trans da saúde".

Nivaldo é analista do Tribunal de Justiça. (Foto: Thailla Torres)
Nivaldo é analista do Tribunal de Justiça. (Foto: Thailla Torres)

No quesito profissão, o caminho trilhado por Nivaldo, de 33 anos, é ainda mais surpreendente. Ele foi policial civil por 9 anos e o primeiro homem trans a ingressar na corporação de Campo Grande. Preconceito não faltou pela frente, mas ele ele foi determinado em lutar pelos seus direitos.

"A adolescência foi uma fase muito difícil, principalmente, porque eu não tinha em quem me apoiar. Na vida adulta e com as dificuldades do mercado de trabalho, vi que minha única saída era estudar pra valer. Cursei Publicidade e Propaganda, depois fui policial e abri portas para outros homens trans".

Nivaldo se identificou com a carreira jurídica e decidiu começar Direito. Ano passado, sua maior conquista foi receber o registro na OAB com seu nome social. "É uma alegria muito grande e, ainda no final de 2017, passei no concurso do Tribunal de Justiça. Hoje sou o primeiro homem trans, analista do TJ".

No judiciário, o sistema ainda registra o nome de batismo, mas Nivaldo diz que mudanças já estão sendo feitas. "Eles estão fazendo de tudo para adaptar e isso me deixa muito feliz. É claro que ao longo do caminho tive muitos empecilhos, passei por muita dificuldade, mas tive sorte de contar com uma família que sempre me apoiou. Tenho certeza que com o instituto vamos fazer essa menina conquistar seu lugar na sociedade".

Theo Toledo comemora ter sido reconhecido com nome social em sala de aula.
Theo Toledo comemora ter sido reconhecido com nome social em sala de aula.

Aos 23 anos, a maior conquista do professor Théo Toledo foi ter sido reconhecido pelo nome social dentro de sala de aula. Formado em Letras, a primeira vez com os alunos trouxe a ele  uma esperança. "Me chamaram de Theo e me reconheceram como professor. Aquilo me deixou muito feliz", conta.

Detalhes que parecem pequenos, mas são grandes conquistas que tranformam a vida de um transexual. "Minha mãe sempre me apoiou e agora ela está busca falar meu nome dentro de casa, isso é uma felicidade muito grande. Ver meu nome no Diário Oficial, ler Théo no holerite e conseguir mudar o nome no cartão de débito, são coisas pequenas que fazem toda diferença".

Com jeito de menino, Théo é um homem tímido que penou para se impor na vida profissional. "Quando eu entrei nesse meu último trabalho, as pessoas ainda me chamavam com o nome de mulher. Aquilo me incomodava, e demorei um tempo a falar. Mas se eu não falasse, eles nunca iam me respeitar e entender quem eu sou", conta.  A coragem veio e o respeito tomou conta. " Hoje todo mundo me respeita e isso é muito bacana".

No entanto, ainda há desafios. Théo faz uso de hormônios há pouco tempo e a presença dos seios ainda é um incômodo. "Não entro na piscina, por exemplo. Também preciso lidar com os olhares de quem um dia me viu menina e hoje precisa me reconhecer como homem.  Mas isso tudo é processo, que exige calma e paciência".

Carlos é integrante e palhaço funkito do grupo. (Foto: Thailla Torres)
Carlos é integrante e palhaço funkito do grupo. (Foto: Thailla Torres)

O auxiliar de veterinário e coordenador adjunto do Instituto, Carlos Eduardo Rodríguez Dos Santos, também é o exemplo de quem apanhou muito da vida para tentar ser feliz. Aos 14 anos, se assumiu como trans para a família, que sem o diálogo dentro de casa, viu Carlos deixar tudo e ir morar numa favela de São Paulo.

Nas ruas, a adolescência foi marcada pelas drogas. "Conheci o crack. Viajava pelo interior pedindo carona em rodovias em que caminhoneiros tentaram me abusar e dormi na rua porque não tinha dinheiro para o ônibus", lembra.

Foram meses na mesma situação até conhecer alguém que lhe ofereceu ajuda e, com palavras, fez Carlos repensar a vida. "Aquilo entrou na minha alma e algo mudou, voltei a trabalhar e renasci".

A família ainda resiste a transexualidade de Carlos. "Meus pais estão mais adaptados com a ideia de ter mais um menino, porém ainda me tratam no feminino. Mas é um trabalho formiguinha, sei que para eles é difícil e, aos poucos, vou conquistando o respeito deles da melhor forma possível".

Para quem tiver interesse em participar do Instituto ou buscar informações, basta acompanhar a página no Facebook.

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