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Comportamento

Assassinato da mãe que separou oito irmãos há 47 anos tem reviravolta em 2019

Joana conviveu bravamente com suas perdas, mas nunca desistiu de localizar os familiares

Danielle Valentim | 26/04/2019 07:34
Esperança de reunir todos os irmãos era mais forte que Joana. (Foto: Kísie Ainoã)
Esperança de reunir todos os irmãos era mais forte que Joana. (Foto: Kísie Ainoã)

Infância regada a sofrimento, fome, trabalho pesado e assassinato da mãe pelo pai alcoólatra. O reflexo do alcoolismo e feminicídio destrói famílias há muito mais tempo que se imagina, mas uma tragédia que separou oito irmãos no dia 11 de janeiro de 1972 será amenizada após busca incansável e cheia de esperança nas últimas quatro décadas.

Hoje aos 57 anos, Joana tinha apenas dez, quando uma ida à roça em busca de alimento a livrou de ver a mãe sendo esfaqueada pelo pai bêbado. Muito apegada a genitora, o assassinato causou um trauma tão profundo que até hoje enche os olhos d’água.

“Morávamos na roça, passamos muita fome na casa onde a gente morava que era de pau a pique e telhado de coqueiro. Eu era muito apegada a minha mãe e depois da sua morte não conseguia sair para canto nenhum. Ele matou minha mãe por ciúmes de um fazendeiro”, conta Joana.

O crime em uma fazenda de Ribas do Rio Pardo não causou apenas dor da perda, mas uma série de torturas físicas e psicológicas por longos anos. As oito crianças, quatro meninos e quatro meninas, ficaram jogadas e Joana lembra de cada irmão sendo levado por famílias aleatórias que os escolhiam como filhotes de cachorros. 

“Os mais pequenos e bonitinhos iam primeiro”, lembra. “Eu fui a que fiquei mais próxima da família, fui criada por uma tia, mas mesmo assim era jogada de uma casa pra outra. Passava um tempo na casa dela e outro na casa de um primo mais velho, pois a esposa com filhos pequenos precisava de ajuda. Meu tio também bebia e às vezes tentava me bater ou judiar de mim e minha tia me mandava de novo para a casa da nora dela”, completa.

Joana chegou a prometer a si mesma que jamais se casaria. (Foto: Kísie Ainoã)
Joana chegou a prometer a si mesma que jamais se casaria. (Foto: Kísie Ainoã)

Com traumas vivos na memória, Joana lembra que mesmo depois de um tempo, o pesadelo do retorno do pai alcoólatra e assassino a assombrou.

“O meu pai foi preso, mas o dono da fazenda pagou a fiança e ele chegou a aparecer na casa a minha tia. Me escondi embaixo da cama... [pausa na fala, pois Joana ainda se emociona ao lembrar] ... para que ele não me levasse. Eu tinha medo que ele me matasse assim como havia matado a minha mãe. Até que ele foi embora”, contou emocionada.

Joana chegou a prometer a si mesma que jamais se casaria, pois tinha certeza que o marido a mataria. Os anos se passaram e a esperança de reunir os irmãos só aumentou.

Logo depois que o tio que a criou morreu de câncer, Joana recebeu ajuda da tia para reencontrar três dos irmãos. O primeiro estava no Coophavilla e outros dois na Vila Carvalho.

“Logo que fomos separados, eu tinha um irmão, que não era o caçula, mas era um pouco mais novo que eu, que não largava de mim. Quando minha tia me trouxe para Campo Grande, em meados de 1974, ele veio junto e um casal que não podia ter filhos pegou ele para criar em uma chácara perto do Coophavilla. Então minha tia sabia que esse irmão estava morando lá”, lembra.

Coincidência ou não, assim que Joana chegou com a tia em Campo Grande moraram no Monte Líbano e depois na Vila Carvalho, mal sabia que o irmão caçula e outra irmã moravam na mesma localidade. Ela lembra que o irmão mais novo tinha três meses de vida e foi levado por um oficial de justiça.

Joana se casou em 1984 e a tia faleceu em 1986. “Com o tempo eu venci um dos traumas e me casei. Mas também proibi que meus filhos pedissem benção ao meu pai, pois deixava claro que avô deles era o meu tio que havia me criado”, relembra.

Joana nunca desistiu de localizar os familiares, a vontade de reunir todos era mais forte que ela e durante anos muitas cartas foram escritas para programas televisivos nacionais. Antes do irmão mais velho dos homens morrer, em 2018, a maioria já tinha se reencontrado. Apenas a velha, que na época tinha 15 anos, ainda tinha o paradeiro desconhecido.

O caçula hoje com 47 anos foi o responsável por localizar a irmã mais velha, Rosalina Marcelino, que na época tinha 15 anos, e, nesta semana, completou 63. Joana conta que até então toda a procura estava sendo feita com o nome errado de Rosalina Oliveira da Costa.

Rosalina no aniversário de 63 anos, em Comodoro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rosalina no aniversário de 63 anos, em Comodoro. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Meu irmão jogou o nome dela no Tribunal de Justiça, mas com o sobrenome do meu pai que era Ramão Marcelino da Costa. Durante as pesquisas ele encontrou uma recomendação do Ministério Público do Mato Grosso para transporte referente a tratamento de saúde para minha irmã. No documento tinha endereço, telefone e o nome dos nossos pais. Como eu trabalho no hospital pedi ajuda as assistentes sociais que conseguiram um telefone de um CRAS de Comodoro-MT, que confirmou todos os dados. Finalmente tínhamos encontrado nossa última irmã”, pontua.

Diferente dos irmãos, aos 15 anos Rosalina foi forçada a um casamento. Morou em Campo Grande, Bandeirantes, Camapuã e, por fim, Comodoro. O sofrimento da mais velha dos oito irmãos foi grande durante todos esses anos, inclusive enfrentando a violência doméstica.

O primeiro reencontro da família está marcado para o mês de junho. Rosalina vem acompanhada de suas duas filhas e um genro. A segunda reunião deve acontecer em setembro, quando duas irmãs que ainda moram em Ribas e Joana vão para o Mato Grosso.

Com o fim da tempestade está na hora de aproveitar a bonança, o terceiro encontro está previsto para o fim do ano em Campo Grande, quando toda a família se reunirá em uma grande festa.

Rosalina Marcelino de Oliveira, mora em Comodoro-MT, Joaquim Marcelino da Costa (faleceu), Zeferina Marcelino da Costa e Natalice de Oliveira da Costa, ainda moram em Ribas do Rio Pardo, João de Olivera da Costa, Aparecido de Oliveira Costa e o caçula José de Oliveira Costa moram em Campo Grande.

“Agora é só alegria e muita emoção. Troca de fotos e mensagens por whatsapp são todo dia. A ansiedade não cabe no peito. Muita coisa dói, mas isso que está acontecendo é um sonho”, finaliza Joana.

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