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Comportamento

As polêmicas continuam surgindo de onde menos se espera nos corredores da UFMS

Elverson Cardozo | 28/04/2015 16:52
O cartaz "polêmico", provocou a reclamação na ouvidoria. (Foto: Reprodução/Facebook)
O cartaz "polêmico", provocou a reclamação na ouvidoria. (Foto: Reprodução/Facebook)

Dois homens se beijando. Outros dois em posição erótica. Duas negras se beijando. Uma mulher com pênis, segurando a mão de um homem que tem vagina. Uma frase: “Eu beijo homem, beijo mulher, tenho o direito de beijar quem eu quiser”. Arrisca dizer qual seria sua reação diante de um cartaz anunciando um “Sarau Erótico” com todos esses elementos?

Em Paranaíba, a 422 quilômetros de Campo Grande, acadêmicos de Psicologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), organizaram evento no último dia 31, usaram essa forma de divulgação e observaram, ao longo dos últimos dias, reações diversas diante do material.

Teve, dizem, olhar torto, burburinho, além do que consideram mais grave: uma denúncia à Ouvidoria por “atentado violento ao pudor” e cobrança formal por parte da universidade, versão sustentada pelo Prof. Dr. Bruno Peixoto, docente do curso de Psicologia.

“A Pró-Reitoria Jurídica da UFMS cobrou explicações da Direção do Campus de Paranaíba a respeito do cartaz, uma vez que havia recebido denúncia a respeito deste poder configurar-se como um atentado ao pudor. Fiquei a pensar que na ausência deste termo jurídico (atentado ao pudor) talvez o delator preferisse a expressão 'pornografia'”, escreveu ele, no Facebook, em um texto do dia 24 de abril, intitulado “Universidade e Barbárie”.

E na prática tudo não passou, afirmam os alunos, de um sarau para discutir diversidade sexual e questões de gênero, com poemas, músicas e intervenções artísticas. O evento reuniu cerca de 20 pessoas e foi realizado em kitinets, onde residem acadêmicos, em frente à UFMS, diz, em entrevista por telefone, o integrante do Centro Acadêmico de Psicologia, Jean Paulo Bom Ferreira, de 24 anos.

“Teve o pessoal da UFMS, UEMS, da cidade. O sarau rolou durante uma hora e meia. Ficamos lendo poemas, discutindo sobre os temas que cada um trazia para refletir e conversamos sobre as coisas que acontecem na universidade e que expressam nossa realidade”, relata, ao dizer que o evento é uma realização do coletivo “Diversos”, que existem há dois anos na cidade.

Frente à polêmica instaurada, Jean fala em equívoco quanto ao termo erótico utilizado no cartaz. “Há uma confusão de ter ele como sinônimo de pornografia. Não é sexo explícito”, esclarece, se referindo ao evento, e explica, para quem ainda não entendeu os desenhos, o porquê das ilustrações.

“Tem a representação de um transsexual masculino e uma transsexual feminina, de um homem com vagina e de uma mulher com pênis. Queríamos chamar a atenção das pessoas para isso. Quanto aos dois homens em posição erótica, o acadêmico afirma que “não tinha membro sexual nenhum à mostra” e que, portanto, “a imagem é mais erótica que sexual”.

Fato é que a ação de divulgação, que é clara para ele, não foi interpretada da mesma forma por outras pessoas, tampouco pela universidade. Bruno Peixoto, o professor que saiu em defesa dos alunos, deixa clara que sentiu vergonha do ocorrido quando soube, pelo Centro Acadêmico, do pedido de informação da Pró-Reitoria.

Ele cita outros casos que envolvem a UFMS, como a sala incendiada no DCE de Campo Grande, a humilhação sofrida por uma aluna transexual no Restaurante Universitário e o caso do professor Kleber Kruger que, em 2013, postou no Facebook uma série de frases ofensivas em relação a homossexuais na Federal e aos cartazes na Universidade.

Afirma sentir “muito medo” de que situações com essas possam se “reproduzir” no campus de Paranaíba, mas faz um adendo:

“Senti também orgulho dos estudantes quando na simples confecção de um cartaz para uma atividade cultural se mostraram capazes de provocar aqueles que cometem muitas vezes 'atos discretos' de preconceito a saírem da casca do ovo da serpente fascista e agirem como delatores, como agentes quase policiais de um '1984' ou como colaboradores do regime empresarial-militar de 1964. Por aqui, ainda não puseram fogo em nada, ainda não queimaram livros, não prepararam o Index de títulos proibidos (embora talvez pretendam estabelecer as normas para confecção de cartazes) e autores excomungados. Em lugar de punir a homofobia, a Universidade pede satisfações àqueles/as que se insurgem contra ela”, registrou.

Escreveu mais: “Vivemos tempos miseráveis, tempos em que ainda temos de defender uma Universidade republicana. A barbárie se verteu na forma atual da sociabilidade humana e se reveste – sempre e sempre – da burocracia. A comunidade acadêmica precisa reagir a isso em todas as frentes, tanto nos canais institucionais, que são marcados pela burocracia e ausência de democracia interna, como na organização política e autônoma de estudantes, técnicos e professores contra o avanço da barbárie e pela construção de uma Universidade Popular”.

Por fim, finalizou com uma poesia de Brecht, com a observação: “Ao delator e a foto do cartaz que julgaram ser um “atentado ao pudor”.

O Vizinho

Eu sou o vizinho. Eu o denunciei.
Não queremos ter aqui
Nenhum agitador.
Quando penduramos a bandeira com a suástica
Ele não pendurou nenhuma bandeira.
Quando lhe falamos sobre isso
Ele nos perguntou se no cômodo
Onde vivemos com quatro crianças
Ainda há lugar para um mastro de bandeira.
Quando dissemos que acreditamos novamente no futuro
Ele riu.
Nós não gostamos quando o espancaram
Na escada. Rasgaram-lhe o avental.
Não era necessário. Temos poucos aventais.
Mas agora ele se foi, há sossego no edifício.
Já temos preocupações demais
É preciso ao menos haver sossego.
Notamos que algumas pessoas
Viram o rosto quando cruzam conosco. Mas
Os que o levaram dizem
Que agimos corretamente.

O Lado B procurou a UFMS para comentar o assunto, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno. 

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