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Comportamento

Bêbado, advogado sofreu 20 acidentes de trânsito, com 2 perdas totais

Hoje ele é uma das pessoas a compartilhar histórias e medos no grupo Alcoólicos Anônimos

Thailla Torres | 29/03/2018 08:00
Integrante há 11 anos do Alcoólicos Anônimos de Campo Grande, foi assim que encontramos João. (Foto: Thailla Torres)
Integrante há 11 anos do Alcoólicos Anônimos de Campo Grande, foi assim que encontramos João. (Foto: Thailla Torres)

Com 38 anos, João* quase morreu, pelo menos, 20 vezes no trânsito. Com um jeito calmo de conversar, ele apresenta seu lado mais temido, o alcoolismo. A bebida colocou a vida do advogado em risco de diferente formas,  mas os acidentes marcaram mais a juventude. Apesar de a maioria não ter sido grave, hoje ele sabe que a tragédia é questão de dias quando vira costume pegar o volante embriagado.

João agora é parte dos Alcoólicos Anônimos de Campo Grande, e foi assim que o encontramos, em mais uma reunião, no Centro. Ele está ali há 11 anos, chegou em 13 de dezembro de 2006, data que ele guarda na memória como amuleto. Pelas contas, é o mesmo tempo que está sem colocar uma gota de álcool na boca.

Ele chegou como muitos, derrotado, depois das bebedeiras que começaram na adolescência e o levaram para o fundo do poço. "Eu começava a beber nos lugares mais chiques e acabava no mesmo lugar, no chão e na lama. Não importava a bebida, começava na cerveja, mas se no final tivesse pinga, o importante era me embriagar", conta.

Em uma das reuniões, a literatura que acalma. (Foto:Thailla Torres)
Em uma das reuniões, a literatura que acalma. (Foto:Thailla Torres)

No final de tudo, João apagava. O álcool lhe tirava a memória, exceto as tragédias que aconteceram ao longo dos anos. "Tirei minha Carteira de Habilitação e durante 8 anos, eu bati o carro mais de 20 vezes, tive duas perdas totais no veículo, derrubei poste".

Ele recorda que da última bebeu mais de 24 horas e adormeceu ao volante. "Bati em um carro e fui preso, porque estava em frente a polícia de trânsito. Respondi processo por embriaguez ao volante, me vi sentado no banco dos réus, mas sabia que não era bandido. Naquela hora eu assumi que precisa de ajuda". 

Na mesma época, o desespero pelo álcool chegou ao extremo, até da violência. "Quando chegava em casa embriagado, meu pai perguntava e eu justificava porque tinha bebido. Cheguei a agredir meu pai, quebrar os móveis de casa, saia arrumadinho e voltava um trapo, por conta de brigas na rua", lembra.

A bebida não afetava só João que viu a família desesperada sem enxergar uma saída. "Deixei meus pais neuróticos, ele nunca sabiam quando eu ia voltar. Tinham que me buscar em hospital, delegacia e não conseguiam mais dormir. Essa rotina durou 10 anos".

João não sabia o que lhe instigava a beber, mas se lembra exatamente o que levou à dependência. Tudo começou com os amigos, aos  16 anos. "Experimentei cerveja, mas não gostei. Porém, para acompanhar a turma, ficar desinibido, eu passei a beber. Estava na igreja, participava do grupo de jovens e depois a gente saia para a balada beber. Pra ver que dentro da igreja ninguém está salvo".

Antes do último acidente, ele até pensou em tratamento, mas tinha receio do que iam pensar dentro da igreja. "Eu era ministro da eucaristia, coordenador do grupo de jovens e formador de coroinhas, mas o orgulho e a arrogância eram maiores. Na época, até cheguei a ficar quatro meses sem beber, mas porque estava em casa depressivo, há uma semana sem tomar banho, fazer barba e escovar os dentes".

João diz: "Hoje estou em um novo passo, levando a mensagem para outras pessoas que necessitam saber que há uma saída". (Foto: Thailla Torres)
João diz: "Hoje estou em um novo passo, levando a mensagem para outras pessoas que necessitam saber que há uma saída". (Foto: Thailla Torres)

Por sorte, João nunca fez vítimas no trânsito, e o índice cada vez mais alto da batalha entre álcool e direção só reforça a necessidade de se manter sóbrio. "Graças a Deus nunca fiz vítimas, hoje sou um alcoólico em recuperação".

Apesar do tempo longe da bebida, ele é realista em dizer que a batalha nunca estará vencida. "Porque se eu começar a beber hoje, meu corpo vai exigir os 11 anos que fiquei sem beber e a derrota vai ser muito mais rápida, é o que acontece com muitas pessoas nessa caminhada".

Existe uma saída - Dos seus dias de luta contra a dependência ficou uma gratidão imensa ao grupo Alcoólicos Anônimos que sempre está de portas abertas. "No AA recarrego minhas energias para saber que nas próximas 24 horas eu vou continuar sem beber, esse é o propósito que a gente faz. Por isso venho praticamente todos dias, em média, 6 vezes na semana".

No grupo, João encontrou a saída que muitas vezes está diante dos olhos, mas com a bebida é difícil enxergar. "Aqui todos somos médicos e pacientes ao mesmo tempo. O mais interessante é que no AA, nada é imposto. Primeiramente precisamos admitir o vício e aceitar que precisamos de ajuda. Hoje estou em um novo passo, levando a mensagem para outras pessoas que necessitam saber que há uma saída e é a mesma que funcionou para mim: o Alcoólicos Anônimos".

Ao final de mais uma noite, João é enfático e define a bebida alcoólica como fatal. "Ao beber, ninguém sabe se será atingido ou não pela dependência química. Mas o problema, é que a maioria acredita que não".

Serviço - Quem quiser conhecer e participar do AA, pode entrar em contato com o grupo pelo telefone (67) 3383-1854. Em Campo Grande há diversos grupos em todas as regiões da cidade.

* João é nome fictício, para preservar o anonimato exigido pelo AA.

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